E vamos ao desfecho da aventura de «Fabrício, o Espadachim» de Peter Tenerife, aliás José Padiña, que foi publicada no jornal «O Mosquito», mas sem ilustrações. Continuemos com as palavras de Padiña, embora resumidas:
Vamos entretanto saber o que acontecera a Daniel e a Miguel na manhã daquele dia, na mesma hora em que Fabrício travara a sua «batalha» na casa do Governador e andava nas suas aventuras na praia. Vodagui era uma terra muito pequena e de gente pobre. Índios das castas mais baixas, alguns muçulmanos famintos, e uns pobres imigrantes chineses. A casa dos Padres da Missão tornara-se o centro da aldeia, onde todos iam buscar comida e onde se reuniam para ouvir os Padres ou para conversarem. Daniel e Miguel tinham lá aparecido na véspera, ao anoitecer. Conseguiram arranjar um homem que partisse em procura de notícias do que sucedera a Fabrício. Quando voltou contou uma história muito confusa. Na sua versão, Fabrício tentara fugir, mas os soldados tinham-no levado para uma masmorra mais o Padre Superior. Daniel estava ainda muito enfraquecido, mas depois de escutar a narrativa do homenzinho, transformou-se, ganhou forças novas, e declarou:
— Tenho que ir para junto de Fabrício!
Daniel partiu mal acabou o sol de nascer e Miguel, evidentemente, partiu com ele. Entraram na cidade à mesma hora em que Fabrício procurava o pai de Miguel e pararam à porta do Forte quando Florinda os traia denunciando-os a Balsemão Geraldes.
O Governador, colérico, passeava no salão de sua casa, avistou-os pela janela e gritou aos soldados:
— Prendam esses cavaleiros!
Daniel e Miguel é que não deixaram sequer que lhes tocassem. Desembainharam as espadas, abriram caminho até à porta da casa do Governador, subiram as escadas e entraram no salão, fechando a porta no fecho.
Ficaram frente a frente, e a sós com o inimigo.
— Venho pedir-vos noticias de D. Fabrício Cecílio e exigir-vos que cessem as vossas violências, os vossos cobardes abusos! — dizia Daniel, avançando direito ao Governador. Este olhava esgazeado o bico de espada que Daniel lhe apontava, mas não desenfiava a sua da bainha. E foi recuando tentando aproximar-se duma janela. E assim que lá chegou, gritou para que o fossem salvar.Daniel avançou mais uns passos e encostou a espada ao peito do Governador e elevando a voz para que todos o ouvissem, falou assim:
— Que ninguém se aproxime! Logo que o primeiro homem entrar nesta sala, carrego na minha espada e furo o Governador lado a lado! Tragam o Sr. D. Fabrício e o Padre Superior aí para o pátio. Enquanto eles não aparecerem o Governador fica sob ameaça!
Toda a soldadesca se imobilizou. Lá do pátio viam a cara pálida do Governador, quase morrendo de medo, e viam as espadas de Daniel e Miguel, reluzentes, prontas a se enterrarem.
Fabrício não precisou de ir até Vodagui saber notícias. Encontrou Balsemão Geraldes e a sua escolta a meio do caminho, já de regresso. Reconheceram-no, e isso bastava para os intimidar. Fabrício galopou direito a eles, e ordenou:
— Parai e escutai! Em nome D’el-rei, por Deus e pela Justiça!...
Balsemão Geraldes e os seus amiguinhos, escapuliram-se para detrás dos soldados. Fabrício verificou logo que que não traziam nem Daniel nem Miguel como prisioneiros.
«Esconderam-se a tempo!», pensou. Mas não pôde deixar de exclamar para os soldados:
— Vós não tendes vergonha de vos sujeitardes a uns chefes tão cobardes?!
Olhai como eles se esconderam! Então, D. Balsemão, hoje não gritais “S. Sebastian y amor»?!
Alguns soldados riram à socapa.
Fabrício continuou:
— Soldados, vós sabeis que o vosso Governador não está servindo os interesses D’el-Rei, mas sim os interesses de Bonifácio Geraldes. Mandei recado ao Vice-Rei da Índia. Antes dum mês virão barcos com tropas. E todos aqueles que estiverem do lado do Governador, serão julgados e condenados como cúmplices dele. Vinde comigo ao Forte!
Os soldados hesitaram apenas uns momentos. Um deles, mais decidido, deu o sinal. Tirou o chapéu, e gritou:
— Tendes razão, senhor Don Fabrício! Viva El-Rei! Viva o Sr. Don Fabrício!
— Viva! Vivaaaa!
Balsemão experimentou arrastar os amigos com o seu apelo de guerra. A resposta foi uma gargalhada geral.
