terça-feira, 29 de setembro de 2015

ENTREVISTAS (20) - JOSÉ PIRES (1.ª parte)

Tal como Luís Afonso, que entrevistámos há pouco tempo aqui no BDBD, José Pires é um autor que deita por terra a malfadada fama de preguiçoso que têm os alentejanos, trabalhando entusiástica e continuamente todos os dias, provando assim que uma coisa nada tem que ver com a outra. 
A energia deste homem é um caso notável no meio bedéfilo, pois nunca está parado. Como ele próprio diz: "Parado, só depois de morto".
Antes de passarmos à entrevista propriamente dita, vejamos um pouco do que José Pires tem feito ao longo de uma carreira com mais de cinquenta anos, recheada de actividade, quer em Portugal quer na Bélgica, sendo um dos poucos desenhadores portugueses que se podem ufanar de ter brilhado no estrangeiro.
José Pires, um dos "grandes"
da BD portuguesa
Nasceu em Elvas, em 1935.
Estreou-se no "Cavaleiro Andante" com "O Último Prato de Tenton Gant".
É autor da primeira capa da revista "Zorro" (1962).
Publicou no "Mundo de Aventuras", nos anos 80. Pouco depois, iniciou colaboração com a "Tintin" belga e com a "Hello BD" (1993) fazendo parceria com os argumentistas Jean Dufaux e Benoît Despas.
Como faneditor, tem títulos publicados (de parceria com Jorge Magalhães e Catherine Labey, ou a solo) como Fandaventuras (1989), Fandwestern (1995) e A Máquina do Tempo (1996).
Nos últimos anos tem-se dedicado, com assinalável sucesso, a restaurar e a editar em formato fanzine grandes clássicos ingleses como "Rob the Rover", "Capitão Meia-Noite" ou "Matt Marriott".
Editou vários álbuns, tanto em Portugal ("Homens do Oeste", "Gil Eanes e o Bojador: As Portas do Mito", "A Viagem de Pedro Álvares Cabral: Ventos de Glória Marés de Infortúnio", "História de Gouveia, a Princesa da Serra", "A Batalha do Bussaco", etc) como na Bélgica ("Les Templiers: Le Sang et la Gloire"; "Alexandre Dumas: Le Diable Noir").
Fez, também, ilustração, colecções de cromos e trabalhou, durante muitos anos, numa agência de publicidade.
Foi homenageado pelo conjunto da sua obra nos Festivais BD da Sobreda (1996), Moura (1998) e Amadora (2011).
Tem vários projectos "na gaveta", entre eles três álbuns já prontos a editar (um em parceria com João Amaral) que aguardam apenas patrocinador.
Aqui está, então, a entrevista que nos concedeu há poucos dias e que, devido à sua extensão, será distribuída por dois posts.


BDBD – O gosto pela banda desenhada julgo que lhe terá surgido precocemente, como em quase todos nós. Ainda se lembra da primeira revista de banda desenhada que folheou? Ou das primeiras vezes que tentou imitar os desenhos que via? Como foi que a chamada 9.ª Arte entrou na sua vida?
"Falsa Acusação", de Vítor Péon,
despertou no autor a vontade de "fazer BD".
José Pires (JP) - No Mosquito, claro. Foi a primeira história do Vitor Péon “Falsa Acusação” (1943). Cativou tanto a minha imaginação que foi daí p’rá frente que desejei também fazer "coisas" daquelas. Fartei-me de desenhar as vinhetas do Vitor Péon e foi assim que descobri que tinha algum jeitinho. Daí em diante nunca mais parei de desenhar

