terça-feira, 29 de janeiro de 2019

ADEUS, ZÉ MANEL!

Zé Manel (1944-2019)
24 de Janeiro de 2019. Cerca da uma da tarde surgiu no meu telemóvel uma chamada da Isabel. Tive logo um mau pressentimento, que se confirmou quando do outro lado ela me disse: "O Zé Manel faleceu!".
Eu sabia que o Zé Manel estava bastante doente e que lutava há anos (cada vez com menos forças), tentando contrariar um epílogo inevitável. Mas, embora não fosse completamente inesperada, a notícia deixou-me abalado.
Fiquei triste, ainda que ao mesmo tempo aliviado, por saber que o Zé Manel deixara de sofrer e estava, finalmente, em paz.

Não recordo bem as circunstâncias em que nos conhecemos. Terá sido num encontro casual no Festival da Amadora ou da Sobreda, ou possivelmente na primeira vez em que ele participou num concurso de cartoon, em Moura, e aqui se deslocou para visitar o salão. 
O Zé Manel, sempre que concorreu em Moura ganhou, menos da primeira vez, em 2000, quando preferiu participar com um trabalho extra-concurso, algo que eu não entendi na altura. Mais tarde percebi que ele gostava tanto dos seus originais que não queria perde-los para a organização (como era norma do regulamento)!
A maior parte dos desenhadores que conheço são assim, possessivos e cuidadosos com os seus originais, mas o Zé Manel era, sem dúvida, aquele em que mais se acentuava essa característica.
Uma nota curiosa, para confirmar aquilo que digo, e que se repetiu durante anos, era quando o Zé Manel concorria ao Concurso de BD e Cartoon de Moura: pouco antes de terminar o prazo de entrega dos trabalhos, o Zé Manel telefonava-me e, sabendo das minhas múltiplas deslocações a Lisboa para recolher livros, exposições e cenários, pedia-me para eu recolher, também, o seu trabalho, pois não confiava nada na entrega via CTT. Dizia que, por mais protegido que fosse, o desenho poderia ficar amachucado ou até mesmo extraviar-se.
Eu, naturalmente, não me importava nada e fazia um desvio até à casa do Zé que, invariavelmente, descia as escadas do prédio e, entre dois abraços e meia dúzia de palavras, me entregava os seus formidáveis originais, pedindo-me sempre que "caso não fosse premiado" lhos devolvesse quando eu tornasse a Lisboa.
O Zé Manel, contudo, com uma única excepção (em 2000, o tal ano em que participou extra-concurso, cujo tema era "O Western"), foi sempre premiado: em 2002 (com "O Terror" como tema), em 2003 ("O Desporto"), em 2004 ("A Moura Salúquia"), em 2005 e em 2011 (ambos com tema livre). 
Participação de Zé Manel no 12.º Concurso de BD e Cartune de Moura, onde obteve uma Menção Honrosa. Posteriormente, esta banda desenhada seria incluída no (ainda disponível) álbum colectivo 
"Salúquia: a Lenda de Moura em Banda Desenhada", Ed. CM Moura (2009).
Participação de Zé Manel no 15.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2011
Desde o momento em que nos conhecemos, passámos a ter um contacto assíduo, quer nos diferentes salões que ambos visitávamos, quer através de telefonemas regulares, quer ainda através do envio de cartões de Natal, um costume cada vez menos na moda na sociedade actual, como se sabe, mas que o Zé Manel fazia questão de cumprir todos os anos enviando-me postais com belos desenhos originais personalizados.
A primeira vez que eu vira um desenho do Zé Manel, contudo, fora uns bons quarenta anos antes, quando o meu pai estudava à noite e tinha como manual de francês um livro intitulado "Je Commence", de que muitos se recordarão, com certeza.
Aquele traço elegante e sedutor cativou de imediato a minha atenção e deixou-me de queixo caído, imaginando-me um dia a desenhar assim, enquanto folheava o manual, mesmo sem perceber patavina de francês.
E depois, como se não bastassem os desenhos, aquela assinatura - "Zé Manel" - era demasiado simples (e, por isso mesmo, original) para não nos ficar na memória. Um reflexo, afinal, da personalidade do próprio autor, simples e humilde também.
 
