José Projecto trabalhando no seu ateliê, numa foto de 2020. |
José Projecto é um nome que talvez pouco diga ao público bedéfilo dos nossos dias. Contudo, para os "jovens" bedéfilos dos anos 80 ele é um autor bem (re)conhecido, essencialmente pelo seu álbum "Geraldo", editado pela extinta Futura, assim como por outros trabalhos publicados em revistas icónicas como "Mundo de Aventuras" ou "Selecções BD".
Fizemos uma pesquisa e facilmente encontrámos o seu site, a partir do qual encetámos contacto e o convidámos a dar-nos uma pequena entrevista para o nosso blogue, algo a que, simpaticamente, acedeu com agrado. É essa entrevista, que agora aqui reproduzimos. Antes disso, porém, transcrevemos uma mini-biografia que fomos buscar precisamente ao seu site de modo a que todos os que nos leiam entendam melhor quem é o autor a quem damos hoje destaque no BDBD.
Desde muito cedo manifestou a sua motivação por representar e pintar o que o rodeava, sentindo uma inclinação especial pela 9.ª Arte. Começou por ilustrar fanzines e pequenas histórias de Banda Desenhada editadas no “Mundo de Aventuras”, “Selecções”, entre outros.
Publicou o seu primeiro álbum de BD, intitulado “Giraldo-o-sem-pavor” em 1984. Durante a execução do segundo álbum que não chegou a terminar, as suas pranchas retratavam aspectos muito detalhados da fauna e paisagens que envolviam os personagens da história. Era o início da sua carreira como ilustrador e pintor naturalista.
Intensificou as suas saídas de campo, reproduzindo nos anos seguintes vários elementos da nossa vida natural. Interrompendo a sua licenciatura em Belas Artes que iniciou em 1982, trabalhou como ilustrador para o actual Instituto da Conservação da Natureza.
Simultaneamente começou a trabalhar com os Correios de Portugal e Tecnologia das Comunicações ilustrando diversos originais filatélicos para Portugal (continente, Madeira e Açores), Angola e Guiné-Bissau que se encontram divulgados em diversos países.
Abandonou por nove anos o seu trabalho na administração pública, para se dedicar inteiramente à pintura e ilustração. Em 1992 o conjunto de selos portugueses da sua autoria, alusivos á conferência das Nações Unidas, ECO 92, foi distinguido com o prémio internacional do mais belo selo dedicado ao ambiente.
Actualmente, repartindo o seu tempo de trabalho como funcionário da administração pública, continua pintando cenas particulares da nossa fauna.
BDBD - O primeiro contacto que teve com a BD surgiu aos seis anos, através de um exemplar de "O Falcão", que lhe foi oferecido pelo seu pai (segundo nos dá conta no seu site, onde refere, até, o nome da aventura que tanto o fascinou: "O Segredo do Deserto"). O que é que viu de especial nessa história que lhe despertou esta paixão pela 9.ª Arte?
BDBD - Esses tempos áureos, nos anos 70 e 80, em que nos quiosques se encontravam inúmeros títulos de revistas de banda desenhada, acabaram há muito. Hoje não temos uma única revista sob edição portuguesa (embora uma fatia de público adquira revistas com edição brasileira ou americana, por exemplo) e, em contrapartida, consomem-se maioritariamente álbuns. Tem saudades desses tempos? Acha que algum dia haverá condições para termos de novo uma revista BD portuguesa nas bancas ou julga que esse cenário estará completamente colocado de lado, nos tempos actuais?
Feitas as apresentações, é hora de avançar para a entrevista que, na verdade, não é tão pequena assim, facto que nos obriga a dividi-la em duas partes (sendo que a segunda parte será publicada nos próximos dias).
Boas leituras!
Carlos Rico
José Projecto (JP) - Desde muito cedo tive facilidade em imaginar qualquer história que me contavam. Felizmente, a minha geração foi contemporânea de um período áureo da ilustração, desde as caixas de sapatos, embalagens alimentares, anúncios de publicidade, jornais, revistas, embalagens de brinquedos, etc., quase tudo era ilustrado. Quando o meu pai me ofereceu o “Falcão #392”, com a história intitulada “O Segredo do Deserto”, deveria ter cerca de seis anos, como refere.