BDBD – E como surgiu a hipótese de publicar banda desenhada pela primeira vez?
JP - Estava eu com 27 anos e trabalhava nas oficinas do Anuário Comercial (1962) onde era impresso o Cavaleiro Andante. O Artur Correia descobriu nos arquivos uma história que eu tinha entregue na redação, uns quatro anos antes, e apanhou-me de surpresa ao resolver publicá-la: era  “O Último Prato de Tenton Gant”, tirada de um conto publicado no Mosquito. Nessa altura eu procurava imitar o estilo do José Luis Salinas, autor do Cisco Kid, que eu admirava imenso. Ainda publiquei mais uma história, "Fumo de Pólvora em Gallows Crossing", como Burt Lancaster. Ainda tentei uma versão do “Eurico, o Presbítero”, como Charlton Heston, mas o preço que o Simões Muller pagava por página (150 paus!) levou-me a desistir. Mesmo assim ainda fiz a capa do n.º 1 da revista Zorro e mais três para o Cavaleiro Andante.
Fiz também uma coleção de cromos "Trajos de Todos os Tempos" para o Mário de Aguiar (APR, 1964), e outra "Os Cavaleiros do Céu", que também foi publicada em Portugal e na então Jugoslávia.
"O último prato de Tenton Gant" e "Fumo de pólvora em Gallows Crossing", 
dois dos primeiros trabalhos de José Pires publicados no "Cavaleiro Andante"

BDBD - Foi só nessa altura que teve a noção que queria, de facto, ser banda desenhista “a sério”, ou já antes tinha consciência de que era esse o caminho que pretendia seguir?
JP- Sempre desejei fazer “Histórias em Quadradinhos” e toda a vida procurei tornar-me um autor. Foi por causa disso mesmo que logrei um lugar de designer gráfico na CIESA-NCK (1964), agência de publicidade, onde eu desenhava os story-boards dos filmes publicitários (uma espécie de BD’s para mostrar a ideia nuclear aos clientes e cineastas.)

BDBD – O uso do computador mudou quase radicalmente a sua forma de desenhar ou de “fazer BD”. Que razões o levaram a ir por esse caminho e a deixar de lado as técnicas tradicionais, onde fez trabalhos a preto e branco que muita gente, ainda hoje, recorda com saudade?
JP - O uso do computador só apareceu nos anos 90 (95) pois o problema da cor era o que mais preocupava os autores de BD da época. Comecei apenas com a cor mas depressa engendrei técnicas próprias para aproveitar as potencialidades da máquina na resolução das deficiências que os processos ditos tradicionais enfrentavam. Desenhar o rodado de uma diligência, por exemplo. Mas o desenho tradicional continua a ser indispensável. Agora já não desenho as páginas mas apenas as vinhetas. Digitalizo as linhas para o computador (Photoshop), faço a montagem e meto a cor, vinheta por vinheta. E não tenho saudades nenhumas dos velhos processos. Longe disso. E o José Ruy, por mim influenciado, também já não quer outra vida.

BDBD – Não pensa, então, regressar à velha técnica do pincel, godé e tintas?!... Vê alguma hipótese de, um dia, voltar a desenhar uma história unicamente a preto e branco, com a célebre técnica do tracejado (que alguns confundem com o pontilhado de Franco Caprioli)?
JP -­ Ni hablar! Nunca me considerei um artista mas apenas um "fazedor de bonecos". Fiz alguns retratos a pastel ou a carvão e por aí me fiquei. O meu pontilhado, erradamente confundido com o do Caprioli (que era aleatório e o meu regular) foi retirado do Jean Giraud (Moebius) imitando as tramas fotográficas que então usava na Publicidade. Os belgas da Lombard (Tintin) até me chamavam o “Manara português”. Outra visão mais "avançada" das coisas…
Prancha de "Homens do Oeste", in "Mundo de Aventuras" (1980)

BDBD - O José Pires é, também, um dos poucos autores portugueses que publicaram com regularidade “lá fora”. Como foi essa aventura, como começou e porque acabou?
JP - Começou com o 25 de Abril. Os esquerdistas ameaçavam acabar com a Publicidade (a ponta de lança do capitalismo e da “sociedade de consumo”). Vendo o meu posto de trabalho em risco, decidi enviar os meus desenhos para as editoras belgas e francesas, pois aquilo era “a segunda coisa que eu melhor sabia fazer”. Respondeu afimativamente a Editions du Lombard. Emigrei assim sem sair de Portugal, enviando os originais pelo correio e eles mandando os francos por transferência bancária. Durou sete anos a brincadeira, publicando cerca de 200 páginas no Tintin e no Hello BD e um álbum, “La Sangre et la Gloire - a odisseia dos Templários, com guião do Benoit Despas, que teve edição bilingue em francês e flamengo. Foi na semana de lançamento o álbum mais vendido por terras francófonas. Belos tempos, esses... 
Tudo terminou porque o magazine Tintin acabou, por exigência dos herdeiros do Hergé (o título Tintin do magazine). O Hello BD demorou um ano a aparecer e esse ano de interrupção foi fatal - o magazine durou mais dois anos apenas. Agora a Lombard apenas publica álbuns.
"Irigo", uma BD que foi capa na Tintin belga, nos anos 80

