sexta-feira, 2 de outubro de 2015

ENTREVISTAS (20) - JOSÉ PIRES (2.ª parte)

(conclusão da entrevista iniciada no post anterior)


BDBD – Como editor de publicações amadoras, a sua actividade já tem alguns anos, sendo responsável (a solo ou em parceria com Jorge Magalhães e Catherine Labey, por exemplo) por excelentes fanzines, bem conhecidos da “tribo” bedéfila (Fandwestern, Fandaventuras, A Máquina do Tempo, entre outros). Quando e porquê surgiu esta sua faceta de faneditor?
JP - Isso surgiu quando conheci o Jorge Magalhães. Ambos decidimos publicar um Fanzine (Fandaventuras - 1998). Depois prossegui sozinho com o Fandwestern e outros. O Matt Marriott foi publicado pelo Mundo de Aventuras mas como o formato (tira diária) não se adequava ao A4 e afins, as vinhetas apareciam amputadas ou acrescentadas. E como os formatos eram menores, para meterem as legendas, os paginadores eram obrigados a invadir o espaço dos desenhos, destruindo todo o valor dos extraordinários enquadramentos do autor. Por isso me dediquei a publicar em fanzine as histórias do Matt Marriott em versão original. São 70 episódios eu tenho 64 - pas male!
A série Rob the Rover está neste momento a ser publicada em inglês e a ser exportada para toda a Escandinávia (Dinamarca, Suécia e Noruega) com bastante sucesso.
Uma página de Matt Marriott publicada no Mundo de Aventuras...
... e a mesma página, já restaurada por José Pires, no formato de tiras em que foi publicada em Inglaterra.
BDBD – A sua admiração pelos autores clássicos ingleses levou-o a recuperar digitalmente obras de referência como Capitão Meia-Noite, Rob the Rover ou o já referido Matt Marriott. Como teve a ideia (e a ousadia, no bom sentido) de se embrenhar nestes projectos?
JP - Os chamados “clássicos”, Walter Booth, Reg Perrot ou Tony Weare, etc... sempre incendiaram a minha imaginação - sempre desejei reunir em volume as páginas que eles publicavam semanalmente ou em tira diária. Há outros como Milton Caniff (Terry e os Piratas ou Steve Canyon) que também gostaria de publicar... se tivesse tempo para isso...
Capas de dois episódios de "O Gavião dos Mares""Matt Marriott",
séries restauradas e publicadas em fanzine por José Pires

BDBD – Para se abalançar a projectos desta envergadura é necessário ter uma grande colecção de revistas inglesas, muitos contactos com amigos e colecionadores, muita paciência e, essencialmente, muito amor a esta arte. É que não estamos só a falar no minucioso trabalho de restauro das pranchas e na tradução e legendagem das mesmas. Falamos, também, no esforço enorme que, por certo, fará para conseguir obter todas as tiras de cada uma das séries, e em condições mínimas de serem recuperadas… Em poucas palavras, quer explicar-nos como se processa a recuperação de uma obra como Matt Marriott ou Rob the Rover?
JP - Isso só se consegue com um brutal investimento ou tendo amigos “especiais”. O Américo Coelho, por exemplo, deve ter a maior colecção de BD que conheço. Tem mesmo o Puck desde 1920 a 1940, de onde foi retirado o Rob the Rover, o Capitão Meia-Noite ou o Gavião dos Mares, que já publiquei na íntegra.
O restauro das vinhetas é tarefa que só o computador consegue alcançar. Claro que o computador não trabalha sozinho e é preciso saber trabalhar com ele. Mas para quem foi um profissional, que o utilizava mais de uma dúzia de horas diárias durante mais de vinte anos, tudo se torna mais simples. É uma questão de vontade e aplicação.

BDBD - Em média, quanto tempo demora a recuperar cada volume?
JP - Depende do estado em que o material me vem parar às mãos. Se tem cores, se lhe faltam pedaços ou se estão deficientemente impressos - os problemas são múltiplos e variados - mas  pouca coisa o Photoshop, quando orientado por mãos experientes, é incapaz de resolver. Milagres, não há, mas capricho, boa vontade e alguma imaginação conseguem quase “milagres” - é tudo uma questão de trabalho e alguma paciência e jeito. Cada volume exige normalmente uns quinze dias de oito horas de trabalho.

O "Willy Prize", diploma com que José Pires
foi distinguido pelo seu trabalho por um grupo de
admiradores dinamarqueses da série "Rob the Rover"
BDBD - Para espanto de muito boa gente, as suas edições estão a ter sucesso lá fora! Quer explicar-nos como estão as coisas neste momento?
JP - A Internet teve um papel fundamental nisso. Amigos meus noticiaram nos seus blogues as minhas publicações e não tardou que a informação ultrapassasse fronteiras. Agora, como já disse, estou exportando o Rob the Rover em versão inglesa apenas para a Escandinávia, Inglaterra e Brasil. Dá imenso trabalho, mas também muito gozo. E ponho as meninges a trabalhar, em lugar de ir para um banco de jardim jogar à sueca.  

BDBD – Estará implícito nesse gosto que tem pela edição de publicações amadoras, a vontade, quem sabe, de um dia gerir ou criar uma editora profissional? Alguma vez pensou nisso?
JP -­ De colaboração com um professor fanático da BD, estamos a pensar abrir uma loja no e-bay para implementar a exportação dos fanzines em língua inglesa, o Rob the Rover especialmente: uma coleção de 30 volumes!... 

