sexta-feira, 31 de julho de 2020

BREVES (84)

O "MALHADINHAS" EM VISEU...
O Gicav, em colaboração com a Câmara Municipal de Viseu, a Viseu Marca e o IPDJ, vai inaugurar uma exposição que tem como tema "O Malhadinhas" (conhecida obra de Aquilino Ribeiro). Da mostra fazem parte algumas dezenas de cartunes realizados por autores portugueses (consagrados e novatos), onde, cada um à sua maneira, interpretou, num só desenho, o carismático personagem.
Na ocasião será, também, lançado o álbum de banda desenhada "O Malhadinhas", da autoria de Santos Costa, sob edição Gicav.
A sessão terá lugar no próximo dia 22 de Agosto, sábado, pelas 17:00 horas, no Mercado 2 de Maio, em Viseu, respeitando escrupulosamente as normas da Direcção Geral de Saúde para a pandemia Covid-19.
A exposição pode ser visitada até 21 de Setembro.


"CIDADES DE PAPEL" CONTINUAM EM EXPOSIÇÃO...
Continua patente a bela exposição de separatas e construções de armar, "Cidades de Papel", na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
A mostra (comissariada por Carlos Gonçalves, Carlos Moreno e João Manuel Mimoso) decorre na Sala de Exposições, piso 2, e oferece aos visitantes a possibilidade de observar as maquetes de papel originais oferecidas, outrora, aos seus leitores, por revistas como "ABCzinho", "O Mosquito" e outras. Cortejos e monumentos históricos, aviões, carros, foguetões, dirigíveis, presépios, carrocéis, circos, casas típicas portuguesas... Tudo isto e muito mais pode ser visto nesta exposição, até ao próximo dia 26 de Setembro.
Tal como no exemplo de Viseu, também aqui as regras da DGS estão a ser rigorosamente cumpridas, de modo a que os visitantes não corram qualquer risco de contágio.


AMADORA BD 2020 COM NOVO FIGURINO...
O Festival de Banda Desenhada da Amadora - Amadora BD 2020 - vai realizar-se, este ano, em moldes diferentes, atendendo à evolução da pandemia Covid-19.
Num comunicado, a Câmara Municipal da Amadora informou que o Festival não poderá realizar-se nos moldes habituais e que todas as iniciativas que constavam do programa ficariam sem efeito, mas assumiu ser "incontornável assinalar o Amadora BD de alguma maneira", embora "não sabendo ainda como" o vai fazer. Resta-nos aguardar por novidades, então...


ANIVERSÁRIOS EM AGOSTO
Dia 01 - Andrei Ariniuchkine (bielorrusso)
Dia 03 - Miguel Montenegro
Dia 06 - Manuel Caldas
Dia 08 - Derib (suíço), Ralf König (alemão) e Lu Ming (sino-mongol)
Dia 10 - João Neves, Jean Graton (francês) e Christophe Blain (francês)
Dia 13 - Enrico Marini (italiano)
Dia 15 - Pedro Massano e Tozé Simões
Dia 18 - Xabel Areces (espanhol)
Dia 27 - Nuno Saraiva
Dia 28 - Joann Sfar (francês)
Dia 30 - Cristina Morganiço e Óscar Alves (caboverdeano)
CR/LB

segunda-feira, 27 de julho de 2020

CAPAS (5) - BAPTISTA MENDES

Baptista Mendes
​Carlos Fernando da Silva Baptista Mendes, vulgo apenas Baptista Mendes, nasceu em Angola, em Luanda, a 4 de Março de 1937. Pelos seus dez anos de idade, veio residir para Portugal, por cá se ficando até hoje: perdeu Angola, ganhou Portugal.
Através da sua bela vivência, até ao momento, a sua Arte pela BD prosseguiu e foi evoluindo com todo o respectivo encanto.
Foi homenageado em Salões-BD na Sobreda, Moura, Viseu e Amadora... pelo menos. Mas merecia e merece muito mais.
Sempre pronto e generoso como amigo por excelência, colaborou para diversas publicações nacionais, tendo porém (a nosso ver) poucos álbuns publicados. Por aqui, tem duas obras há anos "penduradas" (porquê?!): "A História de Guimarães" e "A Vida de Luis Vaz de Camões"...
A sua bela versão de "A Lenda de Gaia", conheceu duas capas: no "Mundo de Aventuras" #143 e nos "Cadernos Sobreda-BD" #9, que são exemplares mais do que esgotados.
Mas, Baptista Mendes, também tem algumas outras histórias de alta força. Recordemos agora algumas dessas famosas capas.