BDBD - Gostava de voltar a publicar nesse ou em outros países europeus?
JP - Voltei a publicar em 2010 um álbum para as Éditions Orphie (“Alexandre Dumas - Le Diable Noir”). Estive em Angoulême (2010) mas não logrei vender coisa nenhuma - um contundente fracasso...
Capa e prancha de "Alexandre Dumas, le Diable Noir", Éditions Orphie (2010),
com texto de Benoit Despas

BDBD – No seu trabalho, é nítida a utilização de rostos de actores famosos como John Wayne, Gary Cooper ou Leonardo DiCaprio na concepção dos personagens. O Cinema é, para si, outra paixão ou usa, simplesmente os rostos desses actores como modelos?
JP - Manter a similitude de uma personagem em imagem realista é muito difícil. Não fui nem o último nem o primeiro a usar rostos de actores nos meus trabalhos. O Milo Manara usou e abusou do Alan Delon para o seu Giuseppe Bergman e o Jean Giraud, o Belmondo para o seu Lieutenant Blueberry. O Hernandez Palácios, o Robert Redford para o seu MacCoy. Este muito antes de eu usar o Gary Cooper no Will Shannon. E, claro, quem é que não gosta de cinema?...
"Will Shannon", personagem que José Pires "vestiu" com o rosto de Gary Cooper

BDBD – O “western” é, julgo saber, o seu género favorito. Sei que tem uma colecção fascinante de objectos e livros relacionados com este tema, que certamente lhe servirão de modelo para as suas histórias. É muito importante a preocupação com todos os pormenores (armas, selas, edifícios, vestuário…) que giram à volta das histórias, sejam elas “western” ou não…
JP - Quem como eu, começou com o Vítor Péon e a “Falsa Acusação” só podia preferir o western. Isso mais as "coboiadas" que eu via nas matinés do cinema de bairro, claro. A preocupação com os detalhes não é uma preocupação apenas minha. O Tony Weare (Matt Marriott) por exemplo, viajou durante mais de um ano pelos States, desenhando ao mesmo tempo as suas tiras e enviando os originais para Inglaterra, para melhor se integrar no ambiente da sua personagem. Mas um autor que se preze preocupa-se sempre com a autenticidade e rigor daquilo que desenha. Possuir um bom banco de imagens é indispensável.
CR
(conclusão da entrevista no próximo post)

domingo, 27 de setembro de 2015

BREVES (14)



Theo



MURENA: Novo Desenhista
Desde o falecimento inesperado a 28 de Janeiro de 2014 do desenhista francês Philippe Delaby (tinha 53 anos), que os imensos admiradores da série “Murena” andavam bem tristes.
Pois a Dargaud Éditeur já escolheu um novo desenhista para continuar a série, a ter novo álbum, muito provavelmente em 2016.
Trata-se do italiano Theo, que desenhou com toda a perícia as séries “Le Trône d’Argile” e “Le Pape Terrible”. Aguardemos pois!








FLASH GORDON: Novo Filme
Para 2016, prevê-se o início da rodagem de uma nova longa-metragem versando o herói-BD, Flash Gordon. Por enquanto, ainda não se conhecem mais pormenores...
Depois de Buster Crabbe, Steve Holland, Eric Johnson e Sam J. Jones, quem será o próximo protagonista deste herói?







JORGE MIGUEL: Triunfo no Estrangeiro
O talentoso jovem desenhista Jorge Miguel (“Camões” “ O Fado Ilustrado”), desiludido com o mundo sombrio das esferas editoriais do nosso país, apostou-se pelo estrangeiro, donde já, os dois divertidos tomos da série “Z Comme Zombie”.
Tem agora, pelas bandas francófonas, um novo álbum: “Arène des Balkans”.
Falaremos dele, quando o lermos. Até lá, Jorge Miguel está imparável, soma e segue.
Força, Jorge Miguel!





