13) REDAÇÃO DO TINTIN, REALIDADE OU FICÇÃO
Já com 4 páginas a mais na revista, embora com impressão
só a preto e branco, o Dinis Machado ficou com mais espaço para poder anunciar
as histórias que iam substituindo as que acabavam entretanto. Deu-me
carta-branca para essas apresentações.
E neste desenho aparecemos todos, como passou a ser hábito, inseridos no ambiente da aventura que estávamos a anunciar.
Em primeiro plano o Vasco Granja, muito alto e magro
seguido do Mário Correia, mestre nas legendas, que trazia sempre uma pasta
plena de tralha, desde escova para o cabelo, tubo de cola, ampolas de vidro,
papelada, pinceis e canetas, muitas, tesoura e chapéu-de-chuva de encolher,
enfim, um nunca acabar de surpresas. Eu exagerava e fazia toda a aquela
«babilónia» a saltar da pasta. Na corrida, o Dinis Machado e eu numa trotinete
com faróis de nevoeiro; isto porque havia comprado um par destes fura-neblina
para um carrito que tinha e parecia mais uns faróis com rodas, acompanhado por um
cãozinho Coquer Espaniel da minha filha.
No segundo plano o rapaz com a bandeirinha ajudava em
pequenos trabalhos na redação, seguido da Maria Quirino, secretária do diretor
da editora, e na mesma bicicleta dupla a «Milocas», uma jovem ajudante da
Lurdes a secretária da redação, que vai atrás com os seus longos cabelos. Por
último o Luís Nazaré, autor dos passa-tempos e de uma parte das legendas
desenhadas.
Na torre de controlo O António Ramos, o diretor
editorial, a falar para a Lombard, o que fazia constantemente.
Esta rubrica não era semanal, saía só quando se iniciava
uma nova história. Ao idealizar a forma da apresentação, tinha a colaboração
aprazível do Dinis Machado e do Márinho, como chamávamos carinhosamente ao
Mário Correia, até hoje. Um dizia uma coisa, o outro acrescentava e assim se
construía a página.
Nesta história dos «Charutos do Faraó», substituímos os
balões com a frase atribuída a cada um, por hieróglifos. O Henrique Trigueiros
tinha uma espiga, o Dinis Machado tinha o machadinho, eu tinha o Coquer, o
Vasco Granja que exibia diariamente uma nova gravata ultrapassando-se nos mais
inimagináveis padrões, deixava-a pender das ligaduras de múmia e o Mário
Correia espalhava todo o conteúdo da sua pasta de couro, concorrente à «Caixa
de Pandora».
Gostava de tirar partido dos contrastes existentes entre
nós, principalmente entre a diminuta altura do Mário Correia e do «pé direito»
do Vasco Granja. O António Ramos sempre a ligar, ou a tentar fazê-lo, para a
Lombard, a Maria Quirino preocupada com os contratos e à procura do sítio em
que os tinha guardado da última vez, o Luís Nazaré a saborear o seu cafezinho,
o que ia repetindo ao longo do dia, e o Mário Correia com a sua pasta a
despejar mais coisas do que a sua capacidade estimada.
Os leitores iam-se apercebendo de que aquelas personagens faziam parte da redação e alguns interpelavam-nos nesse sentido, procurando saber se seria verdade ou ficção. No fundo era uma verdade que ultrapassava a imaginação.
Os leitores iam-se apercebendo de que aquelas personagens faziam parte da redação e alguns interpelavam-nos nesse sentido, procurando saber se seria verdade ou ficção. No fundo era uma verdade que ultrapassava a imaginação.
Estavam sempre a acontecer coisas, alguém que tropeçava
num fio e espalhava as pastas que levava, um telefonema da Venezuela que por
acidente veio parar ao telefone do Dinis Machado, de um Morales que queria à
força saber qualquer coisa relativa à administração, e por mais que o Dinis
tentasse fazer-se entender a explicar que não era dali, o tal Morales insistia
e voltava a repetir a lenga-lenga. Por muito tempo gozávamos com o Dinis
Machado, quando ele estava um pouco distraído, a pensar por certo nas
histórias, dizíamos: Está lá, Morales!!!
Ele fingia que se irritava, mas não conseguia.
Costumávamos ir almoçar a uma tasquinha na Venda Nova, na
Amadora, perto da redação, o Dinis, o Mário Correia, o Teixeira Abreu da Ibis e
eu. Um dia, estávamos à espera do prato-do-dia, um guisado de carne, com os
pratos voltados ao contrário sobre a mesa para proteção do pó, e distraidamente
olhávamos um outro cliente na mesa ao lado, embebido profundamente na leitura
de um jornal desportivo. O criado trouxe-lhe a travessa com o «ragu» e ele acto
contínuo, sem desviar os olhos do jornal, despejou todo o conteúdo no prato,
sem se aperceber de que este estava ao contrário. Na fração de segundo em que
isto se passou, esboçámos ainda a tentativa de o avisar, mas o guisado
resvalava já pelo fundo convexo do prato, depositava-se em parte na toalha
continuando para as calças e sapatos do cliente.
Após a primeira reação de surpresa, fomos atacados pela
inevitável vontade de rir, pois o senhor como se tratasse da coisa mais natural
do mundo, voltou o prato e com a mão foi encaminhando o derrame para o seu
interior, mesmo o que se havia depositado nas calças, deixando só como
desperdício o que caíra no chão. E começou a comer continuando a ler o
desportivo.
Pode imaginar-se o esforço que tivemos de fazer para não
começarmos à gargalhada, incapazes de olharmos uns para os outros, pois só de
vermos a expressão de cada um nos fazia mais vontade de rir. Levámos o almoço a
engolir mais o riso do que propriamente a carne com as batatas, nem comemos
sobremesa e saltámos para a rua onde, aí sim, demos largas às gargalhadas
contidas até então. Foi neste propósito que chegámos à redação, lágrimas a
correr, para espanto de todos, e sem fôlego para contar o sucedido, pois quando
um de nós começava a descrever a cena, desmanchávamo-nos e não conseguíamos dar
seguimento nem coerência ao acontecimento. Claro que isto foi motivo para
boneco, não para publicar.
Até que o Dinis Machado resolveu que devíamos assumir
mostrar como era na realidade a redação aproveitando um concurso promovido pela
casa-mãe de Bruxelas. A disposição das secretárias e estiradores, armários e
ficheiros está correta neste desenho. Atrás de mim e do Mário Correia havia
grandes janelas que davam para a Rua e ao fundo, o gabinete do António Ramos… a
ligar para a Lombard. No meu lado direito havia uma porta (que não se vê) que
dava para a secção de promoção e publicidade, de onde saía várias vezes ao dia
o Vasco Granja sobraçando pastas com desenhos dos franco belgas.
E um dia tivemos a visita do francês dono da Agência 2000
com uma questão.
(Continua)
No próximo artigo:
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