Uma tarde recebemos na redação o dono da Agência 2000, um
francês que estava a angariar anúncios para o Tintin, e que eu desenhava com o
objetivo de integrar a publicidade no ambiente das histórias da revista.
Entretanto ia aparecendo esta publicidade, bem aceite pelos leitores pois continha também uma história,
embora ingénua e simples, dirigida a um escalão etário mais baixo.
A Agência 2000 tinha contactado algumas firmas
importantes no mercado que se interessaram em anunciar no Tintin. O francês
propunha que criássemos uma personagem que se tornasse conhecida e que
funcionaria como elo de ligação na série que acreditava conseguir angariar. Por
isso queria conversar connosco, principalmente comigo que fazia os desenhos.
O que me ocorreu de imediato foi criar um jornalista que
fosse fazendo as reportagens. Um repórter. Precisava de ter um nome simples,
sonante e de fácil memorização. Porque não o som da máquina fotográfica, «clic»? Gostaram e foi aceite, faltava dar forma à figura. E a primeira «grande
reportagem» foi na Aliança, e como precisávamos de «ver» para «crer» fui com o
Dinis Machado à fábrica receber informações e acompanhar o fabrico para poder
explicar em Quadrinhos.
Este novo «herói» interno do Tintin chegou a figurar nas
apresentações das histórias, como na de Lucky Luke em «Canyon Apache».
Como
previra o francês da Agência 2000 outras empresas foram aderindo a este género
de anúncios que tinham até algo de didático: um banco, uma fábrica de sumos, a
própria Siderurgia Nacional. Mas a seguir à reportagem na Aliança o Dinis
Machado achou que realmente fazia falta um acompanhante para o Clique, de modo
a estabelecerem um diálogo enquanto ia «fotografando». Seria um rapazito, como o
Tonecas e lembrou-se de lhe chamar «Flash». Clique e Flash. Era o disparo da
máquina e da luz.
Estes anúncios ultrapassaram as páginas do Tintin e foram
publicados em jornais e outras revistas. A Aliança quis até fazer um folheto para
distribuição com o conjunto das páginas, que foi impresso nas oficinas da
Bertrand, para o qual acrescentei uma capa. O mesmo aconteceu com a reportagem
no Banco.
O suplemento passou a ter 12 páginas e o Fernando Relvas
começou aí a publicar as suas primeiras Histórias em Quadrinhos.
O Relvas publicou no "Tintin" algumas das suas melhores histórias, com bom argumento, bem contadas e muito equilibradas na mancha do claro-escuro.
Quando o «Jornal do Cuto» dirigido pelo Roussado Pinto
com quem todos nós havíamos já trabalhado fez um ano de publicação resolvemos
fazer-lhe uma surpresa. E ele retribuiu publicando-a nas suas páginas.
Mas nos anos 80 do século XX criara-se uma certa
instabilidade política em Portugal. A revista «Tintin» continuava com boa
venda, mas os direitos precisavam de ser enviados para a Bélgica e para a
França e as quantias atingiam um volume que ultrapassava o limite que o Banco
de Portugal estabelecera para a saída de divisas. Assim a Bertrand pagava
conforme lhe era permitido, mas acumulando sempre uma diferença para o total.
Tinham até de pagar a utilização do título «Tintin». Em dada altura as agências
franco belgas receando uma súbita alteração política que pudesse pôr em causa
receberem o dinheiro em dívida, começaram a pressionar a Bertrand que não podia
fazer nada, porque lei é lei.
O Dinis Machado ciente de que o desfecho da polémica poderia
levar ao corte do contrato e obrigar á suspensão do Tintin, lembrou-se de criar
as condições para que se isso acontecesse poder sair com outra revista à base
de colaboração portuguesa e alguma estrangeira de outra origem, aproveitando os
assinantes e compradores fieis ao Tintin.
Nessa altura eu estava a trabalhar nas «Edições
Europa-América» e o Dinis contactou-me para fazer uma série de histórias com o
Clique e Flash sem ligação à publicidade para que os leitores o deixassem de
ver comutado com os anúncios.
Saiam em dupla página, todas as semanas, e foram muitas as histórias publicadas.
E assim o Clique e o Flash entraram na pura aventura, com
peripécias sempre ligadas à redação. Para que o protagonismo da personagem
fosse mais forte, começou a entrar nas capas do Tintin intrometendo-se na
divulgação das outras histórias. Mas mais ainda, aproximando-se do próprio
título, indiciando um contra ponto à vinheta do Tintin e Milou.
Mas esta estratégica não foi compreendida pela
administração, que achou que estávamos (as pessoas da redação) a procurar
protagonismo aparecendo constantemente na revista. Porquê eles e não nós? Isto
chegou a ser alvitrado. Além disso recearam que os franco-belgas se ofendessem
em ver aquele «Clique» em lugar de tanto destaque, junto ao título.
Nessa altura o Henrique Trigueiros continuava como
diretor, mas o chefe de redação deixou de aparecer na ficha técnica.
Sob pressões, o Dinis Machado saiu.
Em 1981 o Vasco Granja passou a diretor acumulando a
chefia da redação. Mas a condenação estava iminente e o que o Dinis Machado
previra aconteceu mesmo. Os belgas decidiram que se não recebessem todo o
dinheiro cortavam com o envio dos fotólitos.
E a revista «Tintin» portuguesa acabou deixando os seus
fiéis leitores à deriva, procurando outras publicações que entretanto foram
surgindo.
(Continua)
No próximo artigo:
AS SELEÇÕES BD
Obrigado por mais um artigo sobre o ambiente na TINTIN portuguesa!
ResponderEliminarGosto e são interessantes essas páginas de BD sobre a redacção e da dupla Clique e Flash, algumas didácticas e outras cheias de humor - uma das que me recordo bem é quando essa dupla (julgo que são eles os responsáveis...) vão visitar a casa, o Vasco Granja que está de cama, doente e que quase derrubam a sua vasta biblioteca de BD para cima do homem!...
Tinha a ideia de que o TINTIN não sobreviveu no nosso mercado devido à crise ($$$) dos leitores e concorrência de BD´s mais baratas - nunca associei que os "capitalistas" ;-) dos belgas tiveram uma grande cota parte para o seu desaparecimento.
Caro A. Santos,
EliminarFique atento porque nos próximos dias publicaremos uma adenda a este artigo que o José Ruy escreveu de propósito, após este seu comentário.
Saudações bedéfilas,
Carlos Rico