BDBD – O José Pires foi/é argumentista, desenhador, legendador, colorista, coleccionador, tradutor, restaurador, paginador e faneditor! Um curriculum impressionante mas ao qual falta juntar a criação e edição de um blogue ou de uma página web onde divulgue o seu trabalho. Porquê esta pecha?
JP - Fui e sou tudo isso e até me dedico também à literatura. Tenho duas novelas escritas por publicar e concorri a diversos Jogos Florais (Cantanhede, Gandara e Castelo de Vide) onde arranquei os segundos prémios (os primeiros são sempre para os autóctones, claro). Mas também dá imensa auto-estima, palavra.
A organização de um blogue está fora dos meus projectos. Não tenho tempo para tudo isso. Outros que o façam. Editar os fanzines (e faço tudo sozinho!) já me dá um trabalhão dos diabos. Gosto imenso de trabalhar mas tenho a minha dimensão humana: não sou Super-Homem nenhum. E eu abomino os super-heróis, ainda por cima!

BDBD – Sei que tem uma história terminada, com argumento seu e desenho do João Amaral, passada no tempo dos Lusitanos, à espera que uma editora se interesse pela sua publicação. Por outro lado, desenhou um “western”, com argumento de Jorge Magalhães, que está a ser publicado apenas no fanzine brasileiro QI, pelas mesmas razões. Que opinião tem acerca do panorama editorial português? Porque é que há tantos autores portugueses com valor que não publicam regularmente? É um problema de falta de aposta das editoras, de uma má promoção e distribuição dos álbuns ou é o público que não compra?
JP ­- Essa história era baseada no Viriato e começou com um livro que escrevi.
"As Guerras de Fogo", trabalho com
argumento de José Pires (Gus Peterson)
e desenho de João Amaral (Jhion)
O João Amaral desenhou o primeiro volume (eram quatro) mas nem aqui nem em Angoulême se conseguiu vender a coisa. A publicação em álbum é um investimento muito elevado e as editoras só publicam o que lhes parece seguro - não entram em aventuras. 
western a que se refere (Buster from Texas Rangers) estava destinado à Bonelli, mas como fazia concorrência ao Tex ficou pelo primeiro episódio (50 páginas) e não foi aceite. Foi publicado pelo Edgard Guimarães no seu fanzine QI, sim senhor. Mas o argumento não foi do Jorge Magalhães, é também meu. Como dizia o Hermann, se sabes desenhar, também sabes escrever...
As editoras não entram em “aventuras”, como já disse. A minha editora nacional, Âncora Editora, só publica coisas minhas se tiver um patrocinador, como aconteceu com “A Batalha do Bussaco”. Tenho um outro álbum “A Portuguesa - a História do Hino Nacional” que ainda não foi publicado por falta de um patrocinador. Só foi publicado no Jornal do Exército. Os jovens autores nacionais, virados como estão para os Mangá e outras “japonezisses”, ainda estão mais lixados do que eu porque aí não há editora alguma que se abalance a isso. Só vai sobrando o José Ruy, que continua em acção, mau grado os seus oitenta e muitos! Mas ele, em tudo o que se mete tem patrocinador apontado: ele não brinca em serviço! 
Capa e prancha de "Buster from Texas Ranger"...
...e de "A História do Hino Nacional", dois álbuns que aguardam patrocinador...

BDBD – Que história gostou mais de desenhar até hoje, e porquê?
JP -­ Até agora a que mais gratificante e gozo me deu foi o “Irigo” do qual publiquei o suficiente para dois álbuns, nas páginas do Tintin, com o Jean Dufaux como argumentista. Mas a revista acabou antes que o Jean-Luc Vernal fizesse a vontade aos muitos leitores que pediam o Irigo em álbuns. Mas o “Alexandre Dumas” com argumento do Benoit Despas, é o meu álbum mais importante e melhor impresso. 
Página de "Irigo", publicada no "Tintin" belga

BDBD – Há algum tema, alguma história que quisesse abordar em banda desenhada e que ainda não o tenha feito?
JP -­ Tenho o projecto e o guião pronto de um álbum sobre o Capitão Pedro Teixeira, o conquistador da Amazónia, mas até agora não tive feed-back algum das editoras nacionais e brasileiras. 

BDBD – Quer deixar alguma mensagem aos jovens que sonham ser um dia autores de banda desenhada e que eventualmente estejam a ler esta entrevista?
JP ­- Façam! Trabalhem. Tentem fazer coisas que mais ninguém faça. Não sigam no "pelotão"! Sejam originais. Procurem ter qualidade. A qualidade é rara mas vence. Só a mediocridade falha de certeza. Pode mais quem quer do que quem pode. Não desistam. Insistam! 
CR

Capas de José Pires, para o "Cavaleiro Andante" e para "Zorro" (ambas de 1962),
assinadas ainda como "Zé".

Capas de "O Poço da Morte" e "Homens do Oeste",
episódios de Will Shannon publicados pela Editorial Futura (1989)
Prancha de "A Louca Cavalgada Heróica de Vasco Granja" (com argumento de
Jorge Magalhães), inserida num álbum colectivo publicado pela Asa, em 2003.
Prancha de "Saluk Hiah: a Paixão Lendária de uma Princesa Árabe",
BD incluída no álbum colectivo "Salúquia", Ed. Câmara Municipal de Moura (2009)
Prancha dupla de "Alexandre Dumas: Le Diable Noir", Ed. Orphie (2010)
Prancha de "Buster from Texas Ranger", publicada no fanzine "Q.I." (2015)

2 comentários:

  1. Viva,

    obrigado por nos possibilitar a leitura desta entrevista a José Pires. É sempre um prazer ler e reler os seus álbuns... e aguardarei pelos próximos.

    Grande abraço!
    João Francisco

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    1. Amigo João,
      Obrigado pelas suas palavras. Vamos reencaminhar o seu comentário ao próprio José Pires que ficará, por certo, bastante satisfeito.
      Um abraço.

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