JOÃO AMARAL em Viseu
De 14 a 28 de Novembro, João Amaral vai ter exposição em Viseu, em espaço da respectiva Biblioteca Municipal.
A exposição incidirá em pranchas do seu mais recente álbum, “A Viagem do Elefante”, adaptado da obra homónima de José Saramago
Nota curiosa: por mera coincidência, a exposição é inaugurada no dia do aniversário natalício de João Amaral...
LB

terça-feira, 22 de setembro de 2015

NOVIDADES EDITORIAIS (79)

UM CONTRATO COM DEUS - Edição Levoir, S.A. Autor: Will Eisner.
Este volume maravilhoso reúne quatro episódios: o que dá o título ao álbum, seguindo-se “O Cantor de Rua”, “O Zelador” e “Cookalein”, com dois prefácios do próprio Eisner.
Crítico implacável, Will Eisner, coloca os personagens destas quatro narrativas, em 1930, como inquilinos de um mesmo prédio na zona nova-iorquina da Bronx
Uma obra extraordinária e notável de leitura a não perder.


LE FEU D’HADÈS - Edição Lombard. Argumento de Sylvain Runberg, traço de Louis (aliás, Stephane Louis) e cores de Véronique Daviet.
“Le Feu d’Hadès” é o primeiro tomo da série “Drones”.
Uma série de ambiente futurista (já em 2037?!...) e pleno de guerra.
A Europa parece ser uma só nação, com a “capital” em Copenhaga (Dinamarca). Guerreia com a China, mais propriamente com um indomável grupo separatista de cristãos(?!...). Duas mulheres se confrontam sem piedade: a europeia Louise Fernback e a chinesa cristã Yun Shao.
Uma série animada numa balbúrdia feroz de uma guerra moderna e num futuro mais ou menos próximo. Com jeito vai... a fantasia!


JUNGLE CITY - Edição Dupuis. Autor: Hermann.
“Jungle City” é o 34.º  tomo da actual série de honra de Hermann, “Jeremiah”.
Implacável e plena de violência, em retrato bem realista, a narrativa prossegue com as aventuras dos amigos Jeremiah Kurdy, desta vez com uma breve escala na caótica Jungle City, talvez mais infernal que selvagem...
A ler e a admirar a arte de Hermann, sempre impecável e avassaladora.


L’EMPIRE DES SOUVENIRS - Edição Lombard. Autores: argumento de Stephen Desberg e arte de Henri Reculé.
“L’Empire des Souvenirs” é o nono e derradeiro tomo da tão sedutora série “Cassio”, que se localiza em espaços cruzados, nos tempos do Império Romano e nos dias de hoje.
Pode alguém, por estranhos sortilégios, sobreviver à sua aparente morte, atravessar séculos e manter-se voluntariosamente activo para fazer justiça, ou seja, para consumar a sua vingança sobre os seus quatro traiçoeiros assassinos ?
Uma obra a ler com entusiasmo, para conhecer agora o desfecho da série. Um argumento que nos agarra, sob a bela arte de Henri Reculé.


DANS L’OMBRE DU MONDE - Edição Lombard. Autor: Philippe Gauckler.
Este é o segundo tomo da série “ Koralovski”, focada nas intrigas políticas e na indústria petrolífera, inspirada num facto real que se passou na inimizade do presidente russo Vladimir Putin e o industrial Khodorkovski.
Aqui, o presidente chama-se Vladimir Khanine e o industrial é Viktor Koralovski.
Por ordem do senhor da Rússia, Koralovski esteve preso durante dez anos. Conseguiu evadir-se por acção de um misterioso comando.
De qualquer modo, entre Khanine e Koralovski, a luta continua...
LB