LB

quarta-feira, 22 de julho de 2020

MEMÓRIAS DE JOSÉ GARCÊS (1928-2020)


José Garcês
(23/07/1928-15/07/2020)
Passou já uma semana desde que o Ricardo me ligou e disse, de forma serena e conformada: "O meu pai faleceu, Carlos!"
Embora nunca se esteja verdadeiramente preparado para uma notícia destas, a verdade é que há algum tempo que todos temíamos este desenlace. Não foi, por isso, uma surpresa. Mas foi, naturalmente, um choque ouvir que José Garcês - o Sr. Garcês, como eu, de forma carinhosa e respeitadora o gostava de tratar -, fazedor de histórias aos quadradinhos e de construções de armar absolutamente preciosas, nos tinha deixado...
José Garcês, com os seus 91 anos (faltavam-lhe poucos dias para completar 92 quando faleceu), é alguém de quem eu tenho muitas e gratas memórias. Aqui vos deixo algumas...
Muito antes de conhecer José Garcês pessoalmente, já eu admirava o seu trabalho. Admirava, em especial a forma como desenhava os cavalos, sempre com crinas e caudas enormes desfraldadas ao vento. Quem tiver dúvidas sobre a autoria de um desenho de José Garcês, veja os seus cavalos, únicos e inimitáveis, e essas dúvidas dissipar-se-ão de imediato. 
Diga-se que Garcês era um especialista no desenho de animais. Tigres, leões, elefantes, girafas, antílopes, búfalos, raposas, pavões, águias... qualquer bicho desenhado por José Garcês era uma obra-prima. Basta pegar no seu álbum dedicado ao Jardim Zoológico de Lisboa ou num outro dedicado ao Lince Ibérico para se perceber do que estou a falar. E por falar nisto, lembrei-me agora que este álbum do Lince Ibérico foi lançado em Moura, há alguns anos! Mais uma memória - entre tantas outras - que agora me surgiu...
À esquerda, capa de "O Falcão", onde se pode observar um dos célebres cavalos
de crinas ao vento desenhado por Garcês. À direita, capa do álbum "Jardim Zoológico de Lisboa".
Capa e prancha de "Lince Ibérico - sua história em Portugal", que teve o seu lançamento oficial em Moura,
em Junho de 2011 (ver imagens abaixo).
 

Mas, como ia dizendo, muito antes de conhecer pessoalmente José Garcês, já eu admirava o seu belo traço. Teria eu uns oito anitos quando os meus pais me ofereceram um livro de passatempos, com umas ilustrações que me despertaram imenso a atenção. Na altura eu não sabia (até porque os desenhos não estavam assinados nem identificados na ficha técnica) mas tratava-se de ilustrações de José Garcês. Só muito mais tarde, quando aprendi a reconhecer o traço, percebi isso.

Duas das ilustrações de Garcês, in "Passatempos 2" - Ed. SEL - Sociedade Editorial Ld.ª (meados dos anos 70).


Depois, aos poucos, tomei conhecimento de outros trabalhos deste mestre da BD, em revistas antigas que colecciono e, em especial, em alguns álbuns que, aqui e ali, ia comprando para enriquecer a minha bedeteca: "O Tambor" (com texto de Jorge Magalhães), "Eurico, o Presbítero" (adaptação da obra de Alexandre Herculano), "D. João V, uma vida romântica" (com texto de Mascarenhas Barreto), "O Falcão"... entre muitos outros.
Alguns exemplos de álbuns de Garcês da minha Bedeteca pessoal

