quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS, na memória de José Ruy (10)

No artigo anterior contei dos recursos às técnicas dos processos gráficos para resolver problemas surgidos na alteração do sistema de impressão do jornal, agora suplemento de revista.

10) A REDAÇÃO DE O "CAVALEIRO ANDANTE"

O meu primeiro contacto com esta redação foi um pouco estranha. Estava a elaborar uma história que destinava para "O Mosquito", uma aventura passada em África, sobre um caçador em situações de perigo com tribos aguerridas, quando o Diário de Notícias lançou o "Cavaleiro Andante". 
Adolfo Simões Muller
Após alguns números publicados, o seu diretor, Adolfo Simões Müller, dirigiu no jornal um apelo aos jovens que tivessem alguma habilidade para o desenho que enviassem as suas histórias pois teriam a possibilidade de serem aceites como colaboradores.
O Teixeira Coelho com quem nessa altura partilhava um dos vários ateliês que tivemos em conjunto, alvitrou-me que fosse ao novo jornal mostrar o trabalho, que ele achava já com nível. Além disso ali poderiam pagar melhor a colaboração do que n’O Mosquito, e teria mais projeção. Como tinha meia dúzia de pranchas prontas, fiz um rolo e fui ao Diário de Notícias procurar a redação do "Cavaleiro Andante". Subi ao segundo andar conforme me indicaram e deparei com uma pequena sala onde uma senhora se encontrava a uma secretária. Soube depois que era a Dr.ª Maria Amélia Bárcia, secretária do Dr. Simões Müller.
A capa de Fernando Bento
no primeiro número do jornal
Disse ao que ia, esbocei desenrolar os originais, mas ela, sem se levantar disse para os deixar assim mesmo acondicionados sobre um maple, o segundo móvel existente no gabinete, pois o Dr. Müller quando chegasse mais tarde, logo os veria e me contactava.
Despedi-me e aguardei uma resposta. Passou uma semana sem qualquer sinal, se sim se não. Deixei passar mais outra semana e comentei com o Teixeira Coelho o estranho da situação. Pensei que tinham perdido o meu contacto e resolvi ir até lá.
Quando entrei no gabinete onde se encontrava à secretária a secretária do diretor, vi o rolo dos originais, no mesmo sítio, repousando no maple conforme o havia deixado.
Apercebi-me de que o apelo feito para angariar colaboração era uma coisa muito vaga, e passadas duas semanas nem sequer haviam desembrulhado o meu material para terem uma opinião. No contacto que deixara figurava o meu nome, que por certo conheceriam como colaborador d’O Papagaio e da "Flama" durante alguns anos. Um jornal precisa estar atento ao que se faz na concorrência, e antes de o "Cavaleiro Andante" já tinham editado o "Diabrete" e durante muito tempo. Não eram novos no ofício.
A Dr.ª Maria Amélia Bárcia disse então que o Dr. Müller ainda não tinha tido vagar…
Achei o facto inusitado, pelo menos deviam ter guardado os originais e espreitar o pacote para ver se valia a pena. Delicadamente, disse que precisava de fazer umas alterações, se podia levá-los de volta. Ela disse logo que sim, parecendo-me até aliviada. Seria menos uma tarefa que tinha para resolver.
O Coelho também achou o procedimento muito estranho e ficou resolvido publicar a história n’O Mosquito: chamei-lhe «O Reino Proibido».
Prancha de "O Reino Proibido"
Cerca de um ano volvido fui convidado a fazer parte da equipa de uma revista semanal de atualidades e notícias, ainda em preparação, «A Esfera» edição do Diário de Notícias. Pretendia ser um contraponto ao «Século Ilustrado». A minha função seria desenhar cabeçalhos, ilustrações e arranjos gráficos. O Teixeira Coelho foi convidado como grande desenhador de fundo. O seu diretor era o Dr. Leitão de Barros. Foi assim que ingressei na empresa e entretanto me especializei em Rotogravura.
