sábado, 5 de dezembro de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (14)


14) O REPÓRTER CLIQUE


Uma tarde recebemos na redação o dono da Agência 2000, um francês que estava a angariar anúncios para o Tintin, e que eu desenhava com o objetivo de integrar a publicidade no ambiente das histórias da revista.
Entretanto ia aparecendo esta publicidade, bem aceite pelos leitores pois continha também uma história,
embora ingénua e simples, dirigida a um escalão etário mais baixo.

A Agência 2000 tinha contactado algumas firmas importantes no mercado que se interessaram em anunciar no Tintin. O francês propunha que criássemos uma personagem que se tornasse conhecida e que funcionaria como elo de ligação na série que acreditava conseguir angariar. Por isso queria conversar connosco, principalmente comigo que fazia os desenhos.
O que me ocorreu de imediato foi criar um jornalista que fosse fazendo as reportagens. Um repórter. Precisava de ter um nome simples, sonante e de fácil memorização. Porque não o som da máquina fotográfica, «clic»? Gostaram e foi aceite, faltava dar forma à figura. E a primeira «grande reportagem» foi na Aliança, e como precisávamos de «ver» para «crer» fui com o Dinis Machado à fábrica receber informações e acompanhar o fabrico para poder explicar em Quadrinhos.
Esta reportagem foi descrita em seis números e fiz acompanhar o «Clique» de um rapazito, o «Tonecas»,
a quem o repórter ia explicando o fabrico durante a visita. Nesta última página, o Tonecas trouxe a «Mariazinha» quando o Clique ia explicar o fabrico das bolachas. Ela simbolizava a bolacha «Maria».

Este novo «herói» interno do Tintin chegou a figurar nas apresentações das histórias, como na de Lucky Luke em «Canyon Apache».

Como previra o francês da Agência 2000 outras empresas foram aderindo a este género de anúncios que tinham até algo de didático: um banco, uma fábrica de sumos, a própria Siderurgia Nacional. Mas a seguir à reportagem na Aliança o Dinis Machado achou que realmente fazia falta um acompanhante para o Clique, de modo a estabelecerem um diálogo enquanto ia «fotografando». Seria um rapazito, como o Tonecas e lembrou-se de lhe chamar «Flash». Clique e Flash. Era o disparo da máquina e da luz.

Estes anúncios ultrapassaram as páginas do Tintin e foram publicados em jornais e outras revistas. A Aliança quis até fazer um folheto para distribuição com o conjunto das páginas, que foi impresso nas oficinas da Bertrand, para o qual acrescentei uma capa. O mesmo aconteceu com a reportagem no Banco.
O suplemento passou a ter 12 páginas e o Fernando Relvas começou aí a publicar as suas primeiras Histórias em Quadrinhos.
O Relvas publicou no "Tintin" algumas das suas melhores histórias, com bom argumento, bem contadas e muito equilibradas na mancha do claro-escuro.

Quando o «Jornal do Cuto» dirigido pelo Roussado Pinto com quem todos nós havíamos já trabalhado fez um ano de publicação resolvemos fazer-lhe uma surpresa. E ele retribuiu publicando-a nas suas páginas.

Mas nos anos 80 do século XX criara-se uma certa instabilidade política em Portugal. A revista «Tintin» continuava com boa venda, mas os direitos precisavam de ser enviados para a Bélgica e para a França e as quantias atingiam um volume que ultrapassava o limite que o Banco de Portugal estabelecera para a saída de divisas. Assim a Bertrand pagava conforme lhe era permitido, mas acumulando sempre uma diferença para o total. Tinham até de pagar a utilização do título «Tintin». Em dada altura as agências franco belgas receando uma súbita alteração política que pudesse pôr em causa receberem o dinheiro em dívida, começaram a pressionar a Bertrand que não podia fazer nada, porque lei é lei.
O Dinis Machado ciente de que o desfecho da polémica poderia levar ao corte do contrato e obrigar á suspensão do Tintin, lembrou-se de criar as condições para que se isso acontecesse poder sair com outra revista à base de colaboração portuguesa e alguma estrangeira de outra origem, aproveitando os assinantes e compradores fieis ao Tintin.
Nessa altura eu estava a trabalhar nas «Edições Europa-América» e o Dinis contactou-me para fazer uma série de histórias com o Clique e Flash sem ligação à publicidade para que os leitores o deixassem de ver comutado com os anúncios.
Saiam em dupla página, todas as semanas, e foram muitas as histórias publicadas.