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

HERÓIS INESQUECÍVEIS (39) - BUZ SAWYER

Não terá sido um herói que arrastou multidões, mas mesmo assim, teve a sua relativa boa dose de popularidade, incluindo em Portugal.
Roy Crane
Este herói nasceu a 1 de Novembro de 1943, sob autoria de Roy Crane (1901-1977), que já havia criado o “Captain Easy” (Capitão Águia, quando foi publicado no suplemento dominical do matutino “Notícias” de Lourenço Marques).
Buz Sawyer foi militar norte-americano, passou à vida civil e tornou à carreira militar... Coisas forjadas para a heroicidade especulada pelo nacionalismo norte-americano.
Sawyer teve como um dos seus principais parceiros o divertido Rosco Sweeney. Casou com a bela Christy Jameson, donde resultou o filho Pepper.
A série teve inicialmente argumentos de Edwin Granberry. Crane, praticamente, só assumiu o traço. Passou depois a ser apoiado pelo desenhista Henry G. Schlensker, que o substituiu plenamente após o seu falecimento.
Em 1983, é John Celardo quem toma conta do traço até ao final da série a 7 de Outubro de 1989.
No Brasil, este herói tinha o nome de Jim Gordon. Em Portugal, a situação foi ridiculamente anedótica, pois foi conhecido como Fred de Sousa, John de Sousa, Raio Solar(?!) e, finalmente, pelo seu nome autêntico, Buz Sawyer.
As suas aventuras, mais ou menos avulsamente publicadas, foram editadas no “Cavaleiro Andante” (1956), no 36.º “Álbum do Cavaleiro Andante” (1957) e depois, noutras revistas, como “Ciclone”, “Condor Popular”, “Mundo de Aventuras” (1.ª série), “Mundo de Aventuras” (2.ª série), “Jornal do Cuto”, “Herói” e “Tico”.
E por este herói-BD, relativamente (frisamos) popular, ficamos por aqui.
Agradecemos os apoios que nos foram prestados por Jorge Magalhães e José Manuel Vilela.             
LB

Pranchas de "Um Caso de Espionagem", in "Cavaleiro Andante" #236 (1956)


Pranchas de "Piratas do Ártico", in álbum do "Cavaleiro Andante" #36 (1957)

Pranchas de Buz Sawyer, in "Mundo de Aventuras" #263 (1978)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS, na memória de José Ruy (11)


11) O PORQUÊ E COMO FOI CRIADO O "CAVALEIRO ANDANTE"

Pois o «Cavaleiro Andante» foi realmente criado para escoar uma quantidade enorme de papel que se acumulava nos armazéns da «Empresa Nacional de Publicidade» a que o Diário de Notícias pertencia. Este importava da Finlândia o papel em bobinas mas o seu tamanho na largura excedia a medida da rotativa e o formato do jornal. As bobinas eram serradas no excedente produzindo pequenas frações que se iam acumulando. Numa tiragem diária de 100 mil exemplares pode-se calcular a velocidade a que os armazéns ficavam lotados.
Que fazer a tanto papel? Era um desperdício mandá-lo para a reciclagem. Foi aí que o inventivo José Gonçalves pensou num pequeno jornal infanto-juvenil onde aplicasse esse papel dando assim vasão às bobinas. Encomendou uma rotativa Offset com esse formato e foi assim que o «Cavaleiro Andante» surgiu sujeito àquela medida, e substituindo o «Diabrete».

Era uma rotativa deste género que
imprimia o "Cavaleiro Andante"
Capas do "Diabrete"

