TEM A PALAVRA O EDITOR-BD: MARIA JOSÉ PEREIRA
Não é a primeira vez que um dos coordenadores do BDBD (Luiz Beira) aborda esta vertente: entrevistar responsáveis das editoras de Banda Desenhada. Tal aconteceu, em tempos, no semanário de Beja "Alentejo Popular", na respectiva página "Através da Banda Desenhada", onde foram entrevistados José Manuel Vilela (Bonecos Rebeldes), Dr. Baptista Lopes (Âncora Editora) e Dr. José Luís Fonseca (Difusão Verbo). Hoje e aqui, é a vez da Drª. Maria José Pereira, das edições Asa (grupo Leya).
Enquanto o jornalista está na situação ingrata de se colocar "a meio da ponte", é necessária, de qualquer modo, a ligação entre as duas "margens", com o público numa e as editoras na outra. O leitor bedéfilo também deve ser esclarecido de aspectos que ignora... Aí vamos:
BDBD - Sabemos que não é a "dona" da Asa, mas é quem dá a cara e a voz, no que toca à Banda Desenhada... Assim pois, quem é mesmo que escolhe as obras BD que a Asa edita?
Maria José Pereira (MJP) - No seio do grupo Leya, as obras são apresentadas pelos respectivos editores a um Comité Editorial composto por vários elementos, nos quais se incluem o Director Comercial, o Director de Marketing, o Director Editorial (entre outros), que as analisa e aprova (ou não). É esse o método que é seguido, também no que respeita à BD.
BDBD - Daí, há glórias e há fiascos... Como se justifica a Asa por estes altos e baixos? Há algum critério para as escolhas?
MJP - Eu defendo que o emprego de adjectvos como "glórias" e "fiascos" deve ser contextualizado; estamos a referir-nos a quê? A uma análise da obra em si? A uma análise de exposição e de vendas? Se nos estamos a referir a obras em si, devemos ter em atenção "os olhos que analisam" ou seja, se os critérios seguidos são mais ou menos subjectivos. Feita esta separação, convenhamos que numa actividade comercial, que é uma actividade de risco, é normal que, em termos de vendas, hajam "glórias" e "fiascos". Na verdade, ninguém detém o segredo da poção mágica, e o que é uma excelente obra para uns pode não o ser para a maioria do público leitor.
BDBD - A nível da BD estrangeira, há apostas de alta qualidade que ainda não entraram nas escolhas da Asa. Alguma razão para este passar ao lado?
MJP - Penso que estamos novamente a falar de conceitos, no abstracto (risos). Mas sim, não podemos editar tudo...e editamos muito com uma qualidade da qual me orgulho.
BDBD - O álbum "Portugal" pelo Cyril Pedrosa, tal como as séries "Murena", "Blueberry" e as do Enrico Marini, são boas glórias, como exemplos soltos. Mas há muita insistência ou repetição, com Astérix, Lucky Luke, etc, com reedições ou publicações não propriamente como BD. Porquê?
MJP - Um editor não é um crítico, e a tarefa mais difícil é, quiçá, a de pôr de lado os seus gostos pessoais para se colocar no papel do público leitor. Eu não duvido que, se a Asa deixasse de editar Lucky Luke ou Astérix, muitos editores portugueses estariam em corrida para publicar estas colecções. Quanto às outras, talvez sim, talvez não. A pergunta é simples: para quem publicamos? O que quer o público leitor de BD?
BDBD - Como vê o aspecto de ser a Asa a quase única editora-BD em Portugal, a publicar com uma certa constância? Uma provável concorrência não seria salutar?
MJP - Trabalho na BD há cerca de 25 anos e sempre houve mais do que uma editora a publicar BD em Portugal. Quando eu estava na Meribérica, tínhamos a Asa, a D. Quixote com a "Mafalda", a Futura, a Verbo... e há a Devir, a BDMania, a Vitamina BD, a Tinta da China, a Bertrand, a Plátano... Aliás, assistimos este ano à entrada no mercado de novas editoras: Contraponto (do grupo Bertrand/Porto Editora), Levoir...
(e após uma brevíssima pausa)
Mas há ainda uma outra questão subjacente à edição e que se prende com a comercialização. Eu penso que a questão crucial é a comercialização e nesse aspecto, o que espero sinceramente, é que, unida, a "concorrência" consiga uma maior visibilidade à BD. Se isso não acontecer, temo sinceramente que a médio prazo, as editoras acabem por desistir de publicar BD e só existam no mercado livros importados. Pessoalmente, tenho a consciência de que me tenho preocupado não só em publicar, mas também em dar essa tal visibilidade que penso que é necessária.
BDBD - Louvamos que a Asa já esteja a apostar também na BD portuguesa. É ideia para continuar? Não esquecer os nossos valores veteranos...
MJP - Vai depender de muitos factores, incluindo a disponibilidade, para tal, dos autores portugueses. Reconheço que as tiragens são pequenas e que as vendas expectáveis não pagam o tempo (às vezes anos...) que os autores despendem na criação da obra. Penso que, também na BD, é urgente alargar mercados além-mar. E isso é um trabalho "monumental", pois a maior parte dos mercados é - e foi sempre - economicamente fechado à produção do exterior.
BDBD - Congéneres francófonas, em paralelo às suas normais edições, têm jogado bem com reedições de belos clássicos. A Asa fará esse mesmo e tão aplaudível gesto? Referimo-nos, por exemplo, aos esgotados, "Camões" por Carlos Alberto, "A Casa da Azenha" por Vítor Péon ou a "Inês de Castro" por Eugénio Silva... E há a lembrar ainda, belas obras que jamais apareceram em álbum, do Fernando Bento, do E.T. Coelho, do Fernandes Silva, etc. Certamente não seriam edições fiasco...
MJP - Eu creio que a reedição dos clássicos no estrangeiro é muitas vezes outra forma de rentabilizar as obras que já estavam pagas (fazem-se álbuns duplos, triplos, por ciclos...), dando nova "roupagem" a obras já publicadas. Das obras de autores portugueses que refere, não há nenhuma que se possa comparar ao que se verifica lá fora, pois não temos em "stock" o material, a legendagem, o contrato... Teríamos de encarar com os custos adjacentes a uma obra nova e não com a rentabilização de algo que já temos. Mas também concordo que há obras de autores portugueses que são incontornáveis.