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Santos Costa, em Agosto de 2017 |
Veterano da nossa Banda Desenhada, Santos Costa (aliás, Fernando Jorge dos Santos Costa), nasceu em Lisboa a 14 de Fevereiro de 1951, residindo há muitos anos em Trancoso.
Bem raros são os nossos desenhistas veteranos que têm as suas energias criativas ao rubro e não pausam algum tempo. Salientamos nesta louvável raridade, José Ruy e Santos Costa e, até certo ponto, José Pires. Alguns, por razões de saúde, foram “forçados” a abdicar. Outros, não produzem por falta de desafios editoriais e outros ainda, por caprichosa preguiça...
Mas hoje, a conversa é com Santos Costa, que tem um currículo invejável e monumental. É tanto e tanto, que sou obrigado a resumir esta apresentação.
Do anterior dia-a-dia, é aposentado da função pública. Safa, que isso já lá vai!... Mas, porém, todavia, contudo... sempre se dedicou intensamente a vertentes culturais: editor, escritor, ilustrador, jornalista, cartunista, sendo sobretudo um apaixonado criador da 9.ª Arte.
Foi marcante a sua colaboração como desenhista, nos periódicos “O Crime” (donde todas estas “estórias” bem mereciam ser compiladas em um ou dois álbuns...) e
“Mundo de Aventuras”.
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Prancha de "O Atentado a Salazar", por Santos Costa, publicada no jornal "O Crime" |
Capa e prancha de "O Atentado a Salazar", história publicada no jornal "O Crime",
que o autor reeditou em forma de caderno, com ajustes na montagem das vinhetas,
numa tiragem limitada de 100 exemplares só para amigos.
Tem álbuns editados por diversas Câmaras Municipais de regiões beirãs, como Trancoso, Lamego, Aguiar da Beira, Guarda, Meda e por aí adiante.
Capa e prancha de "Batalha de Trancoso - VI Centenário"
Edição Câmara Municipal de Trancoso (1985)
Capa e prancha de "Bandarra, Poeta, Profeta e Sapateiro de Trancoso", por Santos Costa,
Edição da Câmara Municipal de Trancoso (1990)
Também escreveu novelas policiais, editadas pela Bertrand.
Como cartunista, salienta-se a sua colaboração no periódico “O Diabo”.
Em intervenções soltas, notifica-se a sua participação no fanzine “Efeméride” de Geraldes Lino e a sua prestação especial neste nosso blogue (“Serpa Pinto”).
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"Príncipe Valente em Trancoso no Século XXI", a participação de Santos Costa no fanzine "Efeméride" #2, editado por Geraldes Lino, em 2007 |
Pela Rádio, também funcionou na Rádio Altitude da Guarda, nos programas “Diário Almanaque” e “Roteiro do Turista”.
Tem o seu digno blogue, “Bandarra Bandurra”, que vivamente aconselhamos a visitar com frequência.
De outros álbuns editados, demarcam-se: “Os Piratas do Deserto” (Edição Asa), “As Aventuras do Magriço” (já com dois tomos e com edição do autor), “A Viúva do Enforcado” (Ed. Época de Ouro / CM do Fundão), “D. Egas Moniz, o Aio” (Ed. Época de Ouro / CM de Lamego), “As Bodas de D. Diniz e Isabel de Aragão em Trancoso” (Ed. CM de Trancoso), “Registos Criminais” ( Ed. Época de Ouro) e por aí adiante...
Duas pranchas de "D. Egas Moniz, o Aio", por Santos Costa
Edição da Câmara Municipal de Lamego (2003)
Capa e prancha de "Os Piratas do Deserto", adaptação livre da obra de Emílio Salgari,
por Santos Costa. Edição Asa (2012)
Em 2017, na Gala da Revista Anim’Arte/GICAV, de Viseu, recebeu merecidamente o “Troféu Anim’arte 2016”, na categoria Banda Desenhada.
Fica muita coisa por acrescentar mas opta-se, desde já, para a devida entrevista. Atentem bem nas suas sábias e conscientes respostas:
BDBD - Como surgiu a tua paixão pela Banda Desenhada?
Santos Costa (SC) - Não é paixão, é vício. Quase todas as paixões são
falazes, assim como há vícios que se respeitam mais que as virtudes. Descobri
muito cedo, mesmo antes de andar na vertical, que as canetas não serviam só
para meter na boca e os livros, mesmo já impressos, nunca estavam acabados. Com
três ou quatro anos, garatujava nas margens não impressas dos livros do meu
pai.