Chegamos a 1992, ano em que visitei, pela primeira vez, o salão da Sobreda (organizado pelo meu parceiro de blogue, Luiz Beira). Aí comecei a travar conhecimento com os grandes nomes da BD nacional e europeia. José Garcês lá estava, também, entre os desenhadores convidados, destacando-se pelos seus cabelos (já) brancos, penteados para trás, fato elegante, postura séria, de início, mas, depois de algum tempo de convívio, de trato agradável e fraternal.
José Garcês (o quinto a contar da esquerda), durante uma sessão colectiva de homenagens a
banda desenhistas na Sobreda BD. 
Em 1995, propus que fosse José Garcês o autor em destaque no salão Moura BD. Prestes a cumprir, dentro de alguns meses, cinquenta anos de carreira, achei que seria a altura certa para o homenagearmos. Assim aconteceu. 
Lembro-me de ter ido a sua casa, na Amadora, recolher os trabalhos que iríamos expor no salão, e de ter ficado encantado com uma série de quadros pendurados nas paredes do corredor, com maravilhosos motivos medievais realizados a tinta da China e aguarela
Em 1995, o salão de Moura dava os seus primeiros passos e não tinha ainda as condições que, com o tempo, viria a adquirir. O espaço era curto e a exposição ficou muitíssimo aquém daquilo que José Garcês merecia. Ainda assim, a homenagem foi bonita, e teve a particularidade de ter sido a primeira vez que o Troféu Balanito foi instituído. Coube, pois, a Garcês ser o primeiro desenhador a receber o Troféu Balanito de Honra. Desde essa altura, sempre que o visitei no seu estúdio, Garcês apontava para a estante e mostrava-me, orgulhoso e sorridente, o "troféu de Moura".
Pormenor da sala principal do salão. Ao centro algumas pranchas de José Garcês.
Garcês no uso da palavra durante a sessão de homenagem de que foi alvo em Moura, em 1995.
Da esquerda para a direita: Baptista Mendes, Artur Correia, eu, José Garcês,
Manuela Colaço (Presidente da Junta da Sobreda) e Eng.º Manuel Mestre (Presidente da Câmara de Moura). 
Passámos a encontrar-nos regularmente em festivais e salões, onde ele e a esposa Manuela apareciam, quase sempre, acompanhados dos casais amigos Artur/Belmira Correia, e Carlos/Amélia Baptista Mendes. 
Moura, Viseu, Amadora ou Sobreda eram pontos de encontro anuais que nos permitiam manter contacto, trocar impressões, esclarecer dúvidas... e matar saudades, que era o mais importante.
Garcês dialogando com Zé Manel e Rá, durante o salão Moura BD 2004.
Garcês e Artur Correia, amigos de longa data, visitaram o Moura BD durante anos a fio.
Aqui os vemos durante a sessão de encerramento do salão de 2004.
Com a esposa Manuela e Belmira Correia, durante o almoço-convívo do Moura BD 2004
José Garcês, eu, Luiz Beira e Sergei, no Festival da Amadora (2006)
Uns anos depois, trouxemos até Moura a bela exposição "Desenhar a Música" (numa parceria com o extinto CNBDI), onde Garcês (e a esposa Manuela) estiveram presentes na inauguração.
Uma das ilustrações da exposição "Desenhar a Música"
Em 2009, Garcês participou, também, no projecto colectivo "Salúquia: a lenda de Moura em banda desenhada", realizando uma história em três pranchas, no seu peculiar estilo. Lembro-me que, quando lhe demos um prazo de dois meses para entregar a sua participação, protestou imenso dizendo que era muito pouco tempo, até porque tinha outro álbum para terminar entre mãos. Não sei como resolveu o assunto mas a verdade é que nos entregou as três pranchas de Salúquia a tempo e horas e sem perda de qualidade.
Pranchas 1 e 2 de "A Lenda da Moura Salúquia" (2009)


Talvez um ano mais tarde, ainda entusiasmado com o tema de Salúquia, telefonou-me e propôs-se fazer a história da cidade de Moura em BD (e não apenas a lenda). Reencaminhei a proposta a quem de direito mas, por razões várias, o projecto foi ficando sempre em stand-by, nunca chegando a passar dessa fase. Garcês telefonava-me, semanalmente, tentando saber se sempre era para avançar ou não: "Olhe que eu agora, já com oitenta e muitos, ainda desenho, Carlos Rico, mas, de um momento para o outro, isto tudo muda!".
Como estava certo o José Garcês! Num instante tudo muda, de facto...
Passaram-se apenas alguns anos. O GICAV convidou-me para restaurar e paginar a história "Viriato", publicada originalmente no Cavaleiro Andante, a fim de ser recuperada em álbum. Uma casual troca de impressões entre mim e Garcês (registada sob a forma de notas numa das páginas finais do álbum), revelou-nos informações preciosas acerca de como "Viriato" fora produzido. Essa foi, para mim, a parte mais gratificante nesse trabalho que, diga-se, deixou Garcês extremamente satisfeito com o resultado final, apesar de algumas dúvidas iniciais (Garcês não gostava, especialmente, de ver reeditada esta história por ser uma das suas primeiras e considerar que não teria suficiente qualidade...).