Esta rotativa tinha 60 centímetros de largura e utilizava as tais bobinas excedentes. Portanto este jornal nasceu com papel já pago e reunia todas as condições para dar certo.
Nada se desperdiçava naquela empresa. Tudo se transformava num ciclo de reaproveitamento. Um dia poderei contar pormenores de recuperações inimagináveis, de produtos que hoje vejo deitar para o lixo sem a preocupação de os reutilizar.
Durante o período da colaboração que mantive durante alguns anos n’O Cavaleiro Andante, criei várias histórias.
"A Mensagem", "Ubirajara" do escritor brasileiro José de Alencar, e "O Bobo", de Alexandre Herculano
Quando estava a terminar a publicação de «O Bobo», o Simões Müller perguntou-me o que pensava fazer a seguir. Tinha entretanto descoberto a «Peregrinação» através do Teixeira Coelho, que até já a havia iniciado em HQ com apenas três tiras de propósito para a primeira exposição de Histórias em Quadrinhos, no Palácio da Independência em Lisboa, em 1952.
A "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto
O Coelho antes de partir para França sugeriu-me que fizesse essa história, pois ele não a ia continuar nem planeava fazê-lo mais tarde. Em França dedicar-se-ia a outro tipo de temas, como aconteceu. Depois de ler esse original fiquei apaixonado, por isso disse ao Müller que era essa a história seguinte.
Ele torceu o nariz, Fernão Mendes Pinto confessava nos seus escritos ter sido pirata… porque não fazia eu antes os «Fumos da Índia»? Mas encontrava-me bastante determinado, e durante umas semanas fui argumentando com o Müller, que se tratava de uma história com empolgantes aventuras, que tinha episódios históricos e até de heroísmo em locais exóticos. Anuiu por fim, depois de lhe mostrar algumas pranchas que havia já adiantado.
Essa adaptação estendeu-se por 75 semanas, e as reações que chegaram à redação foram todas positivas.
Claro que tive o cuidado de construir a personagem sem barba, para se afastar o mais possível do aspeto do «pirata padrão, barbudo e com pala no olho», que o cinema da altura nos mostrava e através das séries inglesas em quadrinhos.
Talvez por isso a censura não me tenha incomodado, embora o Fernão Mendes Pinto fosse considerado pelos mentores dos bons costumes na época, um escritor maldito.
Vinte e dois anos depois viria a reformular essas pranchas para publicação em livro, inserindo balões nas vinhetas, conseguindo assim um maior dinamismo na narrativa.
Uma prancha original, acervo do CNBDI, e uma página impressa da versão em livro. 
O José Gonçalves era um grande admirador do Teixeira Coelho e por várias vezes me deu a conhecer. Um dia, sabendo da minha ligação de amizade com o Coelho, perguntou-me se ele aceitaria trabalhar para o «Cavaleiro Andante». Disponibilizei-me para o contacto pois nessa altura encontrava-se já em França. Começou por fazer capas para os números especiais e a sua história «Harpa de Ouro» foi mesmo publicada no «Cavaleiro Andante». Mas por vontade do José Gonçalves.
Duas das várias capas que Teixeira Coelho desenhou
para números especiais de "O Cavaleiro Andante"
Também a série "Falcão Negro", novela criada por Raúl Correia n' "O Mosquito" e depois passada a banda desenhada com argumentos de Eduardo Teixeira Coelho foi publicada neste jornal. Esta capa foi feita de propósito para o "Cavaleiro Andante"
Conto um episódio inusitado acontecido ainda em tempo do «Diabrete», que mostra como funcionava a redação deste jornal.
«O Mosquito» fazia permuta dos desenhos do Teixeira Coelho com o jornal «Chicos» de Espanha, recebendo os de Jesus Blasco, Emílio Freixas e outros autores. O Tiotónio tirava provas de prelo em papel cristal das ilustrações do Coelho, que serviam de fotólitos para a impressão no jornal «Chicos», e enviava-as pelo correio. A Consuelo Gil, diretora desse jornal, utilizava esses desenhos soltos para ilustrar novelas escritas de propósito pelos seus colaboradores, inspiradas nas cenas explícitas nessas ilustrações.
Do jornal "Chicos"
Exemplo de como em Espanha aproveitavam os desenhos do Teixeira Coelho publicados n'O Mosquito para ilustrar contos e novelas, muitas feitas a partir das imagens, inventando argumentos a condizer com as cenas criadas, nada tendo a ver com as histórias portuguesas originais.
Por sua vez o jornal «Chicos» vendia para Portugal, para o Simões Müller, desenhos da Pili Blasco, irmã do Jesus Blasco e de outros autores espanhóis que eram publicados no «Diabrete».
Certa vez num desses lotes, por distração, vieram juntos desenhos do Teixeira Coelho, já publicados n’«O Mosquito» e no «Chicos». Na redação do «Diabrete» não se aperceberam que esses desenhos não eram espanhóis, e publicaram-nos. Claro que o Raul Correia e o Tiotónio reclamaram de imediato. Espantado, o Müller pediu imensa desculpa, pois não tinha reparado que eram desenhos do Teixeira Coelho.
Era evidente que não lia «O Mosquito» e não o observava, como os diretores deste jornal faziam com todas as publicações concorrentes existentes na altura. Era preciso estar atento ao que se publicava à volta. Fazia parte da ética.

