Estabelecido o contacto, eis a sua breve história e a nossa conversa.
Ricardo Santo (aliás, Ricardo Santo Encarnação Machado) nasceu em Leiria a 21 de Dezembro de 1976, mas, praticamente, cresceu em Pataias (concelho de Alcobaça).
Ricardo Santo |
Cursou Design Industrial nas Caldas da Rainha e tem uma graduação pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa.
Começou bem garoto, a desenhar e a escrever as suas "estórias".
Colaborou para o "Jornal de Pataias" e "Tribuna do Oeste".
Começou bem garoto, a desenhar e a escrever as suas "estórias".
Colaborou para o "Jornal de Pataias" e "Tribuna do Oeste".
Recebeu em 1991, uma Menção Honrosa no Concurso BD pelo Salão de Banda Desenhada de Amora. Similarmente, recebeu também Menções Honrosas em concursos efectuados em Loulé, Caldas da Rainha, Sobreda e Amadora.
Publicou-se, também, em diversos fanzines.
Seus desenhistas preferidos: Hugo Pratt, Hayao Miyazaki, Osamu Tezuka, David Clowes, Moebius, Jordi Bernet, Albert Monteys, Jaime Martin, David Rubin, Nuno Saraiva, João Fazenda, Ricardo Cabral, Filipe Abranches e Luís Louro.
Reside há alguns anos com a família próxima, a companheira e os dois filhos, em Barcelona. Entretanto, em 2017, editou por conta própria, o álbum "Livro Sagrado".
Segue-se o nosso diálogo que, devido às circunstâncias, foi efectuado por e-mail.
BDBD - Que força te levou a abraçar a Banda Desenhada?
Ricardo Santo (RS) - Suponho que a minha relação com a Banda Desenhada não seja diferente da de muitos outros que se dedicam a ela. Começa invariavelmente na escola primária, quando te dás conta de que os outros miúdos param de fazer desenhos deles para ficarem a olhar para os teus. E aí percebes que se passa alguma coisa que não é normal. Essa primeira sensação ainda é o que sobretudo me move, cada vez que eu faço um boneco ou penso numa história. Faço-o
para os meus amigos. É neles que penso quase sempre. Ou em conversas e diarreias mentais que tive com alguns deles. Olhando para trás, suponho que desde muito cedo era um miúdo que desenhava, escrevia e lia mais do que os outros miúdos à minha volta.
BDBD - Disseste-me que a BD não é o teu funcionamento normal, mas sabes bem (e os leitores também), que por aqui já és admirável e grande. Mesmo assim, recusas-te à dita 9.ª Arte?
RS - Há de certeza muita gente a quem sou completamente indiferente! E outra tanta que detesta o que eu faço! Se os tenho na família, não duvido que os tenha fora dela! É uma das dores do crescimento! Quando és pequeno, todos acham graça a tudo o que tu fazes! Depois, cresces e já ninguém te acha piada nenhuma. Nem sequer tu próprio, muitas vezes! Normalmente, é quando nos apercebemos do que dá e não dá o pão para a boca. De repente olha-se para o lado e percebe-se que o mundo, afinal, é maior do que pensávamos. E se calhar, não somos assim tão especiais! Nessa altura, fazem-se outras escolhas. De resto, as pessoas que só sabem fazer uma coisa na vida são, regra geral, muito desinteressantes.
BDBD - Vives na Catalunha, digo, Barcelona... É a geografia mais tranquilizadora para o teu dia-a-dia?
RS - Não! Decididamente, não é! Foi uma coisa que me aconteceu quase sem querer. Ou melhor, eu queria experimentar viver fora de Portugal. Mas nunca tive nenhum tipo de predileção especial pela Catalunha. Calhou, por causa do trabalho da minha mulher. E já estou aqui há tempo suficiente para perceber que nunca na vida me tornarei catalão! Ou espanhol! Gostava de algum dia viver uma temporada num país asiático. Mas, eventualmente, quero voltar para Portugal. Acho que, de facto, em tranquilidade, devemos ser imbatíveis. Mas nem toda a gente gosta de tranquilidade a todo o momento! E, às vezes, um bocadinho de agitação , de vez em quando, também é saudável!BDBD - Arriscaste-te a um álbum de autor, "Livro Sagrado"... Com que ideia para tal?