Capa e prancha de "Viriato" - Ed. Gicav / Câmara Municipal de Viseu (2015)

Garcês publicou ainda, depois disso, mais dois álbuns, "História de Silves" e "Santo António de Lisboa" (este último onde era bem notória a decadência no traço, devido à idade avançada e a problemas na visão). 
O último álbum de Garcês,
Santo António em banda desenhada
Até que, vencido pela idade, foi obrigado - é este o termo - a colocar de lado os pincéis e os lápis. 
Um dia, liguei-lhe, como habitualmente, para saber notícias. Fiquei desolado quando, do outro lado da linha, uma voz ofegante e triste me disse: "Carlos Rico, eu já não desenho! A minha vista não deixa!..."
...
O seu estado de saúde foi piorando de forma gradual. Uma vez fui visita-lo a casa, aproveitando uma deslocação ao Festival da Amadora.
Eu, o Luiz Beira, o Carlos Gonçalves, o Carlos Moreno e o nosso motorista Tói Pio, fomos recebidos por um Garcês já muito frágil, mas de braços estendidos e sorriso na cara.
No pouco tempo que demorámos (talvez um quarto de hora, pois não queríamos de todo cansa-lo nem incomoda-lo) procurou na estante um exemplar do seu trabalho mais recente, a "História de Silves", para me oferecer. "Obrigado, Sr. Garcês, mas a sua editora enviou-me um exemplar para casa!" - disse-lhe eu, arrependido ainda antes de terminar a frase, por lhe ter roubado, inconscientemente, aquele momento de prazer. Virou-se para o Luiz Beira, o Carlos Gonçalves e o Carlos Moreno e obteve a mesma resposta: todos eles já tinham o álbum. Restava o nosso motorista. "Tem algum filho a quem possa interessar este livro?" - perguntou-lhe o Garcês, já pouco crente. "Tenho sim, uma menina!" - respondeu o Tói. "Então tome! Ofereço-lho com muito gosto!" - disse, finalmente, com um grande  e contagiante sorriso.
Só por isso valeu a pena aquela visita.
Foi a última vez que nos vimos, é certo, mas gosto de pensar para comigo que a derradeira imagem que me ficou de José Garcês foi a de um homem feliz.
Que descanse em paz!
Carlos Rico

Nota: Em meu nome e em nome do Luiz Beira, deixo aqui um voto de condolências à família, em especial ao filho Ricardo, que acompanhou o pai algumas vezes nas deslocações aos salões de Moura e Sobreda, e com quem chegámos a encetar contacto, há alguns meses, para produzir uma exposição de homenagem a José Garcês... A exposição-homenagem acabará por se fazer no próximo ano, logo que as circunstâncias o permitirem, mas infelizmente já a título póstumo.


José Garcês recebendo das mãos do Presidente da Câmara de Moura,
Eng.º Manuel Mestre, o Troféu Balanito de Honra (1995)
Garcês no seu estirador, trabalhando numa prancha
O Mosteiro da Batalha, uma das mais fabulosas construções de armar desenhadas por Garcês,
das quais era um exímio e reconhecido especialista.
Artur Correia, José Garcês e Osvaldo de Sousa, observando a decoração do tecto do salão Moura BD 2004.

terça-feira, 14 de julho de 2020

NOVIDADES EDITORIAIS (198)

UNIVERSO NEGRO - ​Edição Escorpião Azul. Autores: Luís Louro (arte) e Tozé Simões (argumentos e prefácio).
Em muito boa hora esta jovem editora apostou na compilação das principais histórias curtas desta notável parceria, que estavam dispersas por várias publicações. Todas elas agora com cor, excepto a primeira: "Führer", "Estupiditia", "Fugitivos", "Alô Moon Fish", "O Pesadelo", "Voodo Dolly" e "Game Over".
Magnífica edição, apenas com dois reparos:
1 - A capa está demasiado escura, ofuscando a mesma que saiu no "Mundo de Aventuras" n.º 556, em 1985.
2 - "O Pesadelo", adaptação livre de "A Metamorfose" de Franz Kafka, teve estreia integral e a preto-e-branco, no n.º 89 (2013) da revista trimestral de Viseu, a "Anim'arte", pormenor que não está mencionado neste álbum.
De resto, tudo bem. Há que "agarrar" este álbum que bem se programa para esgotar.



