segunda-feira, 30 de setembro de 2019

AS HISTÓRIAS QUE RESIDEM NA GAVETA (14) por José Ruy

Passemos agora a outra Banda Desenhada que se tem mantido na minha gaveta à espera de ser publicada.
Tal como as anteriores, possuí uma história na sua origem que passo a contar.
No âmbito das minhas habituais idas às escolas e bibliotecas para mostrar como faço este trabalho, a pedido de professores e bibliotecários, fui convidado para fazer uma sessão na Escola Superior de Educação de Santarém. Acompanhou-me a «Tia Nita», que fora diretora do suplemento de «O Mosquito», «A Formiga».

A Tia Nita, Mariana Cardoso Lopes Viegas, mãe do ator Mário Viegas, fora professora nessa escola.
Um dos professores que assistiram à sessão fez-me um desafio, de criar uma BD sobre os Avieiros, essa gente sofrida oriunda de Vieira de Leiria, que sazonalmente durante o inverno quando o mar não permitia a pesca na sua zona, vinha até ao Rio Tejo, de águas mais mansas, apanhar o Sável, que conseguiam vender bem.
Aceitei a proposta, falei com o meu editor, já a «Âncora», e comecei a documentar-me e a preparar o argumento. Tinha de me afastar das obras «Avieiros» de Alves Redol e «Esteiros» de Soeiro Pereira Gomes, o que foi difícil.
Mas consegui uma história com enredo aliciante que explicava ao mesmo tempo a vida desses pescadores sazonais, envolvido num romance.
Além de documentação que tinha, adquiri livros sobre a construção das casas desses pescadores, que nas margens do Tejo viviam nos próprios barcos, chegando mais tarde a pouco e pouco a fixarem-se nessa região mais amena, construindo casas «pala fíticas». Fui ao terreno observar e desenhar diretamente do natural.

Gosto de fazer primeiro um esboço de toda a história, como tenho descrito, mas em dada altura organizaram em Santarém uma espécie de congresso sobre a recuperação dos Avieiros e quiseram apresentar o projeto da BD. Precisavam para isso de mostrar qualquer coisa. Então avancei com as primeiras imagens para serem apresentadas nessa ocasião. 
O prazo de entrega estipulei em seis meses, que é o tempo que levo a executar uma história em Banda Desenhada. Entretanto iria primeiro entregar a história toda esboçada, com o texto dos balões, para ter a aprovação da organização, ou discutirmos pormenores, como faço em todos os meus trabalhos.
Ao mesmo tempo iriam verificar os elementos inseridos, e confirmar se estavam todos certos. Só depois disso entrava na fase da arte final, e aí já não podiam fazer qualquer alteração.
É o meu processo de trabalho.
 
Durante uns meses, enquanto esboçava os desenhos, fui organizando a documentação que recebia constantemente por via do professor que se empenhava com dedicação à causa. Em dado momento apercebi-me que alguém até aí na sombra e que não tinha «mexido uma palha», como se costuma dizer, apareceu em destaque aproveitando o trabalho de alicerce conseguido com tanto esforço pelo tal professor, pondo-o de parte e a tomar as rédeas do assunto. Não me pareceu bem, mas o próprio disse que não me preocupasse, pois o que interessava era o projeto ir para diante. Atitude humilde e de muita dignidade.
Mas logo a seguir recebi um «ofício» da organização a pedir-me um prazo curtíssimo para entregar a história, e que iam fazer um concurso para autores e editores para depois apreciarem as propostas executadas, para escolherem a que mostrasse melhores condições.
Fiquei perplexo pois tinham ficado bem definidas, desde a primeira hora, as condições em que trabalho e nunca esteve em equação ser um concurso, pois não entro em competitividades desse género.
Quando lhes chamei a atenção disso começaram por não responder, fazendo «tábua rasa» (como diria Aristóteles a Platão) do assunto.
Enviei uma carta a pedir explicações concretas e dei um curto prazo, e se não tivesse resposta considerassem sem efeito o contrato que eles ainda não tinham assinado com o editor. Para mim, ainda considero que a palavra dada é um ponto de honra. Para quem a tem, claro. 
E avisei que não podiam usar o argumento ou imagens já construídas, pois estavam registadas.
Mas não pedi indemnização pelo trabalho já feito. «Atirei-lhes à cara».
Não responderam, e passados mais de dez anos nada fizeram nesse sentido.
O professor passou por uma doença, mas quando nos cruzamos mostra ainda a esperança de ver concretizado este projeto.
Para mim, ficou a riqueza de conhecer bem toda essa vivencia de gente trabalhadora, tão nobre e sofrida.
Mais uma história que volta à gaveta...


No próximo artigo vou desempoeirar outro caso, o sétimo dos dez que se mantêm na penumbra.

4 comentários:

  1. Realmente histórias que merecem ser contadas.
    Zé Soares

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  2. Todos nós somos contadores de histórias, só que as contamos de maneiras diferentes. É preciso ter uma boa história. Esta é uma delas.
    Obrigado pelo comentário
    José Ruy

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  3. Grande história amigo José Ruy. Eles também são denominados os ciganos do rio

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  4. É verdade, caro amigo Luís Cruz Guerreiro, foi gente dorida que muito sofreu e trabalhou no duro. Foi com muito interesse que fiz toda a pesquisa e projetei esta narrativa. Por vezes temos de deixar para trás ideias e projetos.
    Boa saúde e forte abraço.
    José Ruy

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