E assim o Clique e o Flash entraram na pura aventura, com peripécias sempre ligadas à redação. Para que o protagonismo da personagem fosse mais forte, começou a entrar nas capas do Tintin intrometendo-se na divulgação das outras histórias. Mas mais ainda, aproximando-se do próprio título, indiciando um contra ponto à vinheta do Tintin e Milou.

Mas esta estratégica não foi compreendida pela administração, que achou que estávamos (as pessoas da redação) a procurar protagonismo aparecendo constantemente na revista. Porquê eles e não nós? Isto chegou a ser alvitrado. Além disso recearam que os franco-belgas se ofendessem em ver aquele «Clique» em lugar de tanto destaque, junto ao título.
Nessa altura o Henrique Trigueiros continuava como diretor, mas o chefe de redação deixou de aparecer na ficha técnica.
Sob pressões, o Dinis Machado saiu.
Em 1981 o Vasco Granja passou a diretor acumulando a chefia da redação. Mas a condenação estava iminente e o que o Dinis Machado previra aconteceu mesmo. Os belgas decidiram que se não recebessem todo o dinheiro cortavam com o envio dos fotólitos.
E a revista «Tintin» portuguesa acabou deixando os seus fiéis leitores à deriva, procurando outras publicações que entretanto foram surgindo.
(Continua)

No próximo artigo: AS SELEÇÕES BD

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

OS DOZE DE INGLATERRA - EDIÇÃO DE LUXO

Capa e contra-capa para a edição de luxo de "Os Doze de Inglaterra" (Edição Gradiva)

Os Doze de Inglaterra em quadrinhos

A grande novidade deste final de ano e início de 2016 é a brilhante iniciativa da editora Gradiva ao publicar uma obra notável, Os Doze de Inglaterra, adaptada em quadrinhos a partir de um opúsculo atribuído a Campos Júnior, por Eduardo Teixeira Coelho, com o seu traço magistral. A história, com 112 páginas primorosamente desenhadas e inicialmente publicada n’ O Mosquito entre 1950 e 1951, foi agora recuperada numa edição de luxo e insere-se na comemoração dos 80 anos da saída do primeiro número deste mítico jornal, a 14 de Janeiro de 1936.

Aquando da primeira publicação no jornal O Mosquito, devido ao texto excessivo, embora muito bem escrito, de Raul Correia, partes importantes dos desenhos foram lamentavelmente amputadas e a sua composição gráfica alterada devido a esse facto.
Apresenta-se-nos agora a ocasião única de podermos pela primeira vez observar os desenhos completos do grande ilustrador E. T. Coelho.
O aspecto de cada página, embora muito melhorado pelas novas tecnologias ao nosso alcance, mantém as características da publicação no jornal O Mosquito, com a sua textura peculiar.
É uma edição a não perder, por todos os que mantêm a recordação desse tempo, e pelos que tomem agora contacto pela primeira vez com a obra, descobrindo a mestria deste exímio e consagrado autor de histórias em quadrinhos, reconhecido não só em toda a Europa como além dela.
À esquerda, uma página de "Os Doze de Inglaterra" publicada n'O Mosquito, no início dos anos 50.
À direita, a mesma página, já restaurada e legendada, exactamente como será publicada no álbum da Gradiva.

Deixo aqui um conselho, se me permitem: façam já a reserva de um exemplar na editora (www.gradiva.pt), pois a edição será limitada.
O editor da Gradiva, Guilherme Valente, está por isso de parabéns, por esta preciosa edição.
Destaco a dedicação dos técnicos especializados da casa impressora, a Multitipo, e do arranjo da capa sobre um desenho de E. T. Coelho, pelo gráfico Armando Lopes, ele também autor de histórias em quadrinhos.