ESTÓRIAS DA HISTÓRIA / 1 - Edição Ala dos Livros. Autores: textos de Jorge Magalhães, ilustrações e cor da capa por Augusto Trigo (com capa de Paula Catalão, paginação de Catherine Labey e posfácio por Maria José Pereira).
Foi uma bela e tocante surpresa ter recebido e lido (num ápice) este livro!
Por largos anos, eu (L.B.) e o Jorge, cultivámos uma fraterna amizade, tantas vezes cúmplice em ideias... Porém, não lhe conhecia esta sua vertente sobre temas históricos e/ou biográficos!... Descobri agora em "Estórias da História (volume 1), obra que me encantou plenamente.
Depois, o livro tem o magnífico "peso" das impecáveis ilustrações por Augusto Trigo, um desenhista que urge ser recuperado na plenitude da sua criatividade.
Pelo que se depreende, esta "Colecção JM" (Colecção Jorge Magalhães), não se ficará por este primeiro tomo. Ficamos todos à espera dos que se seguirão...
E sugere-se neste livro que há temas que podem resultar em BD, com o Trigo e/ou outros. Apoiamos em absoluto!
Até lá, um grande abraço à Ala dos Livros.




PANDORA / ÉTÉ 2020 - ​Edição Casterman. Autores: é uma infinidade deles, nos mais diversos estilos, que com esta edição de verão, se reúnem num verdadeiro catrapázio de duzentas e tal páginas.
De entre esses tantos: Max de Radiguès, Mattias Lehmann, François Ayroles, Hugues Micol, Morgan Navarro, Blutch, Aapo Rapi, Bastien Vivès, Jirô Taniguchi, etc.
É um vasto panorama que toca a todos os gostos, mas, confesse-se, algumas narrativas são marcadamente bocejantes.

LB

quinta-feira, 9 de julho de 2020

A INFLUÊNCIA DA CENSURA NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, EM PORTUGAL (3) - por José Ruy

Continuo a narrativa da minha experiência quanto à censura, em relação aos trabalhos que fiz nessa época.
Neste artigo vou focar um outro aspeto pouco conhecido, creio.
As proibições e impedimentos não se ficavam só pelos cortes nas imagens a publicar.
Vou contar um episódio passado comigo e que mostra uma outra faceta da censura.

Em 1958 estava em preparação a Exposição Universal e Internacional em Bruxelas. 
Uns colegas do departamento de contabilidade do Diário de Notícias lembraram-se de organizar uma visita ao certame. Alugaram um autocarro e procuraram preencher todos os lugares. Convidaram-me para os acompanhar. Tinham confirmadas estadias em todo o percurso, que atravessava Espanha, França, Bélgica onde havia a exposição, Alemanha, Holanda e Suiça. No regresso visitávamos outras cidades nos mesmos países. Era aliciante e a quantia a dispor, acessível.  
Reuni economias e tratei do passaporte. Mas no Governo Civil, em face da minha profissão, por ser considerada especializada, não permitiam a saída do país.
Fiquei espantado.
Exigiam um fiador que garantisse o meu regresso ao país, para evitar que aproveitasse para emigrar.
O fiador tinha de ser uma pessoa estabelecida, que enquanto eu estivesse fora manteria um aval bancário à disposição do Governo Civil, com uma quantia considerável, além de sofrer represálias se eu não voltasse.
Pedi logo essa fiança ao Diário de Notícias, pois fazia parte dos quadros havia já cinco anos, tínhamos um bom relacionamento, o que garantiria o meu regresso. Auferia de um bom ordenado e uma carreira em formação. Pareceu-me que seria o suficiente como prova.
Negativo, a empresa não podia servir de fiadora, porque era meio estatal.
Voltei-me para pessoas amigas estabelecidas, mas as respostas coincidiam com a que recebera do Jornal, não por pertencerem ao Estado, mas por não se fiarem de mim.
Ninguém arriscava, embora me conhecessem bem, e da minha verticalidade em assuntos de compromisso.
 Comecei a ficar preocupado. Como ia conseguir um fiador que confiasse na minha volta ao país?
Nem mesmo um familiar, primo ou padrinho de casamento, que era dono de um jornal, arriscou, o que demonstra que "santos de casa..."
Lembrei-me do proprietário de uma fotogravura, que um tempo atrás me pedira uns desenhos, e que ia protelando o pagamento, alegando a altura não ser boa, que esperasse um pouco, pois o cliente ainda não tinha liquidado o trabalho, e mais desculpas de mau pagador.
Tinha já pensado que nunca iria receber esse dinheiro. Não sendo muito, era ainda uma significativa quantia.
Propus-lhe que, se me servisse de fiador, lhe perdoaria o valor dos desenhos. A quantia exigida pelo Governo Civil bastava que ficasse cativa durante o mês da minha ausência, portanto ficaria sem poder ser movimentada, mas não precisava ser transferida da conta.
O sujeito aceitou, pois esse acreditou que eu voltava. Caloteiro, mas confiante.

