BDBD - Num jeito de paródia, abordaste “Mónica e Cebolinha”... O Maurício de Sousa não ficou chateado?
RC - Não... acho que ele não leu a história. Não tem tempo para isso. Mas o Sidney Gusman, que me convidou na época, é um cara muito bem humorado e inteligente e, de certa forma, todos ali gostam deste tipo de projecto e brincadeira.
Mónica e Cebolinha adultos, por Rafael Coutinho |
BDBD - Afirmas-te mais criando em preto-e-branco e não com a cor. Tens alguma lógica pessoal por esta preferência?
RC - Encaro o preto-e-branco na Banda Desenhada como uma instituição cheia de expressões marcantes e históricas. Para a minha educação em artes, conhecer os trabalhos de Muñoz, de Milazzo ou o preto-e-branco de Jaime Hernandez, Katsuhiro Otomo, Tomaz Ott, Marjane Satrapi, Angeli, Crumb, foi como entender o mundo de outra forma toda vez. Há uma tradição aí, e quando passei a fazer quadrinhos de uma forma mais regular, sinto que sempre encarei isso como se tivesse me perguntando como eu entendia pontilhismo, hachura, luz e sombra, tons aguados ou o próprio tratamento digital dentro dessa tradição. Ao combinar essas técnicas, desenho realista, desenho solto, o que ficaria impreciso e o que puxaria para a abstracção, era como se eu estivesse me posicionando nesse meio, pedindo licença, me encontrando como autor... Mas adoro cor, pinto quadros, faço muitas histórias coloridas. É mais uma ferramenta, não sinto que evito essa. Mas o preto-e-branco foi e é um prazer à parte. Gosto muito.
"Mensur", álbum a preto-e-branco... com uma capa bem colorida
BDBD - Nota-se, de certo modo, uma linha dura e angustiante na tua obra. É assim que vês sempre a vida? Sem alegrias e optimismos?
RC - (riso) Puxa, acho que não!... São sistemas mais complexos do que isso, imagino. Tenho uma predilecção estética para o tratamento realista e uma educação artística que me direccionou para isso. Imagino que isso esteja conectado à forma como fui educado, vendo meus pais lerem certos livros, verem a vida de uma certa forma, filmes que vi na infância e adolescência, mas realmente, não teria como resumir isso tudo. No fim de contas, pouco importa, o facto é que sinto uma atracção muito forte por tragédias secas ou dramas onde uma certa “amargura” se impõe. Acho que conversa com um registo muito realista da vida, onde as desigualdades ocultam muita dor e dureza. E todas as histórias que mais me emocionaram e marcaram na vida tinham a ver com isso: roteiristas, directores e escritores com uma sensibilidade aguda para isso, uma coragem para expor aspectos das relações humanas que poucos têm.
BDBD - Em breves palavras, como defines a situação da Banda Desenhada no Brasil?
RC - Creio que esteja bem, passando por um momento de expansão em termos de quantidade de títulos e interesse tanto por editores quanto pelo público. O melhor da sua história, creio. Mas é difícil fazer essa avaliação sem levar em conta o tamanho do país e a proporção de leitores que realmente compram livros de BD no país. É baixo, se a média é de dois mil livros vendidos, para autores que publicam em editoras de pequeno e médio porte, num país com mais de vinte milhões de habitantes, e então ficamos deprimidos. Mas para quem anda acompanhando a produção intimamente nos últimos anos, é perceptível que há novos e ambiciosos livros circulando no país, e muito graças ao movimento independente de autores, que passaram a se auto-publicar e vender seus livros em eventos e feiras, outra frente que ganhou muita força nos últimos anos.
BDBD - A BD Portuguesa, mesmo minimamente, é conhecida no Brasil?
RC - Infelizmente não, e me pergunto porque não... Mas há mais projectos agora com o envolvimento de portugueses do que jamais houve. Paulo Monteiro foi aqui publicado. O roteirista André Morgado também apareceu nas livrarias e, na cena independente, já é possível participar em conversas onde Pedro Moura é citado, tal como Filipe Abranches ou Amanda Baesa. A Internet agrega um elemento meio confuso aí, né? Todo o mundo conhece tudo e, mesmo que não seja uma entrada formal no mercado, os autores estão agora ali, a distância de um clique.
BDBD - Quando pensas voltar a Portugal... talvez pelo teu próximo álbum (qual é ele?...)?
RC - Ainda não sei dizer. Não tenho previsão. Tirei um ano para não fazer livros, mas este ano já está acabando. Ano que vem, volto com mais energia, provavelmente para fazer mais alguns volumes de “O Beijo do Adolescente”, série que venho fazendo há uns cinco anos. Há outras propostas em curso, mas nada de concreto.
Duas pranchas da série "O Beijo do Adolescente"
Obrigado, Rafael, por nos teres concedido esta entrevista.
Registamos, ainda, o nosso reconhecimento ao editor Rui Brito pelo apoio prestado.
LB
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