RS - O "Livro Sagrado" foi um daqueles projectos que parecia que não ia acabar nunca. A ideia inicial era fazer uma adaptação tout court de alguns contos de cariz fantástico e etnográfico da literatura portuguesa. Mas depois de umas quantas falsas partidas e ideias abandonadas, veio a tornar-se uma coisa com um cunho um bocado autoral. É uma coletânea em que algumas histórias são adaptações de contos e outras são originais meus, embora habitando o mesmo universo e partilhando algumas características estruturais e temáticas, assim como um fio condutor narrativo que as une umas às outras como se fossem uma história só. De uma forma geral, anda muito à volta da temática das superstições, mitos, convenções e preconceitos que ainda alimentam um certo tipo de conservadorismo crónico e às vezes, um bocado ridículo, de que muitos de nós, portugueses, infelizmente ainda padecemos. O que eu costumo chamar a herança mental do Estado Novo. Que é um bocadinho diferente da herança mental da Guerra Civil de que os espanhóis também ainda padecem.
Publicou-se, também, em diversos fanzines.
Seus desenhistas preferidos: Hugo Pratt, Hayao Miyazaki, Osamu Tezuka, David Clowes, Moebius, Jordi Bernet, Albert Monteys, Jaime Martin, David Rubin, Nuno Saraiva, João Fazenda, Ricardo Cabral, Filipe Abranches e Luís Louro.
Reside há alguns anos com a família próxima, a companheira e os dois filhos, em Barcelona. Entretanto, em 2017, editou por conta própria, o álbum "Livro Sagrado".
Segue-se o nosso diálogo que, devido às circunstâncias, foi efectuado por e-mail.
Ilustração de Ricardo Santo |
Ricardo Santo (RS) - Suponho que a minha relação com a Banda Desenhada não seja diferente da de muitos outros que se dedicam a ela. Começa invariavelmente na escola primária, quando te dás conta de que os outros miúdos param de fazer desenhos deles para ficarem a olhar para os teus. E aí percebes que se passa alguma coisa que não é normal. Essa primeira sensação ainda é o que sobretudo me move, cada vez que eu faço um boneco ou penso numa história. Faço-o
para os meus amigos. É neles que penso quase sempre. Ou em conversas e diarreias mentais que tive com alguns deles. Olhando para trás, suponho que desde muito cedo era um miúdo que desenhava, escrevia e lia mais do que os outros miúdos à minha volta.
BDBD - Disseste-me que a BD não é o teu funcionamento normal, mas sabes bem (e os leitores também), que por aqui já és admirável e grande. Mesmo assim, recusas-te à dita 9.ª Arte?
RS - Há de certeza muita gente a quem sou completamente indiferente! E outra tanta que detesta o que eu faço! Se os tenho na família, não duvido que os tenha fora dela! É uma das dores do crescimento! Quando és pequeno, todos acham graça a tudo o que tu fazes! Depois, cresces e já ninguém te acha piada nenhuma. Nem sequer tu próprio, muitas vezes! Normalmente, é quando nos apercebemos do que dá e não dá o pão para a boca. De repente olha-se para o lado e percebe-se que o mundo, afinal, é maior do que pensávamos. E se calhar, não somos assim tão especiais! Nessa altura, fazem-se outras escolhas. De resto, as pessoas que só sabem fazer uma coisa na vida são, regra geral, muito desinteressantes.
BDBD - Vives na Catalunha, digo, Barcelona... É a geografia mais tranquilizadora para o teu dia-a-dia?
RS - Não! Decididamente, não é! Foi uma coisa que me aconteceu quase sem querer. Ou melhor, eu queria experimentar viver fora de Portugal. Mas nunca tive nenhum tipo de predileção especial pela Catalunha. Calhou, por causa do trabalho da minha mulher. E já estou aqui há tempo suficiente para perceber que nunca na vida me tornarei catalão! Ou espanhol! Gostava de algum dia viver uma temporada num país asiático. Mas, eventualmente, quero voltar para Portugal. Acho que, de facto, em tranquilidade, devemos ser imbatíveis. Mas nem toda a gente gosta de tranquilidade a todo o momento! E, às vezes, um bocadinho de agitação , de vez em quando, também é saudável!BDBD - Arriscaste-te a um álbum de autor, "Livro Sagrado"... Com que ideia para tal?
RS - O "Livro Sagrado" foi um daqueles projectos que parecia que não ia acabar nunca. A ideia inicial era fazer uma adaptação tout court de alguns contos de cariz fantástico e etnográfico da literatura portuguesa. Mas depois de umas quantas falsas partidas e ideias abandonadas, veio a tornar-se uma coisa com um cunho um bocado autoral. É uma coletânea em que algumas histórias são adaptações de contos e outras são originais meus, embora habitando o mesmo universo e partilhando algumas características estruturais e temáticas, assim como um fio condutor narrativo que as une umas às outras como se fossem uma história só. De uma forma geral, anda muito à volta da temática das superstições, mitos, convenções e preconceitos que ainda alimentam um certo tipo de conservadorismo crónico e às vezes, um bocado ridículo, de que muitos de nós, portugueses, infelizmente ainda padecemos. O que eu costumo chamar a herança mental do Estado Novo. Que é um bocadinho diferente da herança mental da Guerra Civil de que os espanhóis também ainda padecem.