E lá partimos, eu e a minha mulher. Fui munido de uma máquina fotográfica "Flexaret", formato 6x6 cm, e levei rolos de diapositivos a cores, que recentemente tinham aparecido no mercado. Mas a revelação era feita em França.
Para ilustrar este artigo, junto algumas imagens dessas velhas recordações, com o deficiente estado da pelicula, deteriorada com os anos. Perderam muito da cor original, mas dá para ver.
O sistema de revelação desta película estava muito em princípio e com os anos e a luz do projetor que utilizava para ampliar as fotos numa tela, oxidou-se e em alguns casos ficou a uma só cor.
O Monumento Atomiun, em Bruxelas, que ficou como ex-libris da cidade, e se mantém ainda hoje como símbolo.
Outro ângulo do monumento. Havia um  teleférico que possibilitava aos visitantes uma vista aérea da exposição. Podem ver-se duas dessas cabinas.

Este diapositivo foi tirado em Hagen, uma pequena cidade alemã, da janela do Hotel. Mostro-a para verem o tipo de autocarro que nos transportava na viagem. Nessa altura, as bagagens eram colocadas no tejadilho, e cobertas com uma lona para as proteger da poeira e da chuva. Sempre que parávamos para pernoitar era preciso descer toda a bagagem, e na altura da partida voltar a pôr tudo em cima. E na passagem pelas fronteiras, o mesmo, para verificação do que transportávamos. Uma trabalheira. Outros tempos.
Freiburg, na Suiça, cantão alemão. O diapositivo não perdeu o recorte. Apenas a cor.

O célebre relógio de flores, em Genebra, na Suiça, que era uma novidade. Em Portugal tivemos, depois, perto do Aeroporto um parecido.

Agora a rosácea de Notre Dame, de Paris.
Também em França, um teleférico que dá acesso às grutas de Bétharram. A foto foi tirada de uma das cabinas. Sobe-se até ao cume de um vulcão extinto, claro, e depois entramos por umas galerias, onde há uma corrente subterrânea de água, e navegamos até à base. Foi uma experiência única para mim, na altura.
A Praça Dourada de Bruxelas estava, nessa altura, no seu melhor brilho. Muitos anos depois, mais recentemente, voltei lá e o ouro tinha descido de quilates, mais próximo do pechisbeque.
 Em Madrid, o Memorial à Guerra Civil, o "Vale dos Caídos", erigido em memória dos combatentes das duas facções em litígio. Todos tinham caído a defender o seu ideal.
 
Vitrais da Catedral de Chartres, em França.
Berna, na Suiça.
Na cidade de Nimes, França, o Templo de Diana, em perfeito estado de conservação.
O Sputnik, que nessa época tinha sido lançado até à Lua, com a cadela Laika.
E o stand de Tintin, que nos estava a mostrar, neste painel, um original junto
à reprodução, com o retrato do autor, Hergé. 

Mas tudo isto para vos contar como a mão pesada da censura nos oprimia sob vários aspetos.

No próximo artigo, o meu maior desafio com a censura, em 1972.