quarta-feira, 13 de julho de 2022

ILUSTRAÇÕES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS por José Ruy (14)

E vamos seguindo a aventura de «Fabrício, o Espadachim» de Peter Tenerife, aliás José Padiña, que foi publicada no jornal «O Mosquito», mas sem ilustrações. Continuemos com as palavras de Padiña, embora resumidas: 

No dia seguinte, o padre e Fabrício foram ao palácio do Governador que lhes falou de testa franzida, mirando em redor à procura de Daniel. E perguntou:
— Só um? Vós haveis dito que me entregaríeis os dois, Padre...
— Perdão! Eu nunca pensei entregar ninguém. Fazia tenção de me apresentar a mim próprio, acompanhado por outro religioso. Mas o Sr. Don Fabrício quis vir...
O Governador estava fulo. E mais fulo ficou quando Fabrício se lhe dirigiu assim:
— Senhor Governador, peço-vos que escuteis, porque vou contar a verdade do acontecido...
— A verdade sei-a eu em demasia! Não há mais falatório! Dai-me a vossa espada! Estais preso à ordem D’el-Rei de Portugal!
— O quê?! El-Rei não manda nunca prender um cavaleiro sem antes o escutar!
— Dai-me a vossa espada, já vo-lo disse!
— Segurai-a pela ponta, se a quiserdes... — e Fabrício desembainhou a lâmina.
O Governador, branco de cólera, agitou freneticamente a campainha, chamando socorro.
Apareceu um criado à porta da sala...
— Que venha a guarda! Todos os soldados! Depressa!
— Isso é que é valentia, senhor Governador! — comentou Fabrício com sorriso irónico.
Voltou costas ao Governador, e atirou-se contra a chusma de soldados e criados que invadiam a sala.
Estes, espantados pelo inesperado ataque, mal resistiram. Fabrício percorreu os corredores e atravessou o pátio sem encontrar obstáculos. Quando alcançou a porta da rua, e se dispunha a atravessar o espaço que havia até à saída da fortaleza, ouviu um tropel e a voz do Governador ecoou de uma janela:
— Prendam esse homem! Não o deixem sair!
O soldado que estava de sentinela, e mais dois ou três que vagueavam nas proximidades, esforçaram-se por cumprir a ordem. Claro que Fabrício pô-los fora de combate.
O tropel era de três cavaleiros que vinham a toda a brida.
Correu ao encontro dos recém-chegados, atirou-se à cabeça do primeiro cavalo e obrigou-o a parar. O cavaleiro era nem mais nem menos do que Balsemão Geraldes, acompanhado por dois amigos. Vinha saber notícias. Com um pulo, montou, virou o animal, e deparou com os amigos de Balsemão a impedir-lhe o caminho e com o clássico grito: «San Sebastian y amor!» Mas bastou que Fabrício desfechasse dois golpes, um para cada um, e lhes mostrasse a cara: eles não o tinham reconhecido antes.
— Oh! Fabrício, o espadachim...
E a coragem fugiu-lhes pelas pernas abaixo. E Fabrício abalou, livre como um passarinho.
Galopou direito ao porto e teve a sorte de haver uma nau, de partida para o sul. Entregou o cavalo aos cuidados dum marinheiro que trabalhava em terra a fiscalizar o embarque de mantimentos, e foi num batel até bordo da nau.
Dupla sorte a de Fabrício: o capitão era seu amigo, companheiro de pelejas e aventuras.
— Homem! Ainda bem que és tu o capitão! Vais salvar-me! Preciso que mandes recado ao Vice-Rei da Índia, dizendo que Fabrício está em risco de ser preso pelo Governador cá da terra.
Fabrício abraçou o amigo, e tornou ao batel. No cais um grupo de homens lutava encarniçadamente e o cavalo desaparecera. O tal marinheiro gritou:
— Senhor cavaleiro, eles roubaram-lhe o bicho.
O nosso herói desembainhou a espada e pôs os inimigos ao largo. O marinheiro explicou que logo a seguir tinham aparecido uns homens...
— É gente que anda por conta dos Geraldes. O senhor Don Bonifácio julga que é o dono disto tudo! uns fugiram com o animal, e outros ficaram-se a lutar comigo e mais estes amigos que vieram ajudar-me... — concluiu o marinheiro.
Fabrício começou a perceber a atitude do Governador querendo prendê-los, a ele e a Daniel, a todo o custo.
— Oh! Senhor! Se tendes os Geraldes como inimigos acautelai-vos!
Fabrício estabeleceu rapidamente um plano, disse aos seus novos amigos que não conhecia a cidade e precisava dum homem que estivesse disposto a correr os riscos de andar com ele.
— Quero ir à casa de um fidalgo cujo nome não sei. Apenas que tem dois filhos: uma menina chamada Florinda, e um rapaz chamado Miguel.
— Eu conheço e conduzir-vos-ei até lá, -- disse um dos homens.
— Está bem. Então partamos.
— Senhor, acho aconselhável tomarmos um batel, fingindo que vamos para bordo de uma nau. E depois desembarcaremos noutro ponto da praia...
E enquanto o barco ia vogando, Paco contava os atropelos e violências que Balsemão Geraldes, à sombra da impunidade do pai, cometia descaradamente. Desembarcaram depois de ultrapassada uma ponta de rocha e Fabrício deixou umas moedas ao barqueiro.
Internaram-se na vegetação quase bravia que a terra tinha naquele ponto.
— Agora precisamos de arranjar cavalos — disse Fabrício para o seu guia.
— Chiu! — recomendou este, encolhendo-se e puxando Fabrício atrás de si.
— Ali adiante! Olhe...
Amarrados ao tronco duma palmeira estavam quatro cavalos. Sentados no chão, os respetivos donos gozavam as delícias da sombra. Eram soldados.