Exercia já funções nesse departamento gráfico enquanto a revista não saía, quando numa manhã entrou na secção o Dr. José Gonçalves, dono principal do jornal e grande entusiasta das Histórias em Quadrinhos, impulsionador das publicações infanto-juvenis da empresa, principalmente de o "Cavaleiro Andante". Nessa altura encontrava-me a fazer histórias ilustradas nas edições «Fomento de Publicações L.da» e o José Gonçalves quando me viu perguntou-me à queima-roupa por que razão estava a fazer desenhos para a concorrência e não para o "Cavaleiro Andante", sendo funcionário da casa.
Numa fração de segundo raciocinei que não podia dizer que a minha colaboração não tinha tido interesse da parte da direção do jornal, e ocorreu-me uma maneira airosa de sair da situação: o "Fomento de Publicações" pagava por prancha 250 Escudos enquanto o "Cavaleiro Andante" pagava 200 Escudos. Apresentei essa questão como motivo. O José Gonçalves retorquiu se era só por isso e me pagassem o mesmo, estaria disponível para colaborar no jornal. Retorqui que sim, e então respondeu-me que mais tarde passasse pela redação d’O Cavaleiro Andante.
Esperei a minha saída do serviço para então me dirigir à redação que era no mesmo edifício, na Avenida da Liberdade em Lisboa, quando pouco depois recebi uma chamada do Müller, se podia ir ao seu gabinete. Lá fui, com a bata branca que todos usávamos no departamento gráfico e recebeu-me com sorriso rasgado e mão estendida. O José Gonçalves havia-lhe falado de mim por isso queria convidar-me a fazer uma história para um número especial do "Cavaleiro Andante" a sair em breve.
A redação tinha mudado de gabinete para uma sala maior, onde além da Maria Amélia Bárcia trabalhavam o Fernando Passos que escrevia contos e fazia traduções, e o Artur Correia que desenhava para o suplemento «Pajem». Era primo do chefe da sala de desenho do Diário de Notícias e fora este que o colocara na empresa. Em boa altura.
Logo nessa noite comecei a pensar num argumento e resolvi fazer a história de «Gutenberg» que foi aceite com agrado. Mas à cautela não entreguei os originais enrolados…
A história foi impressa alternando as páginas com duas cores e só uma. Ao lado, esse número especial com a capa desenhada por Fernando Bento.
Já agora explicarei como a história foi reproduzida. Este número especial de outono d’O Cavaleiro Andante tinha uma parte impressa em Rotogravura e outra em Offset. A minha história «Gutenberg» calhou ser destinada ao caderno impresso em Rotogravura, secção onde eu trabalhava e fazia já algumas experiências nessa técnica. Este processo consegue a singularidade de com uma única impressão produzir o efeito de duas cores. E com duas cores, o resultado de três.
O verde na sua máxima intensidade (o desenho a traço) funciona como um preto, mas nas meias-tintas que lhe sobrepusermos abre a cor, como se pode ver na imagem do meio.
Na da esquerda, o verde/preto junto com o vermelho e quando as duas meias-tintas se sobrepõem consegue-se um acastanhado; assim com duas cores temos um resultado igual ao do Offset com três cores, o «preto», o vermelho e o verde com castanho obtido pelas sobreposições.
Como consegui esses meios-tons? «Aguarelando» com uma tinta especial, «Neococcina» sobre a película do fotólito onde estava reproduzido o desenho só a traço. Noutra película branca fiz os meios-tons equivalentes ao vermelho, manualmente sem intervenção fotográfica, e a cor forte, com «fotopak», um produto muito opaco próprio para pintar sobre a película. Depois foi tudo gravado no cilindro de cobre.