Compreendi o meu interesse pela comunicação através do desenho porque me atraía muito tudo o que era ilustrado. Foi o ponto de partida para iniciar o desenho, reproduzindo muitas das ilustrações das revistas que passei a coleccionar sempre que era possível. Embora nunca tenha visitado o deserto, ainda hoje sinto uma atração muito especial por tudo o que se relaciona com os grandes desertos de África, a sua história, mistérios e evolução. Muitas destas histórias eram originalmente publicadas em Inglaterra e França, com ilustrações e argumentos muito bons. Felizmente, hoje é possível encontrar o trabalho de muitos dos ilustradores na internet, que maioritariamente não eram identificados. É frequente pesquisar autores como Thomas Marco Nadal no personagem de “Kalar”, Russ Manning no personagem de “Tarzan”, e outros que fizeram e fazem as delícias do meu gosto por BD. Das histórias que encontrava no Falcão, o personagem do “Robin dos Bosques”, publicado com o nome francês “Oliver”, foi sempre um dos meus preferidos, pelo lirismo que lhe atribuía princípios de democracia e distribuição de riqueza.
BDBD - Esses tempos áureos, nos anos 70 e 80, em que nos quiosques se encontravam inúmeros títulos de revistas de banda desenhada, acabaram há muito. Hoje não temos uma única revista sob edição portuguesa (embora uma fatia de público adquira revistas com edição brasileira ou americana, por exemplo) e, em contrapartida, consomem-se maioritariamente álbuns. Tem saudades desses tempos? Acha que algum dia haverá condições para termos de novo uma revista BD portuguesa nas bancas ou julga que esse cenário estará completamente colocado de lado, nos tempos actuais?
JP - Claro que tenho muitas saudades. Quando ia de férias com os meus pais para a
praia de Armação de Pêra, adorava os quiosques repletos de revistas de BD em
segunda mão e todos os tostões que apanhava eram para comprar revistas. Por essa
altura, deveria ter uns dez anos, comprava uns cadernos A4 da Firmo-Porto, que
rapidamente enchia de desenhos, por vezes procurando reproduzir as vinhetas que
me despertavam mais interesse. Passava um mês de férias completamente
obcecado.
Acredito que tudo tem o seu tempo, é possível que voltemos à BD nos quiosques,
mas o que deu vida ao fanzine e revista de BD foi um espaço socio-cultural livre nos EUA e na Europa, após a Segunda Guerra. Em Portugal, sentimos mais este
impacto depois da Revolução de Abril, porque a ditadura não permitia ter muitas
edições nesta área. Actualmente, esse espaço não é o mesmo, a realidade virtual
tem mais força pelas infinitas possibilidades que disponibiliza. Mesmo depois de
Abril, qualquer artista tinha de trabalhar muito para ver o seu trabalho aprovado
e publicado. Hoje, graças à internet, os artistas têm a possibilidade de mostrar o
seu trabalho ao mundo inteiro de uma forma muito rápida e praticamente
gratuita.
Recordo-me de uma entrevista que tive com o Vasco Granja, próximo dos meus quinze anos, de onde saí profundamente desiludido quando lhe pedi opinião para uma BD
que ilustrei sobre a vida da Marilyn Monroe. Granja afirmou que aquele trabalho
era apenas uma brincadeira. Mais tarde compreendi que era uma questão política,
a vida de Marilyn foi complexa e a sua morte um mistério, a história reflectia a
minha falta de conhecimento e ingenuidade, próprias da idade, numa enorme
paixão pela diva. Talvez Granja desejasse proteger-me, porém poderia ter sido
mais construtivo e explícito nas suas observações.
Assim como o e-book não tirou o lugar ao livro,
o mesmo irá acontecer com os álbuns ou algumas revistas de BD. Mas nada que se
compare ao passado. A realidade do futuro editorial, tudo leva a crer que será
acima de tudo virtual.
BDBD - A sua estreia na Banda Desenhada, enquanto autor, deu-se, naturalmente, através de publicações amadoras (vulgo fanzines) que produzia de forma artesanal, como era norma naqueles tempos. Que tipo de histórias editava? Já indiciavam o seu gosto pela História e pela Natureza ou eram de outro âmbito?
JP - Sempre fascinado pelo desenho e pela ilustração, os estudos ficavam em segundo
plano. Era mais o tempo que passava a desenhar, do que a estudar.
