2 - A PLANTA DA REDAÇÃO DE "O MOSQUITO"
Conforme descrevi no artigo anterior, a redação de "O Mosquito" a partir de 1939 passou em definitivo para a Travessa de São Pedro, no Bairro Alto em Lisboa. Era em simultâneo redação, administração e oficinas.
A instalação abrangia várias divisões de uma antiga casa
de habitação que foi perfeitamente adaptada à função.
Numa sala com duas janelas, de esquina para a Rua dos
Mouros e para a Travessa de São Pedro, estava instalado o prelo para o «transporte litográfico» dos desenhos para as chapas
de zinco Offset que imprimiam diretamente na máquina Rolland. Numa dessas
janelas estava a bancada onde eu desenhava nas chapas de zinco Offset a seleção
das cores do jornal. Na outra havia uma mesa destinada à montagem dos
«deitados» ou «planos», ou seja a planificação das páginas de cada número do
jornal. O técnico transportador era o experiente José Baptista Moreira que viera da litografia Castro, como muitos dos outros elementos.
Para uma melhor compreensão junto um esquema da planta.
Nesta
perspetiva que desenhei para o livro «História da BD Publicada em Portugal»
pelas
Edições «Época de Ouro», em 1995, mostro como era a Redação/Oficina de "O Mosquito". |
1–
Patamar da escada. 2– Entrada para a
cave onde estava instalado o «granidor» de recuperação das chapas de zinco
usadas. 3– Porta da Redação. 4– Corredor principal. 5– Guiché de receção ao público. 6– Casa da máquina de impressão Offset
«Rolland». 7– Gabinete do Tiotónio
onde estava instalado o telefone. 8–
Ligação entre a casa da máquina e a secção de transporte. 9– Secção de montagem, transporte e desenho litográfico; a) Mesa de
desenho das cores; b) Mesa da montagem litográfica; c) Prelo litográfico. 10– Secção de tipografia; a)– Bancada
tipográfica; b) Impressoras tipográficas automáticas «Minerva»; c) Secretária
do contabilista, sogro do Tiotónio. 11–
Casa da dobra do jornal e também da expedição de encomendas; a) Máquina de
Offset «Rolland» de pequeno formato; b) Bancada da dobra. 12– Gabinete de reuniões; a) Na parede, dois grandes retratos de
António Cardoso Lopes e Raul Correia. 13–
Casa do corte de papel; a) Guilhotina. 14–
Corredor de ligação. 15 e 16–
Gabinetes com arquivos de originais e números antigos de «O Mosquito». Roussado
Pinto ocupou o gabinete 15 aquando da sua estada na redação. 17– WC e duche. 18– Saguão a céu aberto.
Como funcionava a redação de "O Mosquito"
Um jornal deste tipo pode ter histórias muito bem
escritas e desenhadas, mas se não tiver uma orientação bem estruturada pode resultar num falhanço. Chamo a atenção do que aconteceu aos jornais que o
Tiotónio dirigiu (embora artisticamente, pois era de uso na época haver também
um diretor literário) depois da sua saída. Ele tinha a perceção exata do que o
público precisava, sem cair na tentação de lhe dar o que lhe seria mais fácil
de assimilar. Por isso "O Mosquito", sendo simplesmente um jornal de
entretém, foi considerado pelos seus leitores, ao longo dos tempos, como de
cariz didático.
O Cardoso Lopes, Tiotónio, era quem escolhia a
colaboração do estrangeiro - Inglaterra e Espanha - e os temas da que era
realizada em Portugal. Era ele quem detinha o exclusivo do material inglês, e
quando mudou do "Tic-Tac" para criar "O Mosquito", levou as séries consigo.
Não havia repetição de temas na gama das Histórias em
Quadrinhos nem das novelas de texto. Os autores destas últimas, Raul Correia, Fidalgo dos
Santos, José Padiña, Lúcio Cardador, Orlando Bertoldo Marques ou Roberto
Ferreira recebiam indicações para o ambiente da novela que deviam escrever a
seguir. Não admitia repetição de temas simultaneamente, e por exemplo, se havia
em curso uma história de barcos passada na atualidade, só era aceite outra se
fosse vivida na antiguidade.
Por curiosidade, mostro em baixo uma página d’ "O Mosquito" N.º 229, de 30 de Maio de 1940, onde o Raul Correia responde a uma carta do
Orlando Marques, que começou a colaborar por essa altura com as suas novelas.
A página d’ "O
Mosquito" com a resposta à carta de Orlando Marques
e ao lado o pormenor para se
poder ler o conteúdo.
Este critério do Tiotónio era aplicado também nas Histórias
em Quadrinhos, com aventuras espaciais, policiais ou decorrentes em zonas
exóticas do mundo, já descoberto ou não. Também o género de desenho «sério» era
equilibrado com o «cómico» ou humorístico como se passou a chamar. Esse
material era de origem inglesa e espanhola. Só muito mais tarde viria a
publicar originais dos Estados Unidos da América. Os títulos sempre bem
inspirados eram conseguidos pelo Raul Correia num repente, sem ter que pensar
muito.
A colaboração disponível que vinha do exterior impunha os
temas base, por isso o que era construído entre nós tinha de preencher o que
faltava no critério de escolha da programação do jornal.
Ao diretor literário Raul Correia competia traduzir os
textos e criar uma literatura própria que transformou por completo a qualidade dos argumentos, melhorando-os muito. Escrevia as novelas que contrabalançavam
os «Quadrinhos». Era um verdadeiro Poeta e durante muitos anos manteve sem
falhar a rubrica «O Avozinho», escrita numa bela prosa rimada.
Se um autor trazia à redação uma história já pronta,
focando um tema que se equiparava a um que estava a ser publicado, o Tiotónio guardava-a
para a inserir no jornal numa melhor oportunidade. As suas personagens «Zé
Pacóvio & Grilinho» tiveram uma grande popularidade, mas n’ "O Mosquito",
devido às muitas solicitações ligadas à gerência da oficina e das variadas
publicações que aí se publicaram, tiveram pouca presença, embora se publicasse um
álbum: «Novas aventuras de Zé Pacóvio e Grilinho».
As
personagens do Tiotónio n’ "O Mosquito" e no álbum com uma história completa.
|
(continua)
No próximo artigo: AS DECISÕES NA ORIENTAÇÃO DO JORNAL
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