quinta-feira, 16 de junho de 2016

A ILHA DO CORVO QUE VENCEU OS PIRATAS (5)

OS CORVINOS QUE VIVERAM DUAS VEZES

Neste quinto artigo sobre a história que estou a realizar na Ilha do Corvo, a convite e por sugestão do Coordenador do Ecomuseu, Eduardo Guimarães, chamo a atenção para um aspeto curioso: os corvinos que estão a viver duas vezes, uma na época atual e outra, quatro séculos antes.
Como é possível isto acontecer? Pela magia das Histórias em Quadrinhos. Vejamos:
Página 07
Na página 07, agora desenhada definitivamente, pois os esboços ficaram para trás, aparece um conjunto de personagens que dão vida a um episódio passado na Ilha do Corvo em 1632. Como já esclareci, trata-se de um ataque de piratas à Ilha e da resistência heroica dos seus habitantes. O documento escrito na altura, conta todo o desenrolar da luta, com pormenores precisos e regista o nome do padre que assistiu a tudo e escreveu o texto. Porém, quanto aos nomes dos corvinos resistentes e quem eram na realidade, é omisso.
Ao construir o argumento recriei cada figura, dramatizei as atitudes, os seus passos, as paixões e os rituais durante a narrativa.  
Coube aos corvinos atuais, quando estive na Ilha do Corvo, definirem certas circunstâncias e decisões dessas personagens, numa colaboração espontânea e generosa que me satisfaz imenso.
Como expliquei nos artigos anteriores, foram muitos que voluntariamente se apresentaram para que os desenhasse, emprestando a sua fisionomia às personagens que eu criara.
Nesta página 07, houve a oportunidade de reunir algumas das fisionomias. Da esquerda para a direita, seguindo as personagens que aparecem na primeira vinheta, mostro pela mesma ordem o desenho que fiz de cada corvino.
Vamos saber os nomes próprios dessas pessoas que serviram de modelo, com a sua prévia autorização: 
Alfredo Emílio
João Brito Rodrigues
Alfredo De Ana Caetano (que usa óculos mas retirei-os na personagem)
Sérgio Patrício
e, no extremo da vinheta, Luís Faustino, que "encarna" o Gaspar
No resto da página aparecem mais personagens fixas, como o Francisco, cujo modelo se chama Gonçalo Pereira...
...a Inês que é a Bárbara Proença...
...e o Tio Fraga, Fábio Fraga, que por coincidência mantém o mesmo nome.
A distribuição dos nomes destas figuras principais da história foi também realizada pelos corvinos, em assembleia na Sala de convívio da Santa Casa da Misericórdia do Corvo, em janeiro de 2016.
Portanto, estes corvinos e corvinas estão a viver duas vezes, uma no século XVII nesta aventura, e presentemente no século XXI a sua vida real. É uma situação curiosa, que deixo ao dinâmico e eficiente Eduardo Guimarães, coordenador do Ecomuseu do Corvo, de apurar junto destes amigos a sensação de cada um ao ver-se protagonista neste enredo.

Agora vejamos o comportamento das personagens. Na História em Quadrinhos, na página 04, o Fraga zanga-se com o Francisco, por este querer namorar com a sua filha, a Inês. Ora o amigo Fábio Fraga (verdadeiro) é uma pessoa pacata que contrasta com esse temperamento. Acontece o mesmo com a Bárbara (Inês) e o Gonçalo (Francisco) que emprestam as suas figuras, como os atores nas representações teatrais, e andam aqui abraçados e às escondidas, o que não acontece na vida real.
Página 04
Nesta página 04, quero ainda chamar a atenção para outro pormenor.
Antes de começar a passar a história a desenho, colhi muito material iconográfico da época em que se desenrola a ação. Mas nunca chega. Vejam só:
Tenho neste momento a honra de ser acompanhado por três cientistas, autores de importantes obras sobre a Ilha do Corvo: João Saramago, linguista da Universidade de Lisboa, Carlos Riley, historiador, como já fiz referência nos artigos anteriores e José Neto, arqueólogo da Direção Regional da Cultura dos Açores. 
Observaram eles cuidadosamente os esboços, e nessa fase deram um grande contributo fornecendo-me documentação, descrevendo usos e costumes, rituais, objetos e o interior das casas na época. O Eduardo Guimarães do Ecomuseu também tem sido incansável na pesquisa.
Mas quando o desenho passa ao definitivo, os detalhes aparecem mais vivos e é a altura de os apreciar melhor. Ao enviar-lhes a página 04, em que a Inês utiliza uma vasilha de madeira para ir buscar água, o José Neto pressuroso, enviou-me uma nota sobre esse objeto, que transcrevo, para poderem ver o rigor com que estamos a realizar a obra:
E a bilha foi substituir a outra vasilha no desenho. Cada coordenador, tendo conhecimento de algo mesmo não sendo da sua área, avança com a informação e documentos iconográficos. Uma maravilha de pessoas, de colaboração e de amizade que já nos une fortemente.
Página 04, versão definitiva.
No próximo artigo descreverei como chegámos à reconstituição do interior das habitações no século XVII.

