Sempre tive uma grande empatia pelo José Pires, logo desde que o conheci, nos primeiros salões da Sobreda que visitei, lá pelos inícios dos anos 90.
Lembro-me que, quando cheguei à Sobreda, eu era um “miúdo” algo complexado, no meio daqueles craques todos que idolatrava há anos.
Com o tempo e a convivência, claro, fui percebendo que os autores de BD mais consagrados falavam comigo de igual para igual, sem quaisquer tiques de vedeta.
Por sugestão do Luiz Beira, indiquei o nome de José Pires à Câmara Municipal de Moura como o autor a homenagear no salão Moura BD 98, algo que ele aceitou meio encavacado pois nunca se considerou um desenhador de excelência no mundo da BD. Considerava-se apenas, com modéstia, um simples “fazedor de bonecos”, como, aliás, disse numa entrevista relativamente recente a este blogue.
O Pires estava sempre a elogiar o salão e as suas publicações. E sempre que podia, ajudava-nos de alguma forma. Por exemplo, em 2000, o Moura BD deu destaque ao western, um tema muito querido por José Pires (co-criador de personagens como Will Shanon e Irigo, entre outros, e editor do fanzine “Fandwestern”, que manteve durante anos, reeditando histórias dos mais conceituados autores do género).
Entusiasmado, José Pires predispôs-se, desde logo, a emprestar-nos algum material que coleccionava para incluirmos nos cenários que o salão iria produzir.
Lembro-me que, quando fomos buscar a sua casa alguns chapéus, coldres e cartucheiras, assim como réplicas de “colts” e “winchesters”, tinha uma bela colecção de livros sobre o tema, que certamente lhe terão servido de auxílio gráfico para muitas das suas histórias. Cheio de orgulho, abriu alguns desses livros e, enquanto me mostrava fotografias de Sitting Bull, Crazzy Horse ou Gerónimo, explicava detalhes sobre a vida daqueles personagens, as suas lutas, as suas conquistas e os seus trágicos destinos. Uma brevíssima aula de História que, até hoje, recordo com nostalgia.
Uns anos depois, em 2002, o tema escolhido foi “O Terror” e o José Pires também nos emprestou algum material para expor (pranchas de revista Creepie em grande formato).
Em 2019, a Câmara de Moura, a de Viseu e o Gicav co-produziram uma exposição sua intitulada “A Portuguesa: História de um Hino”. A exposição inaugurou em Moura e José Pires veio – pela derradeira vez – até esta cidade alentejana, à boleia com um sobrinho.
A exposição seguiu posteriormente para Viseu, onde voltámos a encontrar-nos, mas, depois disso, creio que nunca mais nos vimos pessoalmente. O Covid e as medidas restritivas não deram tréguas e, durante dois anos, apenas trocámos e-mails e alguns breves telefonemas, mas até estes começaram a deixar de acontecer.
Estranhei não ter notícias do José Pires há algum tempo (ele sempre me enviava, por mail, as novidades que incansavelmente produzia em forma de fanzine…) e resolvi escrever-lhe para saber se estava tudo bem. Como não me respondesse, resolvi telefonar mas também não atendia. Consegui, enfim, um contacto através da amiga em comum, Catherine Labey.
Atendeu a filha, Teresa, enfermeira e cuidadora. Percebi que a situação não era boa. Combinei com a Teresa uma visita na semana seguinte mas, lamentavelmente, já não foi possível…
Era este, também, o caso do Pires, sempre impecavelmente vestido (em vez de gravata, gostava de usar um elegante lenço ao pescoço) e com uma mala ao ombro (onde normalmente trazia, entre canetas e lápis, o mais recente número do "Fandwestern") e sempre bem falante.
Sendo ambos alentejanos e gostando do mesmo tipo de banda desenhada (os clássicos ingleses e italianos, entre outros), a amizade foi crescendo, naturalmente, entre nós.
À direita, eu e José Pires, assistindo à sessão solene da Sobreda / BD 1999, no Solar dos Zagallos |
Por sugestão do Luiz Beira, indiquei o nome de José Pires à Câmara Municipal de Moura como o autor a homenagear no salão Moura BD 98, algo que ele aceitou meio encavacado pois nunca se considerou um desenhador de excelência no mundo da BD. Considerava-se apenas, com modéstia, um simples “fazedor de bonecos”, como, aliás, disse numa entrevista relativamente recente a este blogue.
Obviamente que José Pires foi um extraordinário autor de banda desenhada e, por isso, foi premiado com o Troféu Balanito, com todo o merecimento. Mas, mais do que troféus e distinções, o que agradava a Pires verdadeiramente era o convívio entre os amantes da BD, e esse ambiente ele encontrou-o em Moura e cativou-o para sempre.
