terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

CENTENÁRIO DE UM GIGANTE: ETCOELHO (2)

Por: José Ruy

Como o BDBDBlogue anunciou no anterior artigo, a 4 de janeiro de 2019 comemorou-se o centenário do nascimento do grande autor português de histórias em quadrinhos Eduardo Teixeira Coelho, nascido na Ilha Terceira, nos Açores.
Todos os meses, até dezembro de 2019, o Clube Português de Banda Desenhada está a promover na sua sede na Avenida do Brasil, 52 - A, na Amadora, exposições temáticas da obra deste autor ímpar.
Desde 2 de fevereiro está patente a exposição «Os Animais na Obra de Teixeira Coelho» com meia centena de quadros.
Mantem-se o critério de mostrar as ilustrações a preto e branco, sem a cor que por vezes perturba a clareza do traço, e na dimensão em que o autor as desenhou.
Como exemplo, juntam-se em alguns casos os dois aspetos, para comparação.


ETCoelho estudou do natural, exaustivamente e durante anos, todos os animais, na sua forma, no comportamento e na reação às diversas situações que se lhes deparam na vivência em liberdade.
Em 1948 iniciou no jornal O Mosquito um verdadeiro tratado de anatomia animal com a história «A Lei da Selva».
Estão nesta exposição expostas vinhetas com espetaculares sequências, onde o visitante pode apreciar o movimento e a graciosidade da composição, o equilíbrio das manchas de sombra distribuídas no desenho em contraste com o fino traço fluido e seguro.
As ilustrações estão isentas de qualquer texto para que a atenção não se divida, permitindo, assim, focar-se unicamente no desenho.
ETCoelho, além do estudo no Jardim Zoológico de Lisboa, e para melhor criar posições quase incríveis mas muito bem estruturadas dos felinos, na própria redação/oficina de O Mosquito pedia a um rapazito que ali ajudava em pequenos trabalhos, o José das Neves, que segurasse o gato residente que tinha por missão dar caça aos ratos também locatários, e, de uma altura calculada, o deixasse cair de patas para cima
Instintivamente o animal volteava no ar para «aterrar» nas quatro patas. Essas mirabolantes reviravoltas eram desenhadas numa rapidez de frações de segundo, e permitiu ao desenhador verificar situações de verdadeira elasticidade do animal.
ETCoelho não se limitou a desenhar bem os animais, conseguiu que se libertassem da gravidade, tal como fazia nas cenas espetaculares de grupos humanos em «pancadaria» que galvanizavam os leitores.
Por iniciativa da Autarquia da Amadora, está a ser preparada uma mega exposição com originais deste autor, na Bedeteca dessa Cidade, comissariada pelo diretor do Festival Internacional de Beja com parceria do CPBD, a inaugurar em abril próximo e patente até setembro, e depois também no Festival de BD da Amadora em 2019.

Desde já os parabéns ao Pelouro da Cultura e à direção da Bedeteca pela iniciativa.

Voltaremos ao contacto em março, aquando da próxima exposição de ETCoelho, sob o tema: «ETCoelho e a Figura Humana».

sábado, 2 de fevereiro de 2019

HERÓIS INESQUECÍVEIS (61) - FLASH GORDON

Flash Gordon por Al Williamson

Pronto, cá o temos!...
Nas loucuras e entusiasmos por aventuras-viagens no Tempo e no Cosmos, há um certo número de heróis... digamos, “os sete magníficos” deste género de aventuras, a saber:
Pelos Estados Unidos - Buck Rogers (1929) por Philip Nowlan e Dick Calkins; Brick Bradford (1933) por William Ritt e Clarence Gray; e, Flash Gordon (1934) por Alex Raymond.
Pela Inglaterra - Garth (1943) por Steve Dowling; e, Dan Dare (1950) por Marcus Morris e Frank Hampson.
Por França/Bélgica - no mesmo ano de 1967, Luc Orient por Greg e Eddy Paape; e, Valérian, por Pierre Christin e Jean-Claude Mezières.
Tintin e alguns dos seus companheiros, na sua notável viagem à Lua, não se filiam neste esquema.
Alex Raymond (1909-1956)
De todos os citados, Flash Gordon é indubitavelmente o mais famoso mundialmente. Foi idealizado em 1933 por Joseph Connoly (um dos “patrões” da King Features Syndicate), que queria um digno herói da ficção-científica que fizesse concorrência ao já popular Buck Rogers.
E, para início, essa ideia foi posta em prática segundo a mestria de Alex Raymond.
Muitos outros o continuaram, como Dan Barry, Mac Raboy, o cubano Ric Estrada, Frank Bolle, o letão Gil Kane, Al Williamson, Paul Norris, Jim Keefe, etc. Também vários foram os argumentistas apostados nesta série, como Don Moore.
Todos sabem que Flash Gordon, a sua eterna noiva Dale Arden e o Prof. Hans Zarkov, por um estranho percurso, vão aterrar no bizarro planeta Mongo, governado tiranicamente pelo cruel imperador Ming... E por aqui se iniciam infindáveis e empolgantes aventuras.
"Flash Gordon", por Alex Raymond, in "Mundo de Aventuras" #129,
Ed. Agência Portuguesa de Revistas (18.03.1976)

