8) A NOVA REDAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO DO JORNAL
Tive oportunidade, no artigo anterior, de descrever as
peripécias e modificações na redação d’O Papagaio, e a importância da arte
gráfica no resultado do trabalho de desenho iniciado no estirador.
Em 1949 foi-nos anunciado, aos colaboradores do jornal "O
Papagaio", de que ia haver uma fusão de publicações no Grupo Editorial «Renascença
Gráfica» e que este jornal seria integrado como suplemento na revista "Flama",
que existia já.
A redação passou a funcionar na instalação da União
Gráfica, Rua de Santa Marta, n.º 48, primeiro andar, em Lisboa.
"O Papagaio" perdeu a sua independência e passou a ser um
destacável da revista e impresso só a preto e uma cor.
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Imagens destacadas de recentes anúncios de venda na Internet, de exemplares (já raros). |
A revista "Flama" ficou com 24 páginas, sendo 12 impressas
pelo processo «Rotogravura» que melhor se aproxima do aspeto da fotografia, com
uma sobrecarga a vermelho, em tipografia, na capa e contracapa. O resto do interior
era em tipografia, com algumas páginas a duas cores, onde foi incluído "O
Papagaio" que passou a ser então uma «Secção Infantil» ou um «Suplemento».
Primeiro começou por ocupar três páginas da revista e
mais tarde passou a duas , uma folha para dobrar ao meio fazendo quatro páginas
mais pequenas, mas a pesar de tudo com melhor arrumação para o conteúdo. Havia
contos nas páginas fora do suplemento que continuaram a ser ilustrados por nós.
O diretor da revista era o jovem desportista Mário Simas,
e o chefe de redação o Frei Diogo, pessoa espetacular, conhecedor do que fazia
e de um valor humano invulgar.
O Carlos Cascais manteve-se como responsável pelo
suplemento e também por outras secções. Desta vez tínhamos um diretor presente
e a relação entre nós, os colaboradores e os dirigentes era ótima.
Tínhamos menos espaço disponível na revista, por isso o
aproveitamento passou a ser mais rigoroso e equilibrado. As Histórias em
Quadrinhos ficaram praticamente entregues ao Vitor Silva e a mim.
Foi nesta fase que iniciei uma série a que chamei de
«Lendas Japonesas», baseada em traduções de Wenceslau de Moraes, dando largas à
minha apetência pelas culturas orientais.
Como o processo gráfico se tinha alterado tivemos de nos
adaptar, o que me levou a criar soluções técnicas para tirar um melhor partido
do efeito, mas tendo em conta não encarecer o orçamento oficinal da revista.
A cor que se sobrepunha aos originais a traço era agora
desenhada separadamente por nós e reproduzida em zincogravura para o processo
tipográfico.
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Eis o primeiro modelo, com a página no formato da revista e, ao lado, depois da transformação em 4 páginas, metade do tamanho. A cor sobre o preto variava entre o vermelho, o azul, o verde ou um tom-de-mel. A ilustração de Natal é do meu amigo Vítor Silva. |
Nas cores não tínhamos possibilidade de fazer
meias-tintas, pois a zincogravura era só a traço, preto e branco; para o
conseguirmos precisaríamos de utilizar a «fotogravura» que era bem mais cara e
que não estava previsto no orçamento da revista.
Lembrei-me então de experimentar fazer o desenho da cor
sobre papel Fabriano e empregar lápis litográfico (bem negro) tirando partido
do grão do papel para criar esbatidos por meio do granitado.
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Mostro aqui uma das vinhetas das «Lendas», que eram desenhadas ao dobro para beneficiarem da redução. A cor era feita sobre o papel «Fabriano» sobreposto ao original e trabalhada à transparência com tinta-da-china e lápis litográfico. Depois de feita a zincogravura a impressão final ficava com o aspeto da terceira imagem, dando realmente a ilusão de esbatidos. A cor era dada na máquina na altura da impressão.
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Entretanto o Mesquita dos Santos dono da «UPI», União
Portuguesa de Imprensa, frequentador das tertúlias n’O Mosquito, abordou-me por
causa destas «Lendas Japonesas» que estava a publicar na "Flama". Sabendo que
eram feitas zincogravuras para a impressão, e que estas depois da publicação
ficavam postas de parte, pois a revista não iria repetir as histórias, avançou
com uma proposta singular.
Eu passaria a fazer os desenhos para a agência que me
pagava o mesmo que a "Flama", e a «UPI» encarregava-se de fazer as gravuras e
cedê-las à revista por um preço simbólico, um quarto do seu custo, mais o preço
dos desenhos. Depois da impressão as gravuras seriam devolvidas à agência.
A partir dessas gravuras a «UPI» faria «Flans» ou moldes num
material especial, uma fibra muito leve parecida com o cartão. Derretendo chumbo
sobre esse molde conseguia-se o equivalente à gravura original. Essa operação
era chamada de «estereotipia».
Os «Flans», devido à sua leveza, podiam ser enviados pelo
correio com portes acessíveis, para jornais de África, por exemplo, destinados
a novas publicações.
No destino, depois de feita a estereotipia, podiam inserir
as ilustrações nas revistas e livros. Nos anos 40 a tipografia era o processo
mais usado nessas paragens. Eu receberia 50% do que cada jornal pagasse. Era
uma novidade, pois pela primeira vez este tipo de operação se fazia em Portugal
relativamente a Histórias em Quadrinhos nacionais.
Quando o Mesquita dos Santos apresentou a proposta à "Flama" a administração mostrou-se desconfiada. Onde estaria o lucro da agência,
se lhe cediam as gravuras por um preço muito abaixo do custo? Embora o Mesquita
lhes explicasse o plano, custou a convencerem-se, mas venceu o facto de
pouparem dinheiro. Por isso a partir de certa altura no cabeçalho das «Lendas»
surgiu o nome da «UPI».
O Mesquita dos Santos enviou as propostas para jornais de
África…
(Continua)
No próximo artigo: A ARTE GRÁFICA E AS ILUSTRAÇÕES