A partir desta história fiquei também colaborador residente do próprio jornal semanário.
A base da colaboração era de origem franco belga e da parte portuguesa havia o Fernando Bento, o José Garcês, o José Manuel Soares, o Artur Correia e eu. Mas foram aparecendo outros desenhadores. Esta redação afigurava-se-me fria, tudo era tratado à distância, não havia reunião com os autores para debate dos temas a fazer nem uma estratégia de planificação, no entanto a força do material importado mantinha o jornal em equilíbrio estável. A alma daquilo tudo era o José Gonçalves, dele vinham as ideias que o Simões Müller punha em prática. Este era um poeta, sonhador, delicado mas frio no sentido do entusiasmo e entrega ao jornal, se compararmos com a redação de "O Mosquito".
A ideia de criar aquele jornal foi do José Gonçalves, para escoar excedente de papel…
(Continua)

No próximo artigo: PORQUÊ E COMO FOI CRIADO O "CAVALEIRO ANDANTE" 

sábado, 8 de agosto de 2015

BD E HISTÓRIA DE PORTUGAL (9) - PEDRO ÁLVARES CABRAL

Aqui nos toca hoje, com todo o respeito e admiração, lembrar esse grande e ilustre varão da História de Portugal, que foi PEDRO ÁLVARES CABRAL, nascido em Belmonte (em 1467 ou 1468) e falecido em Santarém em 1520, onde está sepultado.
Quase desprezado em Portugal, é admirado em absoluto no Brasil... Apesar de tudo, para além de ter figurado em selos e em notas monetárias tanto em Portugal como no Brasil, tem estátuas em Lisboa (que foi oferecida pelo Brasil), Belmonte e Santarém e, no Brasil, em Porto Seguro e em S. Paulo (Vila Mariana).
Pergunta-se agora: porque se fala tanto de Vasco da Gama, ofuscando a “missão” especial de Cabral?!... Teoricamente, Pedro Álvares Cabral terá “descoberto” o hoje Brasil, a 22 de Abril de 1500... Descobriu ou, intencionalmente, achou e confirmou tais terras para a Coroa Portuguesa?... A esta gloriosa navegação de Cabral, deveríamos chamar de “A Enigmática e Secreta Vagem de Pedro Álvares Cabral”... antes de prosseguir para a Índia. O resto compete à pertinente investigação de cada um.
Todavia, atente-se nisto: o “Brasil”, ou seja, as terras da América do Sul, segundo bem antigas “indicações”, já teria sido descoberto e visitado por arrojados navegadores fenício-cartagineses, bem antes da era cristã. Mais inquietante ainda, com pertinência ou especulação, no exemplar nº 19 da revista “Planeta” (Março-1974, S.Paulo, Brasil), consta um estranho e vasto artigo, “Quem Construiu as Sete Cidades?”, assinado por Antonio Zago, que, só para espevitar, diz assim no seu “resumo” inicial:
“Quando os fenícios chegaram ao Brasil há 3 mil anos, Sete Cidades já era apenas ruínas. Quem a teria construído?"...
Como é?!... E este assunto parece não ter nada a ver com as misteriosas e gigantescas pinturas extraterrestres que se observam do ar em Nazca (Peru e países vizinhos)...
De qualquer modo, bons séculos volvidos, pela Europa (corrigimos, por Portugal), já se “sabia” dessas terras ocidentais no Atlântico sul. Foi pois altamente conveniente a firme “política de sigilo” imposta por D. João II. Antes de 1500, quantas vezes se terão, secretamente ou por mera ousadia navegadora, aventurado por essas paragens os nossos corajosos homens das “caravelas”?!...  Como se isto não fosse apenas mera fantasia de ocasião, houve a firme imposição de D. João II, o “Príncipe Perfeito”, exigindo no Tratado de Tordesilhas, que o meridiano da “divisão” de terras a descobrir por esses mares, tais terras seriam até 370 léguas (e não 100, como queria Castela) a oeste do arquipélago de Cabo Verde...
D. João II (tomara nós termos hoje governantes deste calibre!) sabia muitíssimo bem o que salvaguardar e registar para o seu Reino. Porém, as glórias de Gama e de Cabral vieram a caber ao seu sucessor, D. Manuel I. Convém ler as obras referentes de doutos historiadores nossos, como Damião Peres, Jaime Cortesão, etc. A famosa “Carta” de Pêro Vaz de Caminha, é outra boa achega...
Cabral esteva pois designado para uma “missão secreta” antes de prosseguir até à Índia. Para sempre lhe caberá o ser o comandante do Achamento do Brasil.
Cabral era tido em grande conta na Corte, mas veio a desentender-se com D.Manuel I e afastou-se da Corte e de “serviços oficiais”, morrendo quase ignorado na capital da região do Ribatejo.
Só não se entende - que estranho! - a razão da ausência do nome de Cabral em “Os Lusíadas”!... Que bizarro “esquecimento” de Camões!...

A Banda Desenhada tem feito belas honras a Cabral.
Em Portugal, por Baptista Mendes...
"Pedro Álvares Cabral", por Baptista Mendes, in "Por Mares Nunca Dantes Navegados", Edições Futura (1983)

José Ruy...
"Nicolau Coelho", por José Ruy, "Editorial de Notícias" (1997)


José Garcês e A. do Carmo Reis (“História de Portugal em BD”)...
"A Grande Aventura" (volume 2 de "História de Portugal em BD"),
por José Garcês e A. do Carmo Reis, "Edições Asa" (1986)

Vítor Péon...
"Pedro Álvares Cabral, o Descobridor do Brasil", por Vítor Péon, in revista "Tintin" #12 (1968)

Manuel Pinheiro Chagas (texto) e Artur Correia (desenhos e adaptação) em “História Alegre de Portugal”...
"História Alegre de Portugal" (volume 1), por Artur Correia (adaptação e desenhos)
segundo o texto de Manuel Pinheiro Chagas, "Bertrand Editores
" (2002/2003)

...António Gomes de Almeida (texto), ainda com ilustrações de Artur Correia, em “Os Descobrimentos a Passo de Cágado”...
"Os Descobrimentos a Passo de Cágado", por Artur Correia e António Gomes de Almeida, "Bertrand Editora" (2011)

...e o próprio Artur Correia, a solo, em “A Rota”...
"A Rota", por Artur Correia (inédito, 2000)

António Martins (“A Aventura de Cabral ou a Invenção do Brasil”)...
“A Aventura de Cabral ou a Invenção do Brasil”, por António Martins,
edição da Câmara Municipal de Santarém (2001)