Compete-nos a todos, admiradores da Arte de Teixeira Coelho, acarinhar esta heróica iniciativa, adquirindo exemplares e divulgando-a como merece.
Se um livro é sempre uma boa prenda para alguém que estimamos, este fará sem dúvida a felicidade de quem gosta de ler e que aprecie as histórias em quadrinhos de qualidade.
José Ruy

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PELA BD DOS OUTROS (18) - A BD DA HOLANDA

Localização da Holanda na Europa
O Reino da Holanda, também conhecido como Países Baixos, situa-se na Europa, fazendo fronteiras com a Bélgica e a Alemanha. A cidade de Amesterdão é considerada como sendo a capital, muito embora a sede do governo esteja em Haia.
De entre muitos organismos, a Holanda é membro da OTAN, da União Europeia e da OCDE. Tem como moeda o Euro.
País de autênticas amplas liberdades, pelo seu sistema, é livre a eutanásia, o aborto, a prostituição, a homossexualidade e o circuito/uso da drogas. Mas outros aspectos são marca de encanto: os moinhos de vento, as tulipas. o queijo “gouda”, as bicicletas, os típicos tamancos, etc.
Em tempos idos, chegou a ter o seu império colonial, donde por exemplo, a actual Indonésia e a república sul-americana do Suriname. Ainda mantém territórios “protegidos” lá para as bandas das Antilhas... Chegou a atacar, nesses tempos, territórios portugueses (Angola, Brasil, Ceilão, etc.) sob o pretexto de que Portugal estava sob o domínio de Castela, com quem a Holanda estava em guerra...
No entanto, o povo holandês sofreu amargamente com as duas Grandes Guerras, em especial na segunda, ante as paranóias de Hitler. Deste clima recente, o drama real e consequente livro (diário) da jovem judia Anne Frank.
No plano cultural, é vasto e admirável o respectivo registo, como por exemplo, os filósofos Erasmo e Espinoza (descendente de judeus portugueses) e pintores de nomeada, como: Rembrandt, Vermeer, Ruysdael, Van Gogh
e Mondriaam. Salienta-se ainda a actriz Sylvia Kristel e o actor Rutger Hauer.
Chegados à Banda Desenhada, indicamos alguns dos mais notáveis valores: Marteen Toonder...


Hans G. Kresse...

Henk Kabos...


Paul Teng...

Martin Lodewijk...


 Lo Hartog Van Banda...


Peter Kuhn...
 

Dick Matena...

 e Gerrit De Jager.

Destes, Hans Kresse (série “Os Pele-Vermelhas”), Martin Lodewijk (série "Agente 327") e Peter Kuhn (série “O Capitão Audaz”) foram publicados em Portugal. Gerrit De Jager, com o seu incrível humor, chegou a ser convidado para uma das edições dos salões “Sobreda-BD”, até com o patrocínio da Embaixada da Holanda em Lisboa, mas devido à sua profissão numa das televisões do seu país, com tristeza, cancelou a vinda pois fora destacado em serviço para um país asiático.
Outros valorosos desenhistas holandeses: Ulli Bürer...
Fred Julsing Jr...


Joost Veerkamp...

Peter De Wit...
...Jaap Vegter, Stefan Verwey, Peter De Smet, Arne Zuidhoek, Tijn Snoodijk, etc.
São muitos valores em várias vertentes, mas quase nada se vai sabendo de suas obras em português!...
LB

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

NOVIDADES EDITORIAIS (83)

DEMAIN L’APOCALYPSE - Edição Glénat. Autor: Milo Manara.
Que espanto! Com este álbum, autêntico libelo acusatório, com a incontestável arte (texto e grafismo) deste gigante italiano da Banda Desenhada, quase ficamos cilindrados.
Por norma, conhece-se bem Manara pelas suas narrativas na linha erótica, algumas vezes um tanto abusivas e especulativas. Mas ele teve outras vias criativas...
Desta vez, com “Demain l’Apocalypse” (Amanhã, o Apocalipse), ele arrasta-nos e entusiasma-nos para a ficção-científica através de duas narrativas num só álbum: “Révolution” e “La Fugue de Piranèse”. Sem falhar na sua pontuação de cenas eróticas, o que seriamente importa nestas duas histórias são os temas de acusação sem piedade a situações hipoteticamente futuras, da sociedade e da política, do mundo louco, decadente e prepotente em que vivemos. Não se pode assobiar para o lado ante o que Manara aqui nos alerta! Não, não podemos ignorar estes temas!...
Em “Révolution”, há um paranóico e cruel líder que se faz chamar de “Robespierre”, que instaura implacavelmente a guilhotina... e é a hecatombe de decapitações... Feroz, até certo ponto, este Robespierre até tem alguma razão. Ele “defende” o povo de uma “nova nobreza” capitalista que anestesia e vicia o povo, sobretudo através da sinistra televisão...
Em “La Fugue de Piranèse”, há a paranóia de se querer controlar a Humanidade pelos processos mais incríveis e abomináveis, em nome da “paz”  e da “felicidade total”!... A que preço?
“Demain l’Apocalypse” é um álbum que exige a sua urgente edição em português!