Balsemão olhava meio aparvalhado e fugiu. Os «amiguinhos» aproveitaram-se e trotaram atrás de Balsemão.
Depois os soldados contaram a Fabrício as notícias de Vodagui, a partida de Daniel e Miguel para o Forte, a fim de libertarem Fabrício e o Padre Superior, que eles julgavam prisioneiros.
— Para o Forte! A galope!
Contudo, apesar do galope, os cavalos não lograram manter-se a par do de Fabrício e o nosso herói chegou ao Forte sozinho, com o avanço de mais de meia milha.
O aparecimento de Fabrício teve o efeito duma bomba quando se ouviu uma voz anunciar:
— É o D. Fabrício, o Espadachim! Fujam!Daniel e Miguel logo deixaram o Governador em paz, e largaram pela escada abaixo. Fabrício esperava-os. Mas pouco tempo tiveram para se regozijarem com o encontro.
Bonifácio Geraldes recebera o pedido de socorro, e ali vinha com mais de cem homens a cavalo, ainda melhor armados e equipados que os soldados D’el-rei.
Fabrício pulou imediatamente para a sela da sua montada, desfechou uma cutilada sobre o adversário que primeiro se aproximou e atirou-o por terra, gritando:
— Já tens cavalo para ti, Daniel! Monta depressa!
Depois derrubou um segundo inimigo para arranjar cavalo para Miguel.
Os três desviavam a chuva de lâminas, e, incansáveis, golpeavam impiedosamente os inimigos.
Entretanto o Governador desceu do salão, mas aconteceu uma coisa inesperada: a chegada dos soldados da escolta de Balsemão, que Fabrício conquistara para o seu partido.
Os soldados atacaram, e então aquilo deixou de ser um combate para se transformar no mais confuso e desencontrado baralhar de gente que ainda houve.
Por fim os adversários ficaram reduzidos a um número tão diminuto, que Fabrício não lhe deu mais atenção, e pôs-se em busca do Governador. Levantou-o em peso e deitou-o atravessado sobre o cavalo:
— Por hoje acabaram-se as lutas, amigos! Vamo-nos embora! Já aqui temos o nosso prémio!
E apontava para o Governador. Dirigiram-se para casa de D. Domingos.
Fabrício sabia que a vitória não seria completa senão depois da chegada do auxílio que ele pedira ao Vice-Rei. Avisou que Geraldes havia de atacar a casa para libertar o Governador. Esse ataque deu-se no dia seguinte. Geraldes pôs cerco a casa, desta vez com perto de quinhentos homens. A chefia da defesa foi entregue a Fabrício. Não eram nem sequer duzentos os homens com que este contava, entre fidalgos, soldados e criados.
Contudo, como não podia deixar de ser, ganhou o combate, e ganhou-o utilizando as suas armas de sempre: a coragem e a audácia.
Acompanhado por vinte homens rompeu o cerco, e foi atacar os visitantes pelas costas, escolhendo o sítio onde estavam Balsemão e os seus amiguinhos. Concentrou todas as forças sobre ele e fê-lo prisioneiro.
O resto foi uma brincadeira de crianças. Os sitiantes não tardaram a debandar, ficando Bonifácio e o Governador prisioneiros.
Ao chegar a nau que o Vice-Rei mandou com um regimento, o Governador foi demitido e regressou, com Geraldes e toda a camarilha, a Portugal onde prestaram contas das suas faltas e erros.
Fabrício ainda se demorou mais algum tempo naquelas terras. Mas por fim todos os restos de conflitos se apagaram
e a vida tornou-se monótona e cansativa para o seu temperamento aguerrido.
Ofereceram-lhe uma festa de despedida, e a certa altura Fabrício teve ocasião de se encontrar a sós
com Florinda. A mocinha mudara muito. Quebrara-se o seu noivado com Daniel, e ela entristecera, e ganhara tanto mais encanto quanto mais modesta e discreta se mostrava. Fabrício perguntou-lhe:
— É verdade que não deixareis de fazer as pazes comigo antes de partir? — Sim, eu tenho pensado muito naqueles dias das nossas questões... E agora desejo fazer as pazes convosco e com
muitas pessoas para quem fui injusta...
Fabrício compreendeu.
— É a Daniel que quereis referir-vos? Descansai, pois ele tem visto como vós estais modificada e já me disse que pensava procurar-vos... e reatar o noivado.
E assim foi, e Fabrício partiu para a China, para novas venturas.
FIM
No próximo artigo mostrarei mais uma série de ilustrações, também inéditas, que fiz com todo o gosto para uns escritos do meu saudoso amigo José Antunes, e que igualmente esperam editor para serem publicados.