Tanto que, a partir desse ano, passou a ser uma visita assídua ao salão mourense e, com o tempo, acabou mesmo por se tornar num dos mais assíduos de sempre. Exceptuando o Luiz Beira (que terá falhado uns três ou quatro salões apenas) e o Geraldes Lino, José Pires, desde que visitou o salão em 1998 raramente falhou uma edição. Vinha sempre no seu carro, acompanhado por um grupo de amigos. Partiam de manhã, almoçavam em Moura, durante a tarde visitavam as exposições, assistiam à sessão de entrega de prémios e regressavam no final do dia. Sempre o mesmo ritual e quase sempre o mesmo grupo, também: ele, o Dâmaso Afonso, o Nuno Simões Nunes e o Luís Salvado. Por vezes, o lugar que sobrava era preenchido pelo Jorge Magalhães, pelo Zé Manel, pelo João Amaral ou pelo Luiz Beira. Em duas ocasiões diferentes, trouxe também, e para surpresa geral, a mãe - uma senhora já com idade avançada mas cheia de genica e de boa disposição - e a esposa, esta na última edição do Moura BD, em 2013.
Com o seu grande amigo Jorge Magalhães, observando pranchas no salão Moura BD, dedicado ao western, uma das suas grandes paixões (Novembro de 2000). |
Numa foto de grupo, durante o salão Moura BD (Novembro de 2001) |
Durante o almoço-convívio, no Moura BD 2007 |
Com a esposa, durante o almoço-convívio do Moura BD 2013, última edição do salão. |
O Pires estava sempre a elogiar o salão e as suas publicações. E sempre que podia, ajudava-nos de alguma forma. Por exemplo, em 2000, o Moura BD deu destaque ao western, um tema muito querido por José Pires (co-criador de personagens como Will Shanon e Irigo, entre outros, e editor do fanzine “Fandwestern”, que manteve durante anos, reeditando histórias dos mais conceituados autores do género).
Entusiasmado, José Pires predispôs-se, desde logo, a emprestar-nos algum material que coleccionava para incluirmos nos cenários que o salão iria produzir.
Lembro-me que, quando fomos buscar a sua casa alguns chapéus, coldres e cartucheiras, assim como réplicas de “colts” e “winchesters”, tinha uma bela colecção de livros sobre o tema, que certamente lhe terão servido de auxílio gráfico para muitas das suas histórias. Cheio de orgulho, abriu alguns desses livros e, enquanto me mostrava fotografias de Sitting Bull, Crazzy Horse ou Gerónimo, explicava detalhes sobre a vida daqueles personagens, as suas lutas, as suas conquistas e os seus trágicos destinos. Uma brevíssima aula de História que, até hoje, recordo com nostalgia.
Uns anos depois, em 2002, o tema escolhido foi “O Terror” e o José Pires também nos emprestou algum material para expor (pranchas de revista Creepie em grande formato).
As armas, coldres e cartucheiras emprestados por José Pires para o salão Moura BD 2000... |
...e as pranchas da revista Creepie, expostas no Moura BD 2002 |
Em 2009, Pires participou com um belo trabalho (texto e desenhos) no álbum colectivo “Salúquia: a Lenda de Moura em Banda Desenhada”.
Lembro-me que o Pires (junto com o José Ruy, o Baptista Mendes e o Augusto Trigo – e talvez mais um ou outro autor que agora não recordo) se mostrou desde logo muito entusiasmado, quando a ideia do álbum surgiu, durante a inauguração do Festival Amadora BD, em 2004, junto ao metro da Falagueira. Uma ideia que surgiu ali e ali teria morrido, certamente, não fora o entusiasmo com que foi acolhida por estes autores.
Durou cinco anos até o álbum ser uma certeza mas, no dia do lançamento e da inauguração da exposição de pranchas originais, fez-se uma grande festa a que muitos dos autores participantes compareceram, tendo o José Pires também marcado presença, onde autografou alguns álbuns. Faltou o meu pois, na confusão do momento, nem me lembrei de tal…
Lembro-me que o Pires (junto com o José Ruy, o Baptista Mendes e o Augusto Trigo – e talvez mais um ou outro autor que agora não recordo) se mostrou desde logo muito entusiasmado, quando a ideia do álbum surgiu, durante a inauguração do Festival Amadora BD, em 2004, junto ao metro da Falagueira. Uma ideia que surgiu ali e ali teria morrido, certamente, não fora o entusiasmo com que foi acolhida por estes autores.
Durou cinco anos até o álbum ser uma certeza mas, no dia do lançamento e da inauguração da exposição de pranchas originais, fez-se uma grande festa a que muitos dos autores participantes compareceram, tendo o José Pires também marcado presença, onde autografou alguns álbuns. Faltou o meu pois, na confusão do momento, nem me lembrei de tal…
Muito solicitado, autografando o álbum "Salúquia: a Lenda de Moura em Banda Desenhada" (Junho de 2009) |
Mantivemos sempre um contacto muito próximo, quer por telefone (o Pires cumprimentava-me sempre de forma efusiva, com a sua característica voz aguda: “Olá, meu querido amigo Carlos Rico!”), quer por e-mail (longos e cheios de conteúdo, como se estivéssemos a conversar cara a cara), quer nos diversos salões e festivais de BD que visitávamos (Amadora, Viseu, Beja… e Moura).