...e José Pires (a solo) em “Pedro Álvares Cabral e o Brasil”...
"Pedro Álvares Cabral e o Brasil - Da Serra da Estrela à Costa do Descobrimento",
por José Pires, "Âncora Editores" (2006)

... ou em parceria com o argumentista Nuno Calado em "Ventos de Glória, Marés de Infortúnio"...
"A Viagem de Pedro Álvares Cabral - Ventos de Glória, Marés de Infortúnio",
por José Pires (desenhos) e Nuno Calado (texto), "Terramar" (1998)

...registando-se ainda as ilustrações de Oriana Gomes em “Chamo-me... Pedro Álvares Cabral”, com texto de Manuel Margarido...
"Chamo-me Pedro Álvares Cabral", por Manuel Margarido (texto) e Oriana Gomes (desenhos),
"Didáctica Editora" (2011)
... e "A Minha Primeira História de Portugal", com ilustrações de Fernando Bento para um texto de António Manuel Couto Viana.
"A Minha Primeira História de Portugal", por Fernando Bento e António Couto Viana, "Editorial Verbo" (1984)

Do BRASIL, consta-nos, até agora, “O Descobrimento do Brasil” (ed. da EBAL), pelo ítalo-brasileiro Nico Rosso, com capa de Antônio Euzébio.
“O Descobrimento do Brasil” por Nico Rosso, com capa de Antônio Euzébio (ed. EBAL)


..."O Paraíso das Índias" (da série "Capitão Brasil"), por Juliano, publicado apenas no site deste personagem...
"O Paraíso das Índias", por Juliano, in http://capitaobrasil.com.br/hq-descobrimento-do-brasil/ (2013)

Claro que as produções Walt Disney não poderiam deixar de assinalar este tema, especialmente com um personagem como Zé Carioca nas suas fileiras... 
"Zé Carioca Descobriu o Brasil", por vários autores, in "Almanaque do Zé Carioca" (2.ª série), Editora Abril (2013)

Também a famosa série brasileira "Sítio do Picapau Amarelo" teve - sem surpresa - uma aventura com esta temática... 
"Você Sabia? #5 - Quem Descobriu o Brasil?", por vários autores, Editora Globo (2007)

Se mais houver, aqui tal acrescentaremos.
Desde já, o nosso sincero agradecimento aos apoios prestados por Geraldes Lino, Baptista Mendes, José Manuel Vilela, Artur Correia, José Ruy, José Garcês, José Pires, Juliano e Câmara Municipal de Santarém.
LB

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A BD A PRETO E BRANCO (24) - As escolhas de Luiz Beira (14)

PEDRO MASSANO (1948).
Nascido em Lisboa, é um dos admiráveis veteranos da BD Portuguesa. Tem obra sua dispersa em jornais e revistas. Amante da Música (especialmente a clássica) e ilustrador de força, da sua bibliografia, salienta-se "Mataram-no Duas Vezes", "Missão H...Orrível", as séries "Os Passarinhos", "O Abutre" e "Dick Tetiv", a incompleta narrativa "Contacto em Lisboa", "A Conquista de Lisboa", "Angola 1971", etc, para além do seu volume, de bom ensino, "A BD Continua (Porquê?) - Como Fazer Banda Desenhada" e, recentemente, o belo álbum "A Batalha".

Tiras de "Contacto em Lisboa" (in "Eco Regional")
Prancha de "Angola 1971"




VALENTIN TÁNASE (1945).
É um dos mais notáveis e internacionais desenhistas da Roménia. Belíssimo no traço e nas suas "ousadias" (por alguns temas), infelizmente quase nada conhecido em Portugal, que se deslumbra mais em louvaminhar alguns "valores na moda"...
Valentin é um grande mestre no preto-e-branco. Como exemplos: "Inspectorul Florentin", "Morgan", "Temerarii Spatiului", etc, em diversos temas, incluindo o político, o western e o erótico.

Prancha de "A L'acostage"
Prancha de "Inspectorul Florentin"





WILLIAM VANCE (1935).
Cidadão belga, William Vance é um dos "deuses" da BD, não só europeia como mundial. Qualquer obra com a sua arte, cilindra-nos. E ela é bem imensa e gloriosa. Exemplos do seu traço mágico: "Ringo", "Bob Morane", "Howard Flynn", "C'Étaient des Hommes","Ramiro", "Bruno Brazil", "Bruce J. Hawker", "Les Rois Vagabonds" e por aí adiante...


Prancha de Bruno Brazil em "Os Olhos Sem Rosto"
Prancha de "Les Entrailles du H.M.S. Thunder", in revista "Hop!" #56