Bocage (1765-1805) |
"Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto ao meio, e não pequeno" (...)
...terminando assim:
(...) "Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mijando ao vento".
Com admiráveis rimas líricas, não se esquivou à sátira implacável, sobretudo na linha anti-clerical, como em:
"Bojudo fradalhão de larga venta
Abismo imundo de tabaco esturro
Doutor na asneira, na ciência burro" (...)
...nem a veementes denúncias a dogmas político-religiosos, como desmascara na sua famosa "Epístola a Marília", com versos ferozes, como:
"Pavorosa ilusão da Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos" (...)
...ou, no final,
(...) "Céus não existem, não existe inferno;
O prémio da virtude é a virtude,
O castigo do vício, o próprio vício".
Admirador absoluto do Príncipe dos Poetas, quase tão sofredor na vida pelos mesmos desencantos e infortúnios, a ele dedica um soneto que começa por,
"Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo" (...)
...terminando assim:
(...) "Modelo meu tu és, mas... Oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza".
Outro soneto bem conhecido é o que começa com:
"Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento..." (...)
...mas alguns estudiosos afirmam que este soneto não é de Bocage, mas sim umas rimas forjadas pelo seu seu arqui-adversário, o ex-frade e beberrão (e invejoso) José Agostinho de Macedo, mais conhecido como o "Padre Lagosta"... Ambos se esgrimiam frequentemente com poemas bem impiedosos.
Tudo isto acima registado, era para aqui necessário, por óbvias razões.
Pois bem: Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage, nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765 e faleceu em Lisboa a 21 de Dezembro de 1805. Seu túmulo?... Há quem diga que seu corpo se perdeu numa vala comum lisboeta, enquanto haja quem garanta que seu corpo foi achado e transladado para Setúbal...
Estátua de Bocage, erigida em Setúbal em 1871 |
Ligado familiarmente a celebridades, tanto em Portugal como em França, vibrou sempre pela sua vontade independentista, quiçá indomavelmente rebelde e ousada, usando como arma seus versos, doces quando perdidamente apaixonado, temerários quando atacava todo o tipo de hipocrisias.
O desenrolar da sua vida é, na verdade, muito semelhante ao do seu ídolo Camões: desamores, perseguições, invejas, passagens por cadeias, temporadas e "amores" pela Índia e por Macau, misérias, fome e outros sofrimentos. Na sua ida para a Ásia, por caprichos da viagem, permaneceu por algumas semanas no Brasil que, parece, foram os melhores tempos da sua vida. Em Lisboa, tanto antes como depois, sempre foi um magnífico boémio, gostando da "pinga" e das belas mulheres, mesmo as inacessíveis.
Em que pode interessar agora Bocage na Banda Desenhada?... É difícil transpor poemas à 9.ª Arte, mas tal acontece, se bem que raramente. Vamos então, bem sentidamente, registar o que até agora conseguimos, pela vida e obra de Bocage, através de várias manifestações das Artes. Começamos (lógico) pela BD:
MANUEL FERREIRA E MARIA DAS MERCÊS DE MENDONÇA SOARES - têm uma biografia em quatro pranchas que foi publicada no n.º 6 da revista "Camarada", 2.ª série, 8.º volume, em Março de 1965.
"Manuel Maria Hedois Barbosa du Bocage", com desenho de Manuel Ferreira e texto de Maria das Mercês de Mendonça Soares, (in "Camarada" # 6, 2.ª série, 8.º volume (1965) |
BAPTISTA MENDES - uma biografia em duas pranchas, no "Jornal do Exército" em Junho de 1975.
JOSÉ PAULO MARQUES - numa prancha, a adaptação do soneto "Auto-retrato" no "Almada-BD Fanzine" n.º 4.
JORGE MIGUEL - em 2009, na colecção "Chamo-me..." pela Didáctica Editora, um volume dedicado a Bocage com capa e ilustrações suas e texto de J.M. CASTRO PINTO.
Capa e página de "Chamo-me... Bocage",
com texto de J.M. Castro Pinto e ilustrações de Jorge Miguel
Mas, há ainda aspectos alusivos na Pintura, na Escultura (em especial em Setúbal e no histórico Café Nicola de Lisboa) e na Literatura mais diversa, donde salientamos, a biografia por Mário Domingues ou as peças teatrais de Romeu Correia e de Luzia Maria Martins. Desta autora-encenadora de alta força cénica, um especial registo: a sua magnífica peça "Bocage, Alma Sem Mundo", que teve como protagonista o actor e poeta Vasco de Lima Couto, que, apesar do feroz corte do censório "lápis azul" do regime salazarista (os zoilos e os bonzos, tantos anos volvidos ainda continuavam activos e prepotentes), foi um êxito histórico na cena lisboeta e, mesmo assim, a Luzia Maria só podia ter a peça em cena no "seu" teatro em Lisboa. Nem sequer a podia levar a Setúbal (!!!), terra natal de Bocage. E foram nove meses (para a época, um triunfo incómodo para a Governo...) de enchentes.
Cena de "Bocage, Alma sem Mundo" com José de Carvalho, Vasco de Lima Couto, Luiz Beira, Vítor Ribeiro e Joaquim Rosa |
Pelo Cinema e Televisão, também existiram algumas sugestivas apostas.
Em 1936, Leitão de Barros realizou "Bocage" com Raul de Carvalho (e a voz doce de Tomaz Alcaide nas respectivas canções), mas este filme "perdeu-se"...
Em 1936, Leitão de Barros realizou "Bocage" com Raul de Carvalho (e a voz doce de Tomaz Alcaide nas respectivas canções), mas este filme "perdeu-se"...
Em 1955, no Brasil, o actor Jaime Barcellos participou num seriado sobre este tema...
Também no Brasil, em 1997, Djalma Limogi Batista realizou "Bocage, o Triunfo do Amor" com Victor Wagner no protagonista.
Em 2006, com Miguel Guilherme no papel principal e realização opaca de Fernando Vandrelle, a RTP fez uma série para esquecer, que é ofensa e desrespeito a Manuel Maria du Bocage!
Pior e mais nojento que isto, só as anedotas idiotas, alarves e imbecis, que se contam por qualquer bruta taberna de quem usa e abusa de...
Não, mais não digo agora! Que Bocage perdoe a cambada de "zoilos" e "bonzos" que continua a envenenar Portugal!...
LB
Registamos ainda e aqui os amáveis apoios que nos foram prestados por Baptista Mendes, Geraldes Lino, José Ruy, Jorge Miguel e Carlos Gonçalves. Obrigado a todos.
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