Mas tudo tem os dias contados e o «Cavaleiro Andante» terminou a sua «cavalgada». No entanto para escoar o muito material que o Simões Müller havia adquirido aos franco-belgas, criaram a «Nau Catrineta» como suplemento integrado no «Diário de Notícias».
Embora já a trabalhar em outra empresa, continuei a colaborar com desenhos para essa publicação.

(continua)



No próximo artigo: O "TINTIN" PORTUGUÊS

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

NOVIDADES EDITORIAIS (78)

JIM e HARVEY - Edição Arcádia. Argumento de Philippe Charlot e traço de Xavier Fourquemin.
“Jim" e "Harvey” são os dois primeiros episódios (há pelo menos mais três), reunidos neste álbum, da série “O Combóio dos Órfãos”.
Obra imensa, arrasadora, fortemente dramática e comovedora, baseada numa situação autêntica que funcionou nos inícios do século XX nos Estados Unidos.
A hipocrisia social e cristianíssima (?!...) foi totalmente repulsiva. Essa atitude abominável que aconteceu, é aqui denunciada com toda a crueza e realismo: crianças órfãs e/ou abandonadas pelas ruas de Nova Iorque, eram “arrebanhadas “ com pseudo-protecções e depois, tal como desprezível gado, enfiadas num combóio que as “exportava” para o Oeste norte-americano, onde seriam “adoptadas”, bastas vezes para serem utilizadas como mão de obra barata ou usadas em fins inconfessáveis. Uma canalhice imperdoável!...
Philippe Charlot e Xavier Fourquemin tiveram a positiva coragem de agarrar este assunto. A editora Arcádia teve também a louvável coragem de começar a editar este obra em português. Estão todos de parabéns!
“O Combóio dos Órfãos” é, sem qualquer dúvida, uma série-BD de leitura obrigatória!...

 
VIRIATO - Edição Gicav / Câmara Municipal de Viseu. Autor: José Garcês.
Finalmente recuperado em álbum este clássico da BD Portuguesa, que foi criado para a revista “Cavaleiro Andante” quando o autor tinha apenas 24 anos de idade!
Viriato, pela História e pela Lenda, é um símbolo imenso para Portugal e Espanha. E merece bem uma indelével veneração.
Este álbum teve paginação e tratamento de imagens por Carlos Rico, que respeitou muito bem, na totalidade, a versão original.
Como complemento necessariamente elucidativo a esta obra, sugere-se que, sobre Viriato e Viriato na Banda Desenhada, leiam ou releiam o nosso post (alusivo) editado a 15 de Dezembro de 2013 ou a revista “Anim’arte” #91 (páginas 8 a 13).
Todos os interessados no álbum, devem contactar com o Gicav para o


LE SARCOPHAGE - Edição Casterman. Argumento de Christophe Bec e arte gráfica de Jaouen Salaün.
Trata-se do primeiro tomo da série “Eternum”. É uma série futurista e entusiasmante na sua proposta. Uma ideia inquietante ante a origem da Humanidade no nosso planeta, e não só.
Quem é a bela e misteriosa jovem encontrada, estranhamente viva, num sarcófago que foi achado nas entranhas de um planetazinho tão distante?...



CONTREFAÇONS - Edição Dargaud. Argumento de Pierre Boisserie e Philippe Guillaume e traço de Juszezak.
“Contrefaçons” é o 9.º tomo da série “Dantès”.
Alexandre Dantès (um Conde de Monte Cristo moderno) continua a sua vivência agitada e suportando situações bem complexas e perturbadoras. Desta vez até tem também de confrontar o próprio pai... que não é flor que se cheire.
Assim, “a vingança não tem preço, mas tem um nome: Dantès”.
A ler!


