terça-feira, 7 de abril de 2020

JORGE MACHADO-DIAS (07/07/1953 - 02/04/2020)

Arranjo fotográfico de Ana Vidazinha

Não me lembro bem quando conheci o Jorge Machado-Dias. Sei que foi em meados dos anos 90, muito provavelmente num festival da Sobreda ou da Amadora, pois, a princípio, era aí que eu tomava contacto com a maior parte da "tribo da BD" (uma expressão que o próprio Jorge tanto gostava de usar).
Capa do "BD Infólio" #1 (Jan.1998)
A memória mais antiga que tenho dele, contudo, passa-se em Moura, em 1997. Nesse ano, o Jorge visitou, creio que pela primeira vez, o salão mourense e, pouco depois, em Janeiro do ano seguinte, publicou no "BDinfólio" #1 (um antepassado do "BDJornal") uma generosa reportagem sobre o tema, em duas páginas e com chamada de capa. 
Fiquei muito bem impressionado com os conteúdos (não apenas com a reportagem) e com a qualidade gráfica do "BD Infólio". Uma qualidade, aliás, sempre presente nas edições do Jorge, ou não fora ele um editor de fina sensibilidade e um excelente designer gráfico. O "BD Infólio", contudo, só durou mais um número, já num formato fanzine, mais modesto.
Capa do "BD Jornal" #1 (Abril.2005)
Mas o sonho do Jorge Machado-Dias editar um jornal sobre banda desenhada continuou e, passados uns anos, surgiu o "BD Jornal", publicação de referência, que durou três dezenas de números, com enorme dedicação mas, também, muito sacrifício do Jorge, até este não ter mais condições para manter o jornal (que, entretanto, se transformara em revista). 
Recordo-me, também, de uma vez - logo no princípio de nos conhecermos - em que o Jorge me telefonou, convidando-me a desenhar a continuação das "Aventuras de Paio Peres"... 
O Jorge lembrara-se de mim depois de ler o meu primeiro álbum, "A Moura Salúquia", e de ver o meu traço.
Eu conhecia bem "As Aventuras de Paio Peres" pois tinha um exemplar de cada um dos dois números desenhados pelo Victor Borges, e achei aquilo um desafio. Mas sinceramente já não me lembro porque razão as coisas não avançaram. Provavelmente porque o Jorge e eu nos embrenhámos noutros projectos e acabámos por esquecer o assunto...
Eu, Luiz Beira, Jorge Machado-Dias e Spacca, no Festival BD de Beja (30.05.2015)
Depois passámos a encontrar-nos em cada festival ou salão que visitávamos. Como sempre, dirigia-me à zona comercial, e lá estava o Jorge, na sua banca, sempre de t-shirt preta vestida, vendendo as edições com a chancela "Pedranocharco", por ele criada. No meio da conversa era certo que o Jorge começaria a queixar-se dos vidros das molduras não serem anti-reflexo: "Uma chatice para tirar fotos!". Que sim, que era verdade, dizia-lhe eu, tentando mudar o assunto. Mas logo vinha à baila a questão das fotocópias: "Parece impossível um salão emoldurar fotocópias! Como se o público não percebesse". Sim, sim, dizia eu, tentando mudar o assunto outra vez. "E o espaço para vendas? Exíguo e escondido!"... 
Era o seu lado crítico (mas frontal porque o Jorge escreveu sobre isto muitas vezes), sem papas na língua, que todos lhe reconhecíamos. O seu nível de exigência era assim: acima do dos outros. Mas é justo que se diga que o Jorge não se limitava a criticar: sugeria soluções para os problemas que detectava, tentando ajudar a melhorar aquilo que na sua opinião não estava bem. 
Há cerca de um ano encontrámo-nos no Hospital de Santa Maria. Por puro acaso, tínhamos ambos consultas marcadas para o mesmo dia. Enquanto esperávamos, eu e o Jorge (e a Clara, a companheira) pudemos conversar durante mais de uma hora, com calma, sem correrias nem interrupções como acontece nos festivais, onde não se consegue falar com ninguém durante mais de dois minutos seguidos sem ser interrompido. Ali a conversa fluiu sem pressas nem stresses, vagarosamente... quase que diria "à alentejana".
Falámos de BD, claro, e dos projectos que cada um tinha em mente. E falámos da doença... ainda que eu não quisesse aprofundar muito o assunto para não o fazer sofrer. O Jorge, no entanto, abordava aquilo com uma frieza e uma naturalidade impressionantes. Um verdadeiro guerreiro!
Voltámos a falar de BD, dos nossos blogues, dos salões de Moura e de Beja... 
A conversa foi interrompida abruptamente quando me chamaram para ser consultado. Despedimo-nos à pressa, com sorrisos forçados. Não se interrompe assim uma conversa, caramba... Mas a vida não quis saber. E foi a última vez que nos vimos.
Descansa em paz, Jorge!
Vamos todos sentir a tua falta cá em baixo...
Carlos Rico

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