sexta-feira, 17 de novembro de 2017

ENTREVISTAS (26) - RAFAEL COUTINHO (1.ª parte)

Rafael Coutinho (Foto: www.universohq.com)
É um dos mais marcantes criadores da actual Banda Desenhada brasileira.
Nasceu a 1 de Janeiro de 1980, em São Paulo, onde reside e onde cursou Artes Plásticas na Universidade Estadual.
É filho de outro famoso desenhista brasileiro, Laerte Coutinho, que marcou digna presença no Salão Internacional de BD de Beja, em Maio de 2014.
Por sua vez, Rafael Coutinho, já esteve duas vezes em Portugal: em 2014 (Outubro/Novembro), no Festival da Amadora, onde apresentou o seu álbum “Cachalote”; e em 2017 (Maio), no Festival de Beja, onde apresentou o seu álbum “Mensur”. Ambas as edições são da Polvo, sob coordenação de Rui Brito.
Além de desenhista, Rafael Coutinho é também argumentista, editor, pintor, ilustrador e animador cultural. Muito afável no trato, está sempre atento ao mundo sócio-político que o envolve no dia-a-dia.
Já tem obra notável, da qual salientamos alguns títulos: “O Beijo do Adolescente” (já com três tomos), “Irmãos Grimm em Quadrinhos” (um álbum colectivo, onde participou com a sua versão de “Branca de Neve e os Sete Anões”), “Bang Bang” (álbum colectivo, onde desenhou “Sobre Daisy”), “Cachalote“ (com argumento de Daniel Galera), “Muchacha“ (onde colaborou com seu pai, Laerte Coutinho), “As Surpreendentes Aventuras do Barão de Munchausen” (segundo a obra homónima de Rudolf Erichraspe) e “Mensur”. Acrescente-se ainda que, numa certa linha humorística, parodiou em “Mónica e Cebolinha, Adultos”, personagens célebres de Maurício de Sousa.
Registe-se também que o seu espantoso álbum “Cachalote”, além de editado no Brasil (2010) e em Portugal (2014), também foi editado em França, em 2012.
Daí que, para não “perdermos” mais tempo, urgia esta entrevista que - por ser tão extensa - optámos por publicar em duas partes.

BDBD - Rafael, já vieste por duas vezes a Portugal, aos Festivais da Amadora e de Beja. Em breves palavras, que melhores recordações guardas por estas tuas presenças em terras lusas?
Rafael Coutinho (RC) – Foram duas viagens muito importantes, mas muito diferentes. Fiquei mais tempo na segunda, pude conhecer melhor regiões distintas do país, conheci mais autores, me sentia mais preparado para absorver e aprender sobre o país. A primeira vez, na Amadora, foi muito carregada de emoções relacionadas às nossas origens como colónia portuguesa, coisa que tinha ouvido muito de outros brasileiros.
É emocionante e um tanto paralisante conhecer Portugal pela primeira vez, muita coisa se explica para o brasileiro, e tudo impressiona demais.

BDBD - E da segunda vez?
RC - Já na segunda vez, não só fui muito bem recebido em Beja e pude mergulhar melhor na cultura lusófona, como contei com a ajuda de muitos amigos brasileiros e portugueses, que me acolheram e me orientaram em outras regiões. Pude viajar de combóio do sul ao norte, tive mais tempo mesmo para entender a BD local, entender o contexto, um pouco da história.

BDBD - O teu “Cachalote” também foi editado em França. Isto marca uma boa alegria para a tua carreira?
RC - Marcou na época, mas já faz tempo. Acho importante e emocionante ser publicado fora do país, mas tento focar no que tenho em frente a mim para fazer. Me divido em muitas actividades ao mesmo tempo, coordeno projectos, dou muitas aulas, viajo bastante pelo Brasil. Tirei um ano para não fazer nenhum álbum e poder me reciclar, respirar outros ares e confesso que tem sido bom. Acredito muito nessa frente educativa, somos um país muito grande que se distanciou dos seus leitores. A maior parte da população perdeu o interesse nos quadrinhos, e percebo que há interesse e desejo de se aproximarem mais. Este foi um ano de muita aprendizagem para mim, nessa frente.

BDBD - Sim, mas... e a edição em França?
RC - Esta minha resposta sugere que eu não ligue para o mercado francês, porque foco no território brasileiro, o que não é o caso. Acho que é sonho de grande parte dos autores brasileiros publicar em França, conquistar os corações dos atentos leitores europeus em geral. Há uma idealização muito distante da realidade em relação ao mercado franco-belga no Brasil; os autores ainda acham que o desenhista francês vive tranquilo, sendo bem pago e podendo dedicar-se exclusivamente às suas histórias. Parte disso também se deve a um certo eurocentrismo do meio (o mesmo acontece com o mercado americano), alimentado pela própria postura dos europeus frente ao que é produzido fora dali. Quando o “Cachalote” aí foi publicado, fui a França algumas vezes e pude entender que a realidade é bem diferente, pois ninguém está ficando rico fazendo BD (ou pelo menos, a grande maioria) e que há um inchaço preocupante que se mistura a condições extenuantes de trabalho, coisa que os brasileiros conhecem bem. Ou seja, o livro foi bem, mas a tiragem era baixa, e somos, eu e o Daniel, ainda pouco conhecidos no país. Acabei percebendo o óbvio: o que importa mesmo, são os livros, e tratar de mergulhar fundo nas obras, nos projectos. Mas sim, foi muito bom, tanto para a minha carreira quanto para o meu imaturo ego de artista.


Rafael e Laerte Coutinho, dois dos expoentes
da BD brasileira actual
BDBD - Teu pai, Laerte Coutinho, teve influência para te interessares pelas artes, nomeadamente a Banda Desenhada, ou tal inclinação surgiu por ti próprio?
RC - Ele, claramente, foi uma influência. Ter um pai artista e vê-lo trabalhar diariamente nisso, teve um impacto brutal em mim, assim como a Medicina na vida de minha mãe. Foi muito importante para que eu me preparasse para as dificuldades dessa escolha, e pudesse buscar outras frentes, como animação, pintura, artes visuais, cinema. Mas ele ainda me influencia muito, somos muito amigos e próximos, fazemos projectos juntos, damos aulas. Ele me inspira muito, é uma mulher corajosa, engraçada, muito divertida.

BDBD - E preferes ser um autor total ou trabalhar em parceria com um argumentista como, por exemplo, o Daniel Galera em “Cachalote“?
RC - Ambos os processos me atraem muito. Não saberia separar. Costumo ter muitas coisas ao mesmo tempo, e percebi que buscava intuitivamente por um equilíbrio entre ambas... Projectos colectivos e/ou a solo, um alimentando o outro.
(continua)

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