— Vamos para a frente! Trata de desatar dois animais, montar num e abalar. Eu encarrego-me do resto e depois vou ter contigo!
Os soldados só se aperceberam claramente das intenções dos nossos heróis quando sentiram a pele rasgada pela ponta da espada de Fabrício e quando viram Paco desandar a galope num dos seus cavalos. Em dois minutos estavam três soldados estendidos no chão. O outro fugiu.
Então Fabrício escolheu um cavalo e partiu também, na pista de Paco.
— Ó senhor Don Fabrício! Se o senhor Don Domingos vos visse, não diria mais que Portugal já não tem guerreiros como os antigos...
— Quem é Don Domingos ?!...
— O pai do menino Miguel, o meu amo...
— Ah! Não lhe sabia ainda o nome. Pois vamos a casa do senhor Don Domingos saber novidades.
Don Domingos estava dormindo a sesta, e havia proibição absoluta de o acordarem, de modo que Fabrício viu-se obrigado a esperar e foi passear para o jardim. Ai encontrou Florinda. Saudou-a, e perguntou:
— Podeis dar-me novas de vosso irmão e do senhor Don Daniel?
A rapariga respondeu friamente:
— Nada sei deles, nem me interessa saber...
— Pois então senhora, tristes são os vossos sentimentos...
E dizendo isto, Fabrício voltou-lhe costas e afastou-se. Florinda, ficou vermelha como um pimentão, toda a tremer de nervoso.

A mocinha desatou a andar à toa, e foi parar ao pé do mesmo banco onde estivera com seu irmão na noite em que Fabrício trouxera Daniel. Era um banco próximo da entrada do jardim. Entretanto Balsemão Geraldes chegou e foi falar-lhe. Balsemão vinha acompanhado pelos seus amiguinhos do costume e por novo reforço de soldados do Governador.
— Olá, Florinda! Ainda bem que vos encontro a sós .
— E eu desejo agradecer-vos o modo como me haveis defendido em vossa casa, daquelas grosserias... — disse a moça.
— Nada fiz que tanto mereça... agradeça antes ao Governador que quer meter na ordem aqueles desordeiros e dar-lhes um castigo que impeça a repetição.
— Então pouco mais vos falta andar — interrompeu Florinda, encantada por achar a vingança que buscava. — Entrai e procurai...
— Qual deles está aqui?!
— Fabrício... o tal espadachim...
Balsemão empalideceu e recuou instintivamente uns passos.
— Aqui?! Não pode ser! — disse ele apressadamente, e deitando olhares medrosos em redor.
Florinda esbugalhou os olhos, espantadíssima. A escolta de Balsemão devia ter perto de cinquenta homens.
Balsemão corou, mas não ficou mais corajoso por aquela muda censura. Fabrício ganhara tal fama, que só um regimento se atreveria a atacá-lo de frente.
Para apagar a má impressão Balsemão esboçou mais um «projeto» de valentia, perguntando:
— E o outro? Sabeis onde está?
— Sei, sim. Mas vede que não vos faltem os homens suficientes... — disse, com uma pronta ironia.
— Oh! Para esse basto eu! Dizei-me onde o posso encontrar. Florinda baixou a voz, olhou à volta, e murmurou:
— Na «missão» de Vodagui...
— Obrigado. Eu vos vingarei!
E toda a soldadesca abalou, em grande tropel e grito. Tanto barulho fizeram que Fabrício veio a correr ver o que havia, e Don Domingos acordou da sesta e saiu para o jardim meio estremunhado e rabugento. Florinda tentou esconder-se, mas esbarrou com o pai ao virar uma esquina. Não se atreveu a mentir-lhe e contou-lhe o acontecido. Don Domingos não percebia, custava-lhe a acreditar.
— Então tu foste trair o teu noivo e o teu irmão?! Ahn?! Tu fizeste isso?!...
— Meu Pai, eles ofenderam-me...
— Cala-te ! Vai para o teu quarto, infeliz! E não saias de lá sem ordem minha!
A mocinha ajoelhou em terra, pedindo perdão. Compreendeu de repente a maldade do seu gesto. Mas Don Domingos já não lhe dava atento, porque Fabrício o puxava por um braço, pedindo:
— Arranje-me o melhor cavalo que tiver! Galoparei atrás daqueles bandidos, e não os deixarei chegar a Vodagui!
E antes de passados cinco minutos, Fabrício voava pelos campos fora para salvar o amigo.


No próximo artigo, a conclusão desta aventura.

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