BDBD - Com o recente "Planeta Psicose", isso resultou num verdadeiro estoiro de merecidos aplausos para ti. Contente com este triunfo?
RS - Contente com os aplausos, sim. É sempre gratificante sentirmo-nos validados. Principalmente, se for por parte de alguém que respeitamos. Não tenho é ainda noção se isso se traduziu em vendas, porque a pandemia veio sabotar um bocado as coisas!
RS - Contente com os aplausos, sim. É sempre gratificante sentirmo-nos validados. Principalmente, se for por parte de alguém que respeitamos. Não tenho é ainda noção se isso se traduziu em vendas, porque a pandemia veio sabotar um bocado as coisas!
BDBD - Neste álbum, és terrivelmente acutilante e quiçá, um "anarquista" pessimista... Assim pensas a vida?
RS - Não sei! Talvez tenha alguma tendência para esperar sempre o pior das situações... Ou pelo menos, gosto de ter sempre presente a ideia de que, por muito mal que as coisas estejam, podem sempre piorar! Também padeço de algum cinismo e de uma certa tendência para dizer o que não devo. E como normalmente não consigo evitá-lo, a maior parte das vezes prefiro estar calado, antes que me fuja a boca para a verdade. Também tenho o péssimo hábito de questionar demasiado as ordens e as convenções, principalmente, se não lhes entendo a lógica. Nunca me ocorreu definir-me como anarquista! Mas, vendo bem as coisas, sou capaz de ser um bocadinho... Gosto de estar aberto a mudar de direcção em qualquer altura!
RS - Tenho um outro projecto de BD já terminado há bastante tempo, que espero finalmente poder editar este ano. Mas ainda não ponho as mãos no fogo. É uma coisa completamente diferente do "Planeta Psicose". Através de outra editora. Uma história real. Uma coisa que me desafiei a mim próprio fazer, principalmente, porque já não podia mais ouvir as pessoas que me dizem constantemente que só sei fazer o mesmo tipo de coisas. E que não acham graça nenhuma! É uma história em que meto a ironia na gaveta e abordo temas que realmente me preocupam. E coisas nas quais acredito. Apesar de falar em desgraças, é talvez a história mais optimista que escrevi! Mas, de momento, os meus planos não passam por editar em Espanha. Curiosamente e apesar da amabilidade de alguns editores a quem mostrei o meu trabalho, ainda encontrei menos abertura do que em Portugal por parte das editoras. Espanha é um país de artistas visuais extraordinários. E eu, para eles, ainda não deixei de ser um estrangeiro que aqui caiu de para-quedas.
Capa para o #4 do fanzine Efeméride (Tintim no Séc. XXI) |
RS - Capaz, serei sempre. Dependendo do tempo disponível e do preço do bilhete de avião. Agora estão mais baratos!
BDBD - Acompanhas a BD de Portugal?
RS - Sim. Acompanho a BD portuguesa, tanto como a espanhola. Embora a carteira e a estante não cheguem para comprar tudo. Estou pelo menos a par do que se vai fazendo.
BDBD - Em breves palavras, deixa aqui uma mensagem aos leitores portugueses que te estimam e admiram...
RS - Só agradecer e dizer que o sentimento é mútuo. Ter alguém que se interessa por aquilo que nós fazemos, principalmente no meio do cada vez maior turbilhão de coisas que se vão fazendo, é fundamental para continuarmos a fazê-lo. Não sou nada o tipo de pessoa que se esteja marimbando para o que os outros acham. Ou que faço as coisas só para mim. Posso não querer perverter-me às ditaduras da maioria, mas o que faço, é fundamentalmente para os outros. É uma busca de diálogo e de pontos de contacto com outras pessoas, para não sentir que estou sozinho. Quando ninguém me quiser ouvir, paro. Não tenho vontade nenhuma de ser o maluquinho que anda a pregar para as paredes!
BDBD - Muito obrigado, Ricardo, por teres acedido a esta entrevista!
L.B.
Pranchas de "Velha Glória", in revista "Gerador" #8 (Abril/Junho 2016)
Estudo para a contracapa de "Planeta Psicose" |
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