O tempo foi passando. O Zé Manel continuou a visitar o salão de Moura com regularidade até que, em 2013, foi, finalmente, alvo de uma merecida homenagem, onde recebeu o Troféu Balanito Especial. Uma bela exposição (com direito a catálogo e DVD profusamente ilustrados), comissariada pelo investigador Osvaldo de Sousa, alcançou um enorme sucesso junto do público. O próprio Zé Manel estava radiante por ter, finalmente, uma exposição e um catálogo que mostravam um panorama geral - embora necessariamente resumido - sobre a sua imensa e magnífica obra.
Esta exposição esteve, posteriormente, patente no extinto Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, na Amadora.
Inauguração do salão Moura BD 2013, onde a exposição "Eros uma vez... o Humorista Zé Manel",
comissariada por Osvaldo de Sousa, obteve um tremendo sucesso junto do público.
Capa e contra-capa do catálogo "Eros uma vez... o Humorista Zé Manel", com
investigação e texto de Osvaldo Macedo de Sousa, Ed. CM Moura (2013)
Em 2013, no entanto, o Zé Manel já dava sinais de estar doente. Notei isso quando, no jantar de encerramento do Moura BD, lhe pedi, como habitualmente, para autografar o Livro de Honra do salão, onde ele sempre fazia questão de rabiscar uma das suas curvilíneas bonecas. Estranhamente, o Zé Manel começou a esquivar-se e a dizer que não estava inspirado. Perante o meu espanto e a minha insistência, lá anuiu e garatujou uma boneca que me deixou apreensivo pela dificuldade com que foi (não tão bem) desenhada. Percebi, nessa altura, que algo se passava mas não liguei muito, pensando ser uma situação momentânea.
Terminado o jantar, despedimo-nos e creio que foi essa a última vez que nos vimos.
Falámos mais uma ou duas vezes por telefone mas nunca mais nos cruzámos em festival algum.
Em Dezembro passado, liguei-lhe para saber como estava. Atendeu a Isabel, a esposa, que me relatou um cenário pouco animador. Fiquei de lhe ligar outra vez um dia destes. Já não fui a tempo...   

Os desenhos que o Zé Manel fez para o Livro de Honra do salão Moura BD continuam, até hoje, a manter viva a memória dos bons momentos que passámos juntos, em alegre camaradagem, na minha cidade. Por isso os partilho publicamente pela primeira vez (no meio de uma pequena selecção de fotos) como derradeira homenagem a um dos maiores humoristas gráficos que este país já conheceu.
Até sempre, Zé Manel.
Carlos Rico

Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2000
Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2001

Em 2002, durante a Cerimónia de Encerramento da Sobreda BD

Zé Manel, eu e o franco-cambojano Será, durante a Cerimónia de Encerramento da Sobreda BD, onde fomos homenageados, em 2002.

José Garcês, Zé Manel e Rá, durante o Moura BD 2004

Zé Manel, António Finha, Artur Correia, Flávio Almeida e Eugénio Silva,
premiados no 12.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2004
Autógrafo desenhado no Livro de Honra do salão Moura BD, em 2004

Zé Manel e Susa Monteiro, premiados no
13.º Concurso de BD e Cartune de Moura, em 2005

Autógrafo desenhado no Livro de Honra do Moura BD, em 2005,
ano em que o salão comemorava 15 anos.


Com um grupo de colegas e amigos, visitando a exposição de cartunes de Agim Sulaj, durante o Moura BD 2011. De pé: Baptista Mendes, Valadas, Zé Manel, José Ruy, Leonardo De Sá, Geraldes Lino e Álvaro Santos.
Agachados: Osvaldo de Sousa, Diferr e Carlos Rico
Em 2011, recebendo mais um prémio no Concurso BD e Cartune de Moura.


Com a esposa, Isabel, e o filho Duarte, durante o almoço de confraternização do salão Moura BD, em 2013
Zé Manel, Luiz Beira, Hugues Barthe, Vassalo de Miranda, a Vereadora Maria José Silva e o Presidente
Pós-de-Mina, no Cine-Teatro Caridade, durante a Cerimónia de Encerramento do Salão Moura BD 2013.
Zé Manel, o francês Hugues Barthe e Vassalo de Miranda, homenageados do último salão Moura BD, em 2013

2 comentários:

  1. Considero o Zé Manel um dos maiores cartunistas portugueses contemporâneos. Foi sempre um autor que apresentou a mulher bem desenhada, com sensualidade, sem chocar as almas mais sensíveis. Um senhor da arte do desenho e uma pessoa com uma simplicidade no trato, afável, tendo ainda como características o humor e a oportunidade dos cartunes.
    As suas "bonecas" são irrepetíveis.
    Pois, Carlos Rico, não privei com ele, uma vez que me encontro afastado do centro do mundo do desenho nas suas vertentes variadas, mas o Zé Manel lá estava quando eu fui homenageado na Tertúlia BD de Lisboa, mais propriamente na 95ª, em Novembro 2002.

    É uma notícia que provém do ciclo natural da vida, mas que eu preferia não comentar tão cedo. Os meus pêsames são para a esposa Isabel e filho Diogo (e outros familiares de que não sei a existência), desejando que o Zé tenha o descanso, onde quer que esteja, com a mesma alegria que deixou para a posteridade através do seu labor.
    Agradeço ao BDBD esta homenagem que faz a um dos Nossos.

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    1. Peço desculpa, mas referi o filho Diogo, quando devia ter referido o filho Duarte.

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