José Ruy
3 junho 2016

4 comentários:

  1. Saudações,

    Espero que esses esboços, comentários e curiosidades estejam incluídos na edição a papel,mesmo ultrapassando a "norma" das 48 páginas!... É uma mais valia como complemento da obra.
    Quanto à vasilha, ainda bem que tem uns "revisores" bem atentos - o caneco (esteticamente) resultaria bem, mas seria um elemento destoante numa ilha em que as árvores eram raras (predominava os arbustos) e sendo as povoações "pobres", até o ferro é luxo...(se estou errado, corrijam-me).
    Boa opção por não colocar uma vasilha debaixo na mesa e continuação do bom trabalho.
    E um extra: a água sabe MUITO bem é numa vasilha de barro...Mais fresca ao natural, não há! :-)

    ResponderEliminar
  2. Caro A. Santos, obrigado pela atenção com que segue estes artigos. Naturalmente que o livro terá uma edição normal, com a história completa, mas deixando para trás os esboços, e as pesquisas. Estes pormenores são apenas dados à estampa (neste caso no ecrã dos monitores) neste blogue, pois são curiosidades de construção. Não faria sentido manter os andaimes de um edifício depois de pronto, para se ver como foi conseguido.
    Daí a mais valia do «BDBD», dar a conhecer o que o livro não mostra.
    Costumo trabalhar sempre consultando especialistas, como marinheiros e técnicos de várias áreas, pois por muito que se pesquise e aprenda nunca se sabe tudo. Curiosamente, o próprio Luís Neto tinha-me fornecido a vasilha de madeira em questão, usada até na próxima Ilha das Flores, frente ao Corvo. Estes utensílios não eram obrigatoriamente fabricados nas próprias ilhas, eram adquiridos por trocas de outros bens.
    Mas os próprios coordenadores científicos pontualmente vão fazendo pesquisas cirúrgicas mais apuradas caso a caso. Tem razão, a Ilha do Corvo era habitada por pessoas tão pobres que não tinham possibilidades de «comprar» ferramentas de ferro. Mesmo as vidraças não eram usadas no século XVII, por ser um material muito frágil. Por isso vou alterar a primeira página, até já colorida, quanto às janelas das casas. Adiantei o acabamento dessa página só para mostrar à população qual o aspeto final do trabalho, em traço a tinta-da-china e cor. E aqui está o valor que tem o BDBD: mostrar o invisível quando finalmente se vê o livro nas livrarias, já pronto.
    Pois tem também razão, caro Santos, a água, pela respiração através dos poros do barro, consegue uma frescura e até um sabor especial. Também sou fã do barro.
    Intervenha sempre
    Atenciosamente
    José Ruy

    ResponderEliminar
  3. É extraordinário poder acompanhar antecipadamente as várias fases deste trabalho através das minuciosas descrições de José Ruy, sempre muito bem documentadas... e com a particularidade de revelarem todos os pormenores de uma investigação que levou o autor aos próprios locais onde decorre a narrativa, pondo-o em contacto com os seus habitantes que, melhor do que ninguém, guardam ainda a memória desses acontecimentos.
    Pela exemplar fidelidade de José Ruy a um método de trabalho baseado no rigor, na veracidade, na paixão pelos ambientes que visualiza e pelos personagens que cria, e na exaustiva recolha de elementos (mesmo os que, à primeira vista, parecem insignificantes), creio que este álbum irá marcar outro momento alto na sua carreira recheada de êxitos, além de ser mais uma prova de que José Ruy é um caso raro (a nível mundial) entre os autores que se dedicam à banda desenhada de temática histórica.
    Parabéns ao BDBD, por esta rubrica, e um grande abraço a Mestre José Ruy, com muita admiração.
    Jorge Magalhães

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meus caros amigos
      Jorge Magahães e Catherine Labey.
      Muito agradeço a sua análise a este trabalho que vou desenvolvendo, mas cuidado com os exageros, não me chamem de mestre. Sinto-me muito bem como aprendiz, com a felicidade de poder continuar a adquirir novos conhecimentos. É uma realidade, que não se pode fazer um trabalho com verdade sem termos visitado os locais e estudá-los com toda a atenção, colher elementos e informações, para que a história resulte ao ser vista por quem lá vive. É também a melhor maneira de dar a conhecer aos de fora as vivências, paisagens e cultura desses povos.
      É também um exagero de amigos, quanto à projeção a «nível mundial». Embora conheça uma boa parte do nosso globo, o meu mundo é este, o das Histórias em Quadrinhos e nele me movimento numa vã tentativa de alcançar o nível que desejava. Penso sempre que será no próximo trabalho.
      Uma grande saudação de reconhecimento pelas palavras carinhosas.
      Com amizade
      José Ruy

      Eliminar