quinta-feira, 10 de março de 2022

ILUSTRAÇÕES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS por José Ruy (9)

Continuemos com as ilustrações do livro «As Quase Verdadeiras Aventuras de Hércules» de Adriana Freire Nogueira.
Lembro-vos que o livro foi profusamente ilustrado, com 15 desenhos para 150 páginas de texto, e como quando fui contactado estava já paginado e definidos os espaços destinados para cada ilustração, tive de desenhar as cenas descritas e escolhidas pela autora e pela editora. Sem problema.

À esquerda, Erimanto espia Afrodite, e quando esta se apercebe, erradia uma luz que cega o intruso.
Na direita Hércules vence a Hidra; vê-se Iolau o sobrinho de Hércules com uma tenaz a segurar uma brasa para queimar as feridas dos cortes das cabeças, para que daí não nasçam outras.

E agora vou contar o desfecho do litígio entre o primeiro ilustrador e a editora. O desenhador foi faltando ao compromisso dos prazos estabelecidos durante meses deixando o trabalho arrastar-se até ao «vermelho» ficando quase sem possibilidade para ser editado para o Natal desse ano de 1997.
Ainda por cima, quando a editora lhe solicitou o colorido da ilustração para a capa, exigiu pagamento extra, sem ligar ao contrato que assinara.
Isso despoletou a decisão da Helena Ramos em cortar com ele, já que também não estava satisfeita com a qualidade das ilustrações já entregues, algumas com erros graves de desenho, principalmente nos animais.
Mas ele avançou para tribunal, pois exigia que lhe pagassem o que havia feito. A editora alegava que ele quebrara o compromisso, por faltar aos prazos e fazer exigências de última da hora.

Na cena à esquerda pode ver-se o javali de Erimanto arremetendo contra Hércules, e na da direita Hércules e os Centauros. Esta ilustração fecha o livro.

Continuando a «aventura» do processo judicial, passaram anos, pois estas coisas são sempre demoradas, e quando se esperava que a contenda estivesse esquecida, veio a convocação do tribunal. A editora, que nunca tinha tido um caso desses, estava nervosa, apesar de convicta de ter a razão do seu lado sempre era uma situação desagradável. Pediu-me para depor e dar as explicações técnicas que fossem necessárias. Disponibilizei-me logo e rapidamente chegou a manhã da audiência. O julgamento foi num departamento perto das Amoreiras, à porta fechada.
Encontrámo-nos um pouco antes num café ali perto com a Adriana Nogueira a autora, a Helena Ramos e o seu advogado, que tinha já elaborado a defesa. E lá fomos.
O queixoso não compareceu, soubemos depois que tinha sido colocado a lecionar nos Açores e alegara não ter disponibilidade para vir ao continente.
Fui o último a testemunhar, depois da autora e da editora. O advogado começou por me fazer rasgados elogios quanto às minhas competências profissionais, e as juízas iniciaram as perguntas.
Primeiro como tinha aceite aquele convite. Expliquei que entre a nossa classe de ilustradores havia um compromisso de honra: nunca deixar mal um editor. A juíza disse que neste caso nem todos cumpriam. Concordei. Depois expliquei que os originais eram fotocópias em Xerox, com falta de qualidade para serem reproduzidos no livro. Na mesa tinham as ilustrações do meu antecessor, as minhas e o livro impresso.
O queixoso alegava ter sido pressionado para desenhar as cenas do livro, sem poder escolher.
Expliquei que numa proporção de desenhos para as páginas de texto do livro, estes tinham de ser intercalados de modo equilibrado, por isso essa escolha prévia. Mas no meu caso tinha tido toda a liberdade para as composições, sem qualquer pressão. O que era a verdade.
Penso que o desenhador queria escolher as cenas em que estivesse mais à vontade, fugindo a situações difíceis, mas não o disse no tribunal, claro.
As juízas eram amáveis e criou-se um ambiente calmo de conversa, de perguntas mais por curiosidade que ia esclarecendo com detalhes.
Outra coisa que constava no processo, era que eu tinha feito as mesmas cenas já desenhadas pelo queixoso.
Expliquei que os espaços estavam já abertos na paginação pois o livro só dependia das gravuras para imprimir, mas que desenhara composições totalmente diferentes, o que as juízas comprovaram.
Foi uma causa perdida para o queixoso, que inexplicavelmente não desistiu a tempo e assim teve de pagar os custos ao tribunal.
A Helena Ramos ficou aliviada.
Há uns cinco anos atrás ao ser convidado a ir à Universidade do Algarve, em Faro, participar num evento sobre o tema «Peregrinação» de Fernão Mendes Pinto, fui encontrar a Adriana Nogueira como lente e fizemos uma festa.



Agora vou mostra-vos um trabalho inédito, pronto a editar.
O meu saudoso amigo Jorge Magalhães de vez em quando desafiava-me para iniciativas que eu correspondia com o mesmo entusiasmo. Esta foi de ilustrar novelas do grande novelista de O Mosquito José Padiña, publicadas nesse jornal, mas já sem ilustrações, pelo facto do Eduardo Teixeira Coelho nessa altura estar dedicado a tempo inteiro às Histórias em Quadrinhos e já não ter tempo para mais.
Achava o Jorge Magalhães ser eu a pessoa indicada para o projeto. E assim comecei por ilustrar a novela «Raca, o Amigo dos Pequenos» e «Fabrício, o Espadachim».
Avançámos e a Catherine Labey foi paginando o livro e reformulando o texto.
Vou então mostrar cada desenho.
É uma história comovente passada na primeira guerra mundial, de um pastor alemão que vive com uma família que é forçada a deixa-lo com uns amigos, porque precisam de ir em busca de trabalho noutra região de França.
Mostro de modo mais específico a diferença que eu acho haver entre uma vinheta de história em quadrinhos e uma ilustração para livro. Aqui veem-se pormenores descritos no texto, contemplados no desenho, como as horas em que se passa a cena, o local, a atitude dos presentes, a decisão do jovem que dispara em corrida, a disposição das maletas e bagagens enfim, para que o leitor identifique no desenho, o que leu no texto ou vai ler ainda.

Também temos de ter em conta uma coisa importante, a reunião de detalhes na ilustração pode funcionar para quem a vê antes da leitura, e num jornal isso acontece sempre, despertar a curiosidade em saber a razão dos acontecimentos ali mostrados graficamente. No fundo, um incentivo à leitura e não substituir esta.

E continuaremos no próximo artigo.

Sem comentários:

Enviar um comentário