Em Portugal, Flash Gordon, chegou a ser tratado por "Roldan", "Roldão, o Temerário", "Capitão Relâmpago"...
Exemplos de publicações portuguesas com diferentes designações para Flash Gordon


Foi editado num extenso universo de publicações como "Mundo de Aventuras"... 
"O Cometa do Fogo", por Mac Raboy e Don Moore, in "Mundo de Aventuras" (2.ª série) #400 (1981)
"Mundo de Aventuras Especial"... 
"Capa do "Mundo de Aventuras Especial" #26 (Janeiro de 1981), por Augusto Trigo
"Espaço"...
"Capitão Relâmpago em Perigo na Floresta Submarina", por Dan Barry,
in "Espaço" #8 (Ed. Agência Portuguesa de Revistas, 1961). Capa de Carlos Alberto Santos 

"Colecção Audácia"...
"Roldan"in "Colecção Audácia" (volume 1, fascículo 11), Ed. Aguiar & Dias, Ld.ª

"As Grandes Aventuras de Flash Gordon"...
Colecção "As Grandes Aventuras de Flash Gordon" #2 e #4, Ed. Portugal Press (1978)
com capas de Carlos Alberto Santos.

"Flash Gordon"...
"Regresso a Mongo", por John Warner (texto) e Carlos Garzon (desenhos),
in revista "Flash Gordon" #1, Ed. Agência Portuguesa de Revistas (Novembro de 1980)
"Jornal do Cuto"...
"Flash Gordon em O Planeta da Morte", por Dan Barry, in "Jornal do Cuto" #125 (24.12.1975)
Capa de Carlos Alberto Santos

"Tigre"...
"Flash Gordon em O País do Esquecimento", por Dan Barry,
in "Colecção Tigre" #3 série 1 (Ed. Agência Portuguesa de Revistas, 01.06.1955)

..."Êxitos da TV"...
"Luta contra a Morte", in "Êxitos da TV" #9 (1979). Capa de Carlos Alberto Santos

"Colecção Condor"...
Capa e pranchas de "Uma Avantura em Marte", por Marc Robay (Raboy) e Don Moore,
in "Colecção Condor", (2.º volume, fascículo 16), Ed. Agência Portuguesa de Revistas

"Aventureiro"...
"Flash Gordon em Os Traficantes de Escravos", in "Aventureiro" #4,
Ed. Campo Verde (1979)

"Heróis Inesquecíveis"...
Flash Gordon em "O Planeta da Morte", in "Heróis Inesquecíveis" #12.
Capa de Carlos Alberto Santos
..."Chico Zumba", "Condor Popular", "Grilo", "Jaguar", "Pantera Negra", "Fantasma" (2.ª série), etc, etc. E, nos tempos do Moçambique português, no suplemento dominical "Notícias Infantil" e na efémera revista "Kurika" (1.ª fase).
Flash Gordon por Mac Raboy e Don Moore, in "Notícias Infantil" (1953 e 1954)

A nível de álbuns, constam: quatro pela Agência Portuguesa de Revistas, dois pela Futura e pela Presença, um pela TV Guia e outro pela Panini Comics.
Flash Gordon por Dan Barry, in "Antologia da BD Clássica" #4, Ed. Futura (1983).
Capa de Chico Lança
Flash Gordon II, por Al Williamson, in "Antologia da BD Clássica" #17, Ed. Futura (1986)
Capa de Augusto Trigo

"Flash Gordon" por Bruce Jones (texto) e Al Williamson (desenhos), Ed. TV Guia (1982)

"Flash Gordon", por Alex Raymond, in "Os Clássicos da Banda Desenhada" #20,
Ed. Panini Comics (2004)

Com periódicos e alguns álbuns, há uma exuberante força editorial entre nós, porém, muito dispersa (que pena!)...
O Cinema e a Televisão não esqueceram este popular herói.
Com realizadores diferentes, mas sempre com o actor Larry Buster Crabbe, foram feitos três longos seriados, em 1936, 1938 e 1939.
Curiosamente, em 1952, Crabbe interpretou Buck Rogers, o rival de Flash Gordon.
Em 1974 e 1989, foram realizadas paródias eróticas por Howard Ziehm, com o título “Flesh Gordon”.
Em 1980, então sim, uma bela longa-metragem por Mike Hodges, com um elenco de luxo: Sam Jones (Flash Gordon), Melody Anderson (Dale Arden), Topol (Hans Zarkov), Max Von Sydow (Ming), Timothy Dalton (príncipe Barin), Ornella Muti (princesa Aura), etc. A famosa banda sonora é do grupo Queen.