LE TAS DE BRIQUES - Edição Casterman. Argumento de Régis Hautière e traço de Hardoc. “Le Tas de Briques (1916)”, é o terceiro tomo da série “La Guerre des Lulus”.
Em plena Primeira Grande Guerra, cinco garotos órfãos (quatro rapazes e uma rapariga), mais o fiel gato “Charlie”, percorrem sozinhos, campos, bosques e aldeias desconhecidas, para se escaparem aos soldados alemães e aos bombardeamentos.
Abandonados ao seu próprio destino, tudo fazem e arquitectam para sobreviver, no fito de uma nova esperança ante a vida.
LB

terça-feira, 8 de setembro de 2015

VISEU: O DIA DE VIRIATO

A municipalidade de Viseu restaurou “O Dia de Viriato”, que acontece a 30 de Agosto. Assim foi este ano. Em plena Feira de São Mateus, no Museu da Electricidade, inaugurou-se nesse dia 30 uma bela exposição dedicada ao grande líder lusitano, que encerra no próximo dia 13.
Nesse espaço, às 16 horas, o Presidente da Câmara de Viseu, Almeida Henriques, inaugurou a exposição "Viriato na Banda Desenhada" (que já estivera patente em Moura, pois é obra elaborada em conjunto pelo GICAV e a Câmara Municipal de Moura), com pranchas de desenhistas portugueses e espanhóis.
Mas aqui, em Viseu, se acrescentaram mais duas partes: um conjunto de quadros-aguarelas de José Garcês e uma boa dose de “retratos” e/ou cartunes sobre o mesmo Viriato, com a prestação de diversos dos nossos desenhistas, alguns deles residentes na zona de Viseu.
José Garcês, o decano dos nossos desenhistas, foi então homenageado, recebendo o Troféu Anim’arte atribuído pelo GICAV- Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu, tendo-se seguido o lançamento do álbum “Viriato”, também da autoria de José Garcês, dando lugar a uma concorrida sessão de autógrafos. Deste álbum faremos posteriormente referência na nossa rubrica “Novidades Editoriais”.
Havia imenso público que se acotovelava para ver toda a exposição, num espaço não muito vasto e onde se sofria com o calor que então fazia. Tudo muito bonito e louvável, mas preferimos espaços mais amplos e desafogados, como já foram utilizados em edições anteriores no Pavilhão Multiusos, também no recinto da Feira de São Mateus.
O BDBD esteve lá e, vindos de fora da região, contavam-se as gratas presenças dos desenhistas Pedro Massano e António Guerreiro.
No sector dos cartunes, dos nomes de artistas locais participantes, salientam-se: Miguel Rebelo, Daniel Almeida, Pedro Albuquerque, Carlos Alberto Almeida, Pedro Emanuel e Fernando Jorge Costa. De "outras terras": José Ruy, Eugénio Silva, Artur Correia, Mara Mendes, Carlos Rico, Baptista Mendes, João Amaral, António Guerreiro, Augusto Trigo, entre outros mais.
E agora, fica-se à espera de novas da BD em Viseu em 2016...
Força GICAV! Força Viseu!...
LB
Momento da inauguração da exposição com Luís Filipe Mendes (do Gicav) no uso da palavra.
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
O Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques, entregando a José Garcês
o Troféu Anim'Arte 2015 ante o sorriso de Carlos Alberto Almeida (do Gicav)
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
José Garcês agradecendo o Troféu com que acabara de ser distinguido.
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
Luiz Beira esclarecendo alguns pormenores da exposição ao Presidente da Câmara de Viseu.
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
À direita, dois quadros da exposição "Viriato na Banda Desenhada"..
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
Luiz Beira e Carlos Almeida (ao centro da imagem), atentos à exposição de desenhos
feitos propositadamente, por autores nacionais, para esta mostra.
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
Aspecto da exposição de aguarelas de José Garcês.
Foto: José Alfredo (cedida pela C.M. de Viseu)
Dois desenhistas em animada conversa: António Guerreiro e Pedro Massano.
Foto: Luiz Beira
Aspecto geral da exposição de desenhos sobre Viriato.
Foto: Luis Filipe Mendes
Os Viriatos de Paulo Medeiros e de Ricardo Ferreira
Foto: Luis Filipe Mendes
O Viriato de Carlos Rico
Foto: Luís Filipe Mendes
O Viriato de Eugénio Silva.
Foto: Luiz Beira
Os Viriatos de Mara Mendes e de João Amaral
Foto: Luiz Beira
José Garcês durante a animada sessão de autógrafos onde rubricou
dezenas de álbuns "Viriato", que o Gicav reeditou por esta ocasião.
Foto: Luiz Beira