Sensivelmente pelos meus catorze anos, um amigo da adolescência propôs-me criarmos
uma BD em conjunto. Dessa proposta mais tarde nasceu o “Clube Eborense de
Banda Desenhada” composto por um grupo de amigos com uma visão comum, e
que atravessou várias alterações, originando, entre outras atividades, cerca de seis
fanzines intitulados “Calypso”. Tudo apoiado pelo FAOJ (Fundo de Apoio aos
Organismos Juvenis) e, já no final da sua existência, apoiado também por uma
tipografia local, que contribuiu bastante para os meus conhecimentos sobre
impressão em offset.
Influências num misto de 7.ª e 9.ª Arte, primeiro, a ficção cientifica, as séries “Space
1999”, “Star Treck”, “Star Wars”, etc. Depois, o regresso à ficção histórica e ao
fantástico com a época medieval “Robin Hood”, “Prince Vaillant” e primórdios
das civilizações com “Conan”.
A paixão ou influência da natureza esteve sempre presente, mas só teve relevo nas
vinhetas do Geraldo. O meu crescente interesse pela fotografia ajudou-me a ter
outra sensibilidade e maneira de criar os meus originais.
BDBD - No princípio dos anos 80, publica nas "Selecções BD" e no "Mundo de Aventuras". Como aconteceu isso? Ser autor de BD (ou, pelo menos, publicar uma história) era algo que ambicionava e que acabou por se concretizar ou a oportunidade veio ter consigo e soube aproveita-la?
JP - A criação de “Crime do Universo” surgiu na evolução natural do meu interesse
pela BD, com grande influência de ilustradores como Esteban Maroto em “5 x Infinito” e Jonh M. Burns com “Danielle” e “The Seekers”.
Consumidor habitual da revista semanal “Mundo de Aventuras”, sabia que
a editora estava aberta a novos autores portugueses. Quando terminei a história,
dirigi-me à Agência Portuguesa de Revistas onde conheci o Jorge Magalhães,
apresentei-lhe as pranchas e convidou-me a propor à direcção a sua publicação, que foi
aprovada e editada.
BDBD - Fale-nos um pouco deste trabalho, "Crime no Universo".
JP - Penso ter respondido a esta questão na pergunta anterior, não há muito mais a
dizer, “Crime no Universo” foi o resultado de anos de trabalho, precedido pela
história de “IRA”, uma história que a minha irmã, Margarida Projecto, adaptou
a partir de um poema e que foi publicada nas Seleções da Agência Portuguesa de Revistas.
Prancha original de "Ira", um trabalho dos irmãos Projecto, José (desenhos) e Margarida (adaptação), publicado em "Selecções BD" |
BDBD - Acabou, mais tarde, por fazer um segundo episódio de "Crime no Universo" que se manteve inédito (sendo hoje reveladas, em primeira mão, algumas pranchas, facto que muito lhe agradecemos). Porque é que este segundo episódio não foi publicado, como aconteceu com o primeiro?
JP - Recordo-me vagamente. Acho que esteve relacionado com o final ou restruturação
da Agência Portuguesa de Revistas e a saída do Jorge Magalhães, para ficar como
colaborador da Editorial Futura. Lembro-me que o último encontro que tive com o
Jorge Magalhães foi precisamente para reaver as pranchas que estavam na sua
posse.
BDBD - Para o "Mundo de Aventuras" fez também uma série de capas, já na última fase da revista, com variados personagens. Como surgiu essa oportunidade?
JP - Como estava a estudar em Lisboa necessitava de ter algum rendimento extra, para
não sobrecarregar os meus pais. Como faziam outros ilustradores, propus à
Agência Portuguesa de Revistas dar apoio às ilustrações que fossem necessárias
para as suas edições quando fosse possível. Ganhava-se pouco, mas ajudava a
pagar o quarto.
BDBD - Quantas capas fazia por mês? As cenas eram-lhe sugeridas ou era um trabalho totalmente seu?...
JP - À semelhança do que aconteceu com muitos ilustradores, não valorizei muito este trabalho. Por vezes sugeriam-me o que deveria reproduzir, outras vezes davam-me a liberdade para escolher...
JP - À semelhança do que aconteceu com muitos ilustradores, não valorizei muito este trabalho. Por vezes sugeriam-me o que deveria reproduzir, outras vezes davam-me a liberdade para escolher...
(continua)
Nota: as imagens são copyright de José Projecto
CR