Nas adaptações para séries televisivas, destaca-se a realizada por Peter Hume nos anos 2007 e 2008, com o actor Eric Johnson.
Pelo Cinema de Animação, registam-se produções efectuadas em 1979, 1982, 1986/1987 e 1996.
Episódio da série animada de 1979

Obviamente, há muitas outras adaptações, talvez de menor importância. Aqui ficam apenas os registos mais fundamentais sobre esse inesquecível herói-BD que é Flash Gordon.
LB

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

ADEUS, ZÉ MANEL!

Zé Manel (1944-2019)
24 de Janeiro de 2019. Cerca da uma da tarde surgiu no meu telemóvel uma chamada da Isabel. Tive logo um mau pressentimento, que se confirmou quando do outro lado ela me disse: "O Zé Manel faleceu!".
Eu sabia que o Zé Manel estava bastante doente e que lutava há anos (cada vez com menos forças), tentando contrariar um epílogo inevitável. Mas, embora não fosse completamente inesperada, a notícia deixou-me abalado.
Fiquei triste, ainda que ao mesmo tempo aliviado, por saber que o Zé Manel deixara de sofrer e estava, finalmente, em paz.

Não recordo bem as circunstâncias em que nos conhecemos. Terá sido num encontro casual no Festival da Amadora ou da Sobreda, ou possivelmente na primeira vez em que ele participou num concurso de cartoon, em Moura, e aqui se deslocou para visitar o salão. 
O Zé Manel, sempre que concorreu em Moura ganhou, menos da primeira vez, em 2000, quando preferiu participar com um trabalho extra-concurso, algo que eu não entendi na altura. Mais tarde percebi que ele gostava tanto dos seus originais que não queria perde-los para a organização (como era norma do regulamento)!
A maior parte dos desenhadores que conheço são assim, possessivos e cuidadosos com os seus originais, mas o Zé Manel era, sem dúvida, aquele em que mais se acentuava essa característica.
Uma nota curiosa, para confirmar aquilo que digo, e que se repetiu durante anos, era quando o Zé Manel concorria ao Concurso de BD e Cartoon de Moura: pouco antes de terminar o prazo de entrega dos trabalhos, o Zé Manel telefonava-me e, sabendo das minhas múltiplas deslocações a Lisboa para recolher livros, exposições e cenários, pedia-me para eu recolher, também, o seu trabalho, pois não confiava nada na entrega via CTT. Dizia que, por mais protegido que fosse, o desenho poderia ficar amachucado ou até mesmo extraviar-se.
Eu, naturalmente, não me importava nada e fazia um desvio até à casa do Zé que, invariavelmente, descia as escadas do prédio e, entre dois abraços e meia dúzia de palavras, me entregava os seus formidáveis originais, pedindo-me sempre que "caso não fosse premiado" lhos devolvesse quando eu tornasse a Lisboa.
O Zé Manel, contudo, com uma única excepção (em 2000, o tal ano em que participou extra-concurso, cujo tema era "O Western"), foi sempre premiado: em 2002 (com "O Terror" como tema), em 2003 ("O Desporto"), em 2004 ("A Moura Salúquia"), em 2005 e em 2011 (ambos com tema livre). 
Participação de Zé Manel no 12.º Concurso de BD e Cartune de Moura, onde obteve uma Menção Honrosa. Posteriormente, esta banda desenhada seria incluída no (ainda disponível) álbum colectivo 
"Salúquia: a Lenda de Moura em Banda Desenhada", Ed. CM Moura (2009).
Participação de Zé Manel no 15.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2011
Desde o momento em que nos conhecemos, passámos a ter um contacto assíduo, quer nos diferentes salões que ambos visitávamos, quer através de telefonemas regulares, quer ainda através do envio de cartões de Natal, um costume cada vez menos na moda na sociedade actual, como se sabe, mas que o Zé Manel fazia questão de cumprir todos os anos enviando-me postais com belos desenhos originais personalizados.
A primeira vez que eu vira um desenho do Zé Manel, contudo, fora uns bons quarenta anos antes, quando o meu pai estudava à noite e tinha como manual de francês um livro intitulado "Je Commence", de que muitos se recordarão, com certeza.
Aquele traço elegante e sedutor cativou de imediato a minha atenção e deixou-me de queixo caído, imaginando-me um dia a desenhar assim, enquanto folheava o manual, mesmo sem perceber patavina de francês.
E depois, como se não bastassem os desenhos, aquela assinatura - "Zé Manel" - era demasiado simples (e, por isso mesmo, original) para não nos ficar na memória. Um reflexo, afinal, da personalidade do próprio autor, simples e humilde também.
 