 
BERNARD PRINCE Reeditado - O nosso post a 29 de Novembro de 2012 foi dedicado ao tão popular herói Bernard Prince, cuja série foi quase totalmente desenhada por Hermann. Nunca é demais recordarmos certos heróis-BD, pois tal nunca é tema esgotado devido à sua imensa força de pleno agrado.
A parceria Edições Asa/Leya e jornal Público, já há muito nos habituou, positivamente, às suas periódicas edições de álbuns-BD. Ainda recentemente nos brindou com uma dose de Ric Hochet. Mas este herói tem uma quantidade tal de aventuras que, certamente, dará azo a futuras outras doses...
Agora, finalmente, calha a vez a Bernard Prince: de 11 de Novembro a 27 de Janeiro, às quartas-feiras e com o jornal Público, aí vão estar doze álbuns, albergando quinze aventuras. Quinze, pois três deles, englobarão uma segunda narrativa mais curta, todas com argumento de Greg.
Os onze primeiros têm a arte de Hermann e o último, a de Dany, colega e amigo de Hermann. Com boa vontade e algum lógico “esforço”, a série poderia ficar completa com mais uma meia dúzia de tomos...ou não?
Assim, ficam excluídos, pela arte de Hermann, “A Fortaleza das Brumas”, “Objectivo Cormoran”, bem como o mais recente, criado bons anos mais tarde, “Menance Sur Le Fleuve” (com argumento de Yves H.); e também, as sete curtas e primeiríssimas aventuras de Prince (muitas delas com argumento do próprio desenhista) e as cinco curtas, de uma época bem posterior, pois todas elas, as de “ontem” e as de “hoje”, davam um precioso tomo. Os coleccionadores e os muitos admiradores deste herói, ficariam muito contentes e agradecidos
E para completar - completar mesmo! - tudo ficaria óptimo com a inclusão de “Orage Sur le Cormoran” por Dany e as duas narrativas desenhadas por Edouard Aidans: “La Dynamitera” e “Le Poison Vert”.
E, porque não, muito em breve?


ARÈNE DES BALKANS - Edição Les Humanoïdes Associés. Com base numa ideia de Darko Macan, tem argumento de Philippe Thirault e arte gráfica do jovem português Jorge Miguel, com apoio nas cores de Javi Montes.
Toda a trama, localizada no Canadá e nos Balcãs (Croácia e Bósnia) é inventada, se bem que se inspire em factos reais, Atenção, pois!...
O cidadão Frank Sokol, vinte anos mais tarde, torna do Canadá aos Balcãs, para o funeral de sua mãe. Já viúvo, acompanha-o seu filho, ainda petiz e que não fala o idioma croata... E toda a história é um pesado drama, nada piegas, que nos empolga. Fortemente realista, o aplauso maior vai, com justiça, para a arte do nosso concidadão Jorge Miguel.


TEQUILA MOLOTOV POUR OSS 117 - Edição Soleil. Segundo uma obra de Jean Bruge, tem argumento de Ghief, traço de Pino Rinaldi, cores de Usagi e capa de Stéphane Perger.
Tudo muito bonito neste primeiro tomo da série, com “muita gente” em equipa. Tudo bem, pois os ingredientes deste género de aventuras estão lá todos e provocam um certo e lógico entusiasmo. ..
Mas, porém, todavia, contudo... a narrativa está descaradamente a calcorrear o que já sabemos das aventuras de James Bond!
LB

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

BREVES (17)

SALÃO-BD DA ROMÉNIA
O salão-BD da Roménia, que é anual e coordenado por Dodo Nitá, acontece este ano de 20 a 22 de Novembro, na cidade de Craiova, mas nem sempre ocorre numa mesma cidade desse país.
Participam cerca de 25 desenhistas romenos, como o decano Puiu Manu, Gabriel Rusu, etc. O país convidado é a Sérvia, mas haverá também uma homenagem-evocação ao italiano Hugo Pratt.
Recorda-se que Dodo Nitá, já por várias vezes, apresentou desenhistas portugueses, como José Ruy, Fernando Bento e Eugénio Silva, entre outros.