BDBD - Essa paixão era só pela leitura ou também a vontade de a criar?
SC - Talvez seja uma idolatria absurda, mas adoro ler nos dois sentidos: os
textos escritos e os desenhos. Talvez por isso eu leia as páginas de BD com
muita lentidão. Só no cinema as imagens correm depressa. Na resposta à pergunta
eu diria que é por ambas - ler e criar.
Se insistes em chamar paixão, confirmo que a leitura e a vontade de criar
são como Romeu e Julieta - vivem inseparáveis.
BDBD - Tens uma invejável e imensa obra, a ponto de alguns álbuns serem
“edições de autor”. É complicado um desenhista editar-se no nosso País?
SC - Complicado não é, basta haver vontade e bolsa, pelo que pesa mais a
última na vontade de decidir. A auto-edição é uma liberdade impagável,
porventura inelutável, mas com os seus riscos. Embora tenha a maioria dos
trabalhos editados por outrem - editoras e municípios - sou muito independente
e tímido q.b. para evitar bater à aldraba das portas de quem o possa fazer. Sou
grosso de feitio e prefiro mourejar a andar de chapéu na mão - até porque não
uso chapéu.
No entanto, no meu caso, parece-me que não é isto que me empana a fama.
BDBD - Onde vês algumas soluções para aliviar este “entupimento”, não só
para as tuas obras como também para as de diversos colegas teus?
SC - Se eu vislumbrasse soluções, teria aplicado primeiro a receita
antes de a divulgar; todavia, presumo que a solução começa nos primeiros anos
da escola e nos sequentes onde, efectivamente, há horários para desenho e pouco
entusiasmo sobre o mesmo. Há quem culpe as editoras, as distribuidoras e os
livreiros da “amputação” das prateleiras da BD, substituindo-as por livros
impressos com patacoadas e mexericos, mas julgo que essa culpa é assumida a
jusante e nunca a montante. Encontras algum programa, a sério, sobre BD na
televisão? Vês lá caras papudas, muitos “com que ursos”, lavagem de roupa suja,
choradinhos e crimes de trazer os cabelos em pé, pontapés na bola e na
gramática, horas de tédio que não desejo à terceira idade “obrigada” a gramar
aquela sopa nas cadeiras dos lares. Se a televisão é imagem, a BD também o é.
Uma devia respeitar a outra.
Vejamos: quem é o livreiro que vai empatar uma carga de euros em álbuns e
livros que lhe são devolvidos tarde, a más horas e, por vezes, com resquícios
de terem sido atropelados por um tractor agrícola? E quem é o distribuidor que
calcorreia de Ceca a Meca com o leva e traz sem levantar um milímetro a ponta
do gráfico das vendas? Quem é o livreiro que arrisca ocupar prateleiras com
obras que não se enquadram nas patacoadas e mexericos (decerto não seriam mais
rentáveis a venda de chouriços e presuntos nas arábias), obras cujos autores
mais se assemelham a magarefes por se apresentarem com enredos de faca e
alguidar.
Procurem solução nas escolas (digo, nas leis que as regem) e nos canais de
televisão que não ligam patavina a um programa adequado à disseminação da BD e
de outras artes afins (ao menos, um “reality show” onde os “nus” andassem a
fingir ler um álbum de banda desenhada, maxime para taparem as “vergonhas”, mas
nem isso).
BDBD - Um álbum teu, “As Bodas de D. Diniz e Isabel de Aragão em Trancoso”,
tem também edições em castelhano e em inglês. Como foi esta aposta?
SC - Foi graças à visão da Câmara Municipal e da alargada visão cultural de
quem a geria. Se um município pretende divulgar o concelho e os seus valores,
não deve pensar só nos autóctones. Quem aposta no turismo tem de perceber isso…
ou não percebe nada disso.
Os ingleses e os espanhóis são os que mais visitam o burgo. Se a eles
acrescessem os japoneses, seria de arregaçar as mangas, virar da direita para a
esquerda e colocar a linguagem indígena nipónica nos balões. A isto se chama
realmente aposta. E ganha-se.
Capa e prancha de "As Bodas de D. Dinis e Isabel de Aragão em Trancoso",
(aqui na edição portuguesa), Edição CM de Trancoso (2005)
BDBD - Em publicações periódicas, tens maior prestação em “ O Crime” e
“Mundo de Aventuras”. Donde guardas melhor satisfação?