O tempo foi passando. O Zé Manel continuou a visitar o salão de Moura com regularidade até que, em 2013, foi, finalmente, alvo de uma merecida homenagem, onde recebeu o Troféu Balanito Especial. Uma bela exposição (com direito a catálogo e DVD profusamente ilustrados), comissariada pelo investigador Osvaldo de Sousa, alcançou um enorme sucesso junto do público. O próprio Zé Manel estava radiante por ter, finalmente, uma exposição e um catálogo que mostravam um panorama geral - embora necessariamente resumido - sobre a sua imensa e magnífica obra.
Esta exposição esteve, posteriormente, patente no extinto Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, na Amadora.
Inauguração do salão Moura BD 2013, onde a exposição "Eros uma vez... o Humorista Zé Manel",
comissariada por Osvaldo de Sousa, obteve um tremendo sucesso junto do público.
Capa e contra-capa do catálogo "Eros uma vez... o Humorista Zé Manel", com
investigação e texto de Osvaldo Macedo de Sousa, Ed. CM Moura (2013)
Em 2013, no entanto, o Zé Manel já dava sinais de estar doente. Notei isso quando, no jantar de encerramento do Moura BD, lhe pedi, como habitualmente, para autografar o Livro de Honra do salão, onde ele sempre fazia questão de rabiscar uma das suas curvilíneas bonecas. Estranhamente, o Zé Manel começou a esquivar-se e a dizer que não estava inspirado. Perante o meu espanto e a minha insistência, lá anuiu e garatujou uma boneca que me deixou apreensivo pela dificuldade com que foi (não tão bem) desenhada. Percebi, nessa altura, que algo se passava mas não liguei muito, pensando ser uma situação momentânea.
Terminado o jantar, despedimo-nos e creio que foi essa a última vez que nos vimos.
Falámos mais uma ou duas vezes por telefone mas nunca mais nos cruzámos em festival algum.
Em Dezembro passado, liguei-lhe para saber como estava. Atendeu a Isabel, a esposa, que me relatou um cenário pouco animador. Fiquei de lhe ligar outra vez um dia destes. Já não fui a tempo...   

Os desenhos que o Zé Manel fez para o Livro de Honra do salão Moura BD continuam, até hoje, a manter viva a memória dos bons momentos que passámos juntos, em alegre camaradagem, na minha cidade. Por isso os partilho publicamente pela primeira vez (no meio de uma pequena selecção de fotos) como derradeira homenagem a um dos maiores humoristas gráficos que este país já conheceu.
Até sempre, Zé Manel.
Carlos Rico

Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2000
Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2001

Em 2002, durante a Cerimónia de Encerramento da Sobreda BD

Zé Manel, eu e o franco-cambojano Será, durante a Cerimónia de Encerramento da Sobreda BD, onde fomos homenageados, em 2002.

José Garcês, Zé Manel e Rá, durante o Moura BD 2004

Zé Manel, António Finha, Artur Correia, Flávio Almeida e Eugénio Silva,
premiados no 12.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2004
Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2004

Zé Manel e Susa Monteiro, premiados no
13.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2005

Autógrafo desenhado no Livro de Honra do Moura BD, em 2005,
ano em que o salão comemorava 15 anos.


Com um grupo de colegas e amigos, visitando a exposição de cartunes de Agim Sulaj, durante o Moura BD 2011. De pé: Baptista Mendes, Valadas, Zé Manel, José Ruy, Leonardo De Sá, Geraldes Lino e Álvaro Santos.
Agachados: Osvaldo de Sousa, Diferr e Carlos Rico
Em 2011, recebendo mais um prémio no Concurso BD e Cartune de Moura.


Com a esposa, Isabel, e o filho Duarte, durante o almoço de confraternização do salão Moura BD, em 2013
Zé Manel, Luiz Beira, Hugues Barthe, Vassalo de Miranda, a Vereadora Maria José Silva e o Presidente
Pós-de-Mina, no Cine-Teatro Caridade, durante a Cerimónia de Encerramento do Salão Moura BD 2013.
Zé Manel, o francês Hugues Barthe e Vassalo de Miranda, homenageados do último salão Moura BD, em 2013