BEDETECA JOSÉ DE MATOS-CRUZ
Inaugura também hoje, às 16:00 horas, na Biblioteca Municipal de S. Domingos de Rana, em Massapés - Tires (Concelho de Cascais), a Bedeteca José de Matos-Cruz, cujo nome homenageia, com toda a justiça, um dos grandes divulgadores da banda desenhada no nosso país.
Depois de Lisboa, Amadora, Viseu e Beja, aí está mais uma Bedeteca pronta para satisfazer leitores e investigadores da 9.ª Arte.
Longa vida à Bedeteca José de Matos-Cruz!


MILIONÁRIO LEILÃO DE PRANCHA DE HERGÉ
Uma prancha original, a preto-e-branco, do álbum de Hergé-Tintin, “O Lótus Azul” (1936), foi recentemente leiloada em Paris pela Artcurial.
Foi arrebatada por um milionário chinês de Hong Kong, no valor de 1,1 milhões de euros, equivalente a 9,6 milhões de dólares de Hong Kong!
Digam lá agora que a BD “não vale nada”!...
Também, da série “Rahan” de André Chéret, capas e originais, têm estado em leilão e por alto preço, em Paris e em Bruxelas.


ANIVERSÁRIOS (AINDA) EM NOVEMBRO

Dia 21: Vassalo de Miranda
Dia 22: Cyril Pedrosa
Dia 24: Horácio Altuna e Carlos Laranjeira
Dia 25: Luiz Beira e Jorge Deodato
Dia 26: Juan Giménez
LB

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (13)


13) REDAÇÃO DO TINTIN, REALIDADE OU FICÇÃO


Já com 4 páginas a mais na revista, embora com impressão só a preto e branco, o Dinis Machado ficou com mais espaço para poder anunciar as histórias que iam substituindo as que acabavam entretanto. Deu-me carta-branca para essas apresentações.
Acontece que nas variadas peripécias que aconteciam na redação, por vezes (muitas vezes) caricatas e de grande comicidade, em dez segundos eu riscava num papel a situação, caricaturando a cena, sempre com uma legenda adequada. O Dinis Machado achou que seria interessante passarmos a fazer o mesmo nessas apresentações das histórias.
E neste desenho aparecemos todos, como passou a ser hábito, inseridos no ambiente da aventura que estávamos a anunciar.
Em primeiro plano o Vasco Granja, muito alto e magro seguido do Mário Correia, mestre nas legendas, que trazia sempre uma pasta plena de tralha, desde escova para o cabelo, tubo de cola, ampolas de vidro, papelada, pinceis e canetas, muitas, tesoura e chapéu-de-chuva de encolher, enfim, um nunca acabar de surpresas. Eu exagerava e fazia toda a aquela «babilónia» a saltar da pasta. Na corrida, o Dinis Machado e eu numa trotinete com faróis de nevoeiro; isto porque havia comprado um par destes fura-neblina para um carrito que tinha e parecia mais uns faróis com rodas, acompanhado por um cãozinho Coquer Espaniel da minha filha.
No segundo plano o rapaz com a bandeirinha ajudava em pequenos trabalhos na redação, seguido da Maria Quirino, secretária do diretor da editora, e na mesma bicicleta dupla a «Milocas», uma jovem ajudante da Lurdes a secretária da redação, que vai atrás com os seus longos cabelos. Por último o Luís Nazaré, autor dos passa-tempos e de uma parte das legendas desenhadas.
Na torre de controlo O António Ramos, o diretor editorial, a falar para a Lombard, o que fazia constantemente.
Esta rubrica não era semanal, saía só quando se iniciava uma nova história. Ao idealizar a forma da apresentação, tinha a colaboração aprazível do Dinis Machado e do Márinho, como chamávamos carinhosamente ao Mário Correia, até hoje. Um dizia uma coisa, o outro acrescentava e assim se construía a página.
Nesta história dos «Charutos do Faraó», substituímos os balões com a frase atribuída a cada um, por hieróglifos. O Henrique Trigueiros tinha uma espiga, o Dinis Machado tinha o machadinho, eu tinha o Coquer, o Vasco Granja que exibia diariamente uma nova gravata ultrapassando-se nos mais inimagináveis padrões, deixava-a pender das ligaduras de múmia e o Mário Correia espalhava todo o conteúdo da sua pasta de couro, concorrente à «Caixa de Pandora».
Gostava de tirar partido dos contrastes existentes entre nós, principalmente entre a diminuta altura do Mário Correia e do «pé direito» do Vasco Granja. O António Ramos sempre a ligar, ou a tentar fazê-lo, para a Lombard, a Maria Quirino preocupada com os contratos e à procura do sítio em que os tinha guardado da última vez, o Luís Nazaré a saborear o seu cafezinho, o que ia repetindo ao longo do dia, e o Mário Correia com a sua pasta a despejar mais coisas do que a sua capacidade estimada.
Os leitores iam-se apercebendo de que aquelas personagens faziam parte da redação e alguns interpelavam-nos nesse sentido, procurando saber se seria verdade ou ficção. No fundo era uma verdade que ultrapassava a imaginação.
Estavam sempre a acontecer coisas, alguém que tropeçava num fio e espalhava as pastas que levava, um telefonema da Venezuela que por acidente veio parar ao telefone do Dinis Machado, de um Morales que queria à força saber qualquer coisa relativa à administração, e por mais que o Dinis tentasse fazer-se entender a explicar que não era dali, o tal Morales insistia e voltava a repetir a lenga-lenga. Por muito tempo gozávamos com o Dinis Machado, quando ele estava um pouco distraído, a pensar por certo nas histórias, dizíamos: Está lá, Morales!!!
Ele fingia que se irritava, mas não conseguia.

