sábado, 3 de novembro de 2018

AS HISTÓRIAS QUE RESIDEM NA GAVETA (4) - por José Ruy

Nos artigos anteriores tenho vindo a mostrar aos leitores do «BDBDBlogue» as histórias em quadrinhos que repousam há tempo (alguns anos) na gaveta, que é o termo que costumamos aplicar ao que está emperrado, sem seguimento.
Este artigo é a continuação da história da Bulgária, país que visitei de ponta a ponta, fazendo pesquisas e desenhando pormenores em todas as Cidades importantes, que são muitas.
É o que vou agora mostrar, os esquissos feitos passo a passo numa recolha de elementos e dados históricos.
Comecei logo no avião da Balkan Air, que tomei em Madrid, pois esta companhia não fazia escala em Portugal em 1989. Tudo o que fui vivendo seria transferido para as personagens, por isso o interesse pelos mínimos detalhes, desde os letreiros em búlgaro colocados no avião, ao tipo de bancos, janelas, passando pelas fardas das hospedeiras de bordo.
Mas porquê desenhar, e não simplesmente fotografar, o que aparentemente seria mais rápido, perguntarão.
Acontece que em locais específicos em todo o mundo, nem sempre nos é autorizado fotografar, e além disso num desenho podemos definir um recorte que na fotografia se perde com sombras e a amalgama de planos. Mas o apontamento tem de ser muito rápido. Como nem sempre há condições para utilizar lápis de cor ou aguarelas, aponto por escrito as cores.
O que mostro são folhas de blocos de tamanho reduzido, 12 x 17 cm, que cabem num bolso e discretamente posso usar em qualquer altura.
Em cima, apontamentos rápidos dos motoristas. O primeiro, acompanhou-me durante a estada em Sófia, e o de baixo no circuito por todo o país. Por fim, a guia búlgara que falava corretamente o português.

À esquerda, um esquisso do hall do hotel «Mar negro», em Varna. A seguir uma roulotte adaptada para venda de café e outras bebidas com algo para comer. Tinha uma pequeníssima esplanada com duas mesas e cadeiras, numa praça junto ao mar. Nessa folha fiz apontamentos escritos recordando detalhes e situações de regiões por onde íamos passando. Escrevi «macieiras pequenas».
Na Bulgária não deixavam crescer as árvores de fruto para cima, iam cortando os ramos obrigando-as a rebentar para os lados, e assim uma pessoa em pé podia proceder à apanha dos frutos, sem precisar de escadas ou de algum mecanismo para o efeito. Era um espetáculo estranho, ver aqueles alinhamentos de árvores anãs, mas tão funcionais.

Na página ao lado, tirada ao acaso do conjunto, assinalo um caso curioso que não resisto em divulgar. Perto de um campo de aviação, uma autoestrada serve de alternativa para os aviões aterrarem, quando as condições meteorológicas não permitem faze-lo na pista. Foi concebida mais larga, e na área não existem árvores.
Mais uma prova da utilidade de se conhecer pessoalmente os locais que queremos incluir nas narrativas.

Na Cidade de Vratza chamou-me a atenção esta picota, que também é usada no nosso país, mas com a secção que leva o balde dentro do poço, constituída por segmentos de madeira articuladas por meio de argolas.

Num museu fixei este primitivo canhão artesanal, construído por camponeses na sua luta contra o opressor turco, que durante 500 anos ocupou a Bulgária. Era em madeira. O cano do canhão tinha um tubo de ferro no interior por onde saia a bala, com anéis deste material a abraçavam o revestimento também de madeira. Foi assim que os resistentes começaram a fazer frente aos turcos.

O desenho a seguir foi executado num carro em andamento, quando seguíamos numa das autoestradas. Registei aqui o recorte do horizonte, com as montanhas à esquerda e poucas árvores a ladear. Este esquisso é o suficiente para eu utilizar no desenho definitivo, de modo a que o leitor identifique o local onde as personagens se encontram, e não fazer um horizonte qualquer, inventado. As pessoas que vivem nos locais reconhecem assim o que se mostra no livro. Isso dá-lhe autenticidade.

Tenho pena pelo facto desta história não ter visto até agora a luz do dia, mas dou por bem empregue todo o esforço e trabalho, pois aprendi muito e isso é o melhor que podemos colher destas aventuras. Também desconheço se a Bulgária mantém estas características.

Voltaremos a retirar da gaveta mais uma história.
Mas isso faremos no próximo artigo.

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