SC - Melhor satisfação foi, sem dúvida, a do “Mundo de Aventuras”, até porque
este era então gerido por uma figura incontornável e irrepetível da BD nacional
naquele sector, que é o Jorge Magalhães. Ele teve a ideia de abrir as páginas
de uma revista conceituada aos mais novos, aos diletantes, aos principiantes,
um risco que poucos estariam dispostos a correr. O certo é que correu bem e
saíram da iniciativa bons desenhistas e argumentistas. Foi um alfobre.
Quanto a “O Crime”, foi um desafio; e os desafios causam-me gosto. A somar
a isto, foi compensador em termos metálicos do porta-moedas.
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Prancha de "Os Crimes de Diogo Alves", publicada no semanário "O Crime" |
BDBD - Há um estranho aspecto na tua carreira: às vezes, prometedoras
apostas, ficam “abandonadas”! São os casos, por exemplo, de “A Volta ao Mundo
em Oitenta Dias” e “A Rainha Africana”. Não vais mesmo terminar estes
trabalhos?
SC - Tenho em mim um espírito troglodítico, ancestral. Se o terreno não é
propício à minha caçada, não é por isso que me dedico à agricultura: vou caçar
para outro lado. À margem da metáfora, afirmo que isto nem é por achar que
determinado trabalho não tem saída, mas por fastio. O abandono é, assim,
temporário. Quando a “saudade” ou a “fome do assunto” apertar, volto lá, mesmo
que tenha de refazer tudo, de cabo a rabo.
“A Volta ao Mundo” ficou na viagem por um quarto do seu todo e aguarda o
“click” para vir para cima da bancada; “A Rainha Africana” é uma obra que
necessita de prateleiras por todo o país e não estou tentado a correr o risco
de a receber de volta com os percalços ditos atrás ou a bater às aldrabas das
portas com um chapéu emprestado.
Julguei que os blogues - pelo menos o meu - constituíssem uma espécie de
barómetro para aquilatar das apetências sobre este ou aquele trabalho. Às
vezes, pelo “silêncio”, dá-me a sensação que mais me valera pôr um surdo a
ouvir uma partitura de Bach.
Pranchas de "A Volta ao Mundo em Oitenta Dias" e "A Rainha Africana",
projectos inacabados por Santos Costa
BDBD - Nas nossas novas gerações têm surgido, embora com mais joio do que
trigo, alguns valores muito bons. O que pensas sobre isto?
SC - Tanto há trigo num campo de joio, como há joio num campo de trigo, o
que parece ir dar ao mesmo. Considero que as novas gerações, numa maioria
relativa, são mais trigo do que joio. O que falta são bons tratadores,
segadores e consumidores, uma grande maioria mais inclinada para misturas
transgénicas de má qualidade.
Há valores muito bons, muito bons mesmo. Cito o exemplo daquele jovem de
Penalva do Castelo (na periferia como eu), o Rafael Sales. Assim ele não
esmoreça com os entraves de que falei antes. Iremos ouvir falar muito dele e,
mais ainda, ver obra sua publicada.
De um largo naipe, retiro mais um nome: o de Carlos Pais, um jovem
professor de EVT/Educação Visual (actualmente no agrupamento do Sátão), que fez
o favor de me mostrar um trabalho seu não editado, e que o merece ser. Uma obra
magnífica em termos de traço próprio, que salta aos olhos.
Cito só estes dois exemplos, para não me alongar…
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Santos Costa recebendo o Troféu Anim'Arte 2016 |
BDBD - Que sentiste ao receberes o “Troféu Anim’Arte 2016”, pelo GICAV, na
categoria Banda Desenhada?
SC - Senti o deslumbramento de receber um troféu, principalmente por ser
atribuído por um Grupo que tem lutado pela dignificação e divulgação das Artes,
de todas elas. Foi uma honra para mim. E senti que, na imensidade de nomes que
poderiam ter estado nessa cerimónia, estarão outros que mereciam essa distinção.
BDBD - Qual o teu grande e próximo projecto?
SC - Suponho que foi Napoleão - se não foi ele, sou eu que agora o afirmo -
que disse mais ou menos isto: “o meio mais seguro de manter uma promessa é não
a prometer nunca”.
Tenho, nesta altura, a ideia de dar à estampa a BD sobre a “Vida e as
Profecias do Bandarra”, que tenho em execução numa mistura, a cores, entre
desenho e fotografia.
“Bandarra” vende muito bem, pelo que tenho de pensar como editor. No
entanto, como já acabei a primeira parte do Magriço (260 páginas a preto), não
sei se anteciparei esta à anterior. Como diz o povo, "é melhor ver de perto para contar de certo".
LB