Entretanto, desanimado por não encontrar uma editora que lhe publicasse os álbuns que tinha prontos (creio que eram três!), o José Pires decidiu enveredar pela publicação em fanzine de séries de que gostava desde miúdo, e que ele lia no “Mosquito” e noutras revistas do género.
Restaurou séries emblemáticas como “O Gavião dos Mares”, “O Capitão Meia-Noite”, “Rob the Rover”, “Matt Marriott”, entre outros.
Recentemente optara por publicar trabalhos de Eduardo Teixeira Coelho, não só restaurados como também… coloridos por si, num gesto polémico e pouco consensual entre o meio bedéfilo. Contudo, José Pires defendia-se dizendo que o próprio ETCoelho teria preferido publicar as suas histórias a cores, se na época tivesse tido à disposição os meios que hoje temos. Enfim, nessa parte sempre discordámos. De forma elegante e civilizada, como dois verdadeiros amigos, cada um de nós tentava convencer o outro do seu ponto de vista mas sem efeitos práticos de parte a parte. Em todo o caso, sempre lhe gabei a paciência e o trabalho que tinha para recolher todo o material necessário para reeditar obras como as que referi acima. E – mérito lhe seja dado – por vezes acrescentando material (leia-se pranchas ou vinhetas) que em anteriores publicações tinha sido mutilado ou adulterado.
Entretanto, desanimado por não encontrar uma editora que lhe publicasse os álbuns que tinha prontos (creio que eram três!), o José Pires decidiu enveredar pela publicação em fanzine de séries de que gostava desde miúdo, e que ele lia no “Mosquito” e noutras revistas do género.
Restaurou séries emblemáticas como “O Gavião dos Mares”, “O Capitão Meia-Noite”, “Rob the Rover”, “Matt Marriott”, entre outros.
Recentemente optara por publicar trabalhos de Eduardo Teixeira Coelho, não só restaurados como também… coloridos por si, num gesto polémico e pouco consensual entre o meio bedéfilo. Contudo, José Pires defendia-se dizendo que o próprio ETCoelho teria preferido publicar as suas histórias a cores, se na época tivesse tido à disposição os meios que hoje temos. Enfim, nessa parte sempre discordámos. De forma elegante e civilizada, como dois verdadeiros amigos, cada um de nós tentava convencer o outro do seu ponto de vista mas sem efeitos práticos de parte a parte. Em todo o caso, sempre lhe gabei a paciência e o trabalho que tinha para recolher todo o material necessário para reeditar obras como as que referi acima. E – mérito lhe seja dado – por vezes acrescentando material (leia-se pranchas ou vinhetas) que em anteriores publicações tinha sido mutilado ou adulterado.
Em 2019, a Câmara de Moura, a de Viseu e o Gicav co-produziram uma exposição sua intitulada “A Portuguesa: História de um Hino”. A exposição inaugurou em Moura e José Pires veio – pela derradeira vez – até esta cidade alentejana, à boleia com um sobrinho.
Durante a inauguração da exposição "A Portuguesa: História de um Hino", no Cine-Teatro Caridade, em Moura (Abril de 2019)... |
...e observando a mesma exposição. |
A exposição seguiu posteriormente para Viseu, onde voltámos a encontrar-nos, mas, depois disso, creio que nunca mais nos vimos pessoalmente. O Covid e as medidas restritivas não deram tréguas e, durante dois anos, apenas trocámos e-mails e alguns breves telefonemas, mas até estes começaram a deixar de acontecer.
Estranhei não ter notícias do José Pires há algum tempo (ele sempre me enviava, por mail, as novidades que incansavelmente produzia em forma de fanzine…) e resolvi escrever-lhe para saber se estava tudo bem. Como não me respondesse, resolvi telefonar mas também não atendia. Consegui, enfim, um contacto através da amiga em comum, Catherine Labey.
Atendeu a filha, Teresa, enfermeira e cuidadora. Percebi que a situação não era boa. Combinei com a Teresa uma visita na semana seguinte mas, lamentavelmente, já não foi possível…
Duas coisas vão fazer-me muita falta quando me recordar do José Pires. Aquela troca mais ou menos regular de e-mails, cheios de conversa, como se estivéssemos cara a cara; e aquela voz fininha e musicada, a cumprimentar-me do outro lado do telefone: “Olá, meu querido Amigo Carlos Rico!”
Até um dia, meu querido Amigo José Pires!
CR
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