Costumávamos ir almoçar a uma tasquinha na Venda Nova, na Amadora, perto da redação, o Dinis, o Mário Correia, o Teixeira Abreu da Ibis e eu. Um dia, estávamos à espera do prato-do-dia, um guisado de carne, com os pratos voltados ao contrário sobre a mesa para proteção do pó, e distraidamente olhávamos um outro cliente na mesa ao lado, embebido profundamente na leitura de um jornal desportivo. O criado trouxe-lhe a travessa com o «ragu» e ele acto contínuo, sem desviar os olhos do jornal, despejou todo o conteúdo no prato, sem se aperceber de que este estava ao contrário. Na fração de segundo em que isto se passou, esboçámos ainda a tentativa de o avisar, mas o guisado resvalava já pelo fundo convexo do prato, depositava-se em parte na toalha continuando para as calças e sapatos do cliente.
Após a primeira reação de surpresa, fomos atacados pela inevitável vontade de rir, pois o senhor como se tratasse da coisa mais natural do mundo, voltou o prato e com a mão foi encaminhando o derrame para o seu interior, mesmo o que se havia depositado nas calças, deixando só como desperdício o que caíra no chão. E começou a comer continuando a ler o desportivo.
Pode imaginar-se o esforço que tivemos de fazer para não começarmos à gargalhada, incapazes de olharmos uns para os outros, pois só de vermos a expressão de cada um nos fazia mais vontade de rir. Levámos o almoço a engolir mais o riso do que propriamente a carne com as batatas, nem comemos sobremesa e saltámos para a rua onde, aí sim, demos largas às gargalhadas contidas até então. Foi neste propósito que chegámos à redação, lágrimas a correr, para espanto de todos, e sem fôlego para contar o sucedido, pois quando um de nós começava a descrever a cena, desmanchávamo-nos e não conseguíamos dar seguimento nem coerência ao acontecimento. Claro que isto foi motivo para boneco, não para publicar.
Até que o Dinis Machado resolveu que devíamos assumir mostrar como era na realidade a redação aproveitando um concurso promovido pela casa-mãe de Bruxelas. A disposição das secretárias e estiradores, armários e ficheiros está correta neste desenho. Atrás de mim e do Mário Correia havia grandes janelas que davam para a Rua e ao fundo, o gabinete do António Ramos… a ligar para a Lombard. No meu lado direito havia uma porta (que não se vê) que dava para a secção de promoção e publicidade, de onde saía várias vezes ao dia o Vasco Granja sobraçando pastas com desenhos dos franco belgas.
E um dia tivemos a visita do francês dono da Agência 2000 com uma questão.
(Continua)

No próximo artigo: O REPORTER CLIQUE