José Ruy aceitou, amavelmente, o nosso convite, sugerindo-nos que lhe indicasse-mos alguns temas para trabalhar. E nós, que há muito desejávamos abordar no nosso blogue o tema da Censura, de imediato lho recordámos, atendendo ao facto de José Ruy ter vivido essa experiência enquanto autor de banda desenhada.
Assim nasceu um novo conjunto de artigos, cuja publicação se inicia hoje, com tudo aquilo que José Ruy nos tem a contar acerca desse período conturbado das Histórias em Quadrinhos em Portugal, findo apenas a 25 de Abril de 1974, quando a Revolução dos Cravos pôs termo a 48 anos de Ditadura, deixando lugar à liberdade de expressão.
BDBD
A propósito da recente comemoração, em 2020, da Revolução de 25 de Abril de 1974, o BDBDBlogue pensou debruçar-se em algumas questões sobre a ação que a censura exercia nas histórias ilustradas publicadas nos jornais infantojuvenis nos anos 1950.
Pela minha parte, posso partilhar a experiência que tive, pois atravessei todo o período em que a censura nos ensombrava na criação das histórias que escrevíamos e desenhávamos.
Os jornais iam à censura prévia, onde os desenhos eram submetidos a cortes e correções. Mas os livros só eram enviados para aprovação depois de publicados. Isso representava, caso os "censores" fizessem cortes, perder toda uma edição para ser retificada, ou simplesmente cortada completamente. O prejuízo era enorme para o editor, e esmorecia a coragem de avançar com temas subjetivos, à partida, de serem censurados.
Para compreenderem melhor, vou mostrar exemplos em simulacro, de como as publicações dessa época eram obrigadas a submeterem-se às ordens da censura.
A prancha seguinte é de Fred Harman, o grande autor norte-americano da série "Red Ryder".
Vamos simular que ia ser publicada numa revista. Eram enviadas provas à censura, juntamente com o texto traduzido, claro.
De volta, a prova viria com cortes para que depois pudesse ser publicada. As armas de fogo não podiam ser apontadas às pessoas, portanto era preciso elimina-las do desenho.
Na redação, com guacho branco tapavam as armas, ficando o desenho com este aspeto caricato.
Era interdito desenhar cenas de violência, apontar armas de fogo a pessoas, tal como vestimentas arrojadas nos corpos femininos. As saias não podiam ser mais curtas do que o nível do joelho, nem as mangas acima do cotovelo, e por aí adiante, incluindo decotes.
No género de histórias publicadas no Cavaleiro Andante, não acontecia terem motivos a serem sujeitas a estes cortes mas nas edições da Agência Portuguesa de Revistas era muito frequente, pois eram de carácter policial e western.
Mas estas diretrizes não se aplicavam só a desenhos. Também se estendiam às fotos das revistas de cinema que apresentassem pin-ups. Neste caso era mais difícil a emenda pois tínhamos de "tapar" as zonas desnudadas com tinta retoque. Eu trabalhava nessa altura no Diário de Notícias, no departamento de Rotrogravura, e cabia-me a mim essa tarefa pois os acrescentos nas fotos tinham de ser feitos de modo a não se notar que fora um corte da censura.
A foto de baixo é dos anos 50. Mostro a seguir como só era permitido que saísse na revista, depois de retocada.
As fotos, depois da intervenção, iam novamente à aprovação, para confirmação do censor.
Naturalmente que os diretores dos jornais eram industriados nessas determinações e impediam, à partida, que se realizassem "ousadias".
Os redatores recebiam da direção essas orientações e, por sua vez, apertavam connosco, os autores. Era uma autocensura que se instalava na nossa cabeça, de modo que quando criávamos uma cena, tínhamos em conta que poderia ser cortada.
A fiscalização partia logo de cada um de nós. Por isso, ao elaborarmos as obras, pensávamos ao mesmo tempo na maneira de contornar essas imposições para evitar o lápis azul, obedecendo por um lado mas, por outro, conseguindo não alterar a mensagem que pretendíamos passar.
Não era fácil, mas conseguíamos por vezes. Mostrarei como nos artigos posteriores.
Quando, na década de 1950, colaborava na revista "Cavaleiro Andante" , ao terminar a história em publicação do romance "O Bobo", de Alexandre Herculano, que, por ser histórico, deixavam passar as batalhas e as mortes violentas das personagens, pensei que tema iria escolher para desenhar a seguir...
O próximo artigo:
Na nova história escolhida, foi preciso não alertar a censura...
Venerando Mestre,
ResponderEliminarBravo pelo artigo, é dos temas que convém deixar para as gerações futuras perceberem o passado e o "mind set" da altura. Precisamente nesse sentido, não acha que seria bom estender a pesquisa histórica sobre censura a toda a BD de ambos os lados do Atlântico, a Norte e a Sul para perceber de que modo era geral, não apenas em Portugal, nem própria apenas do regime pós 28 de Maio. No pós-guerra europeu, especialmente no que toca a edições para a juventude foi particularmente severa.
www.toutspirou.fr/Censure/Censure.html
Por outro lado, e esta constitui apenas curiosidade minha. Porquê é que está redigido em pt-Br? Em Portugal a BD sempre foi denominada "histórias aos quadradinhos" e não aos quadrinhos. Porquê essa opção?
Antecipadamente grato,
Meu caro Jorge Madeira, obrigado pelo seu comentário. Sobre o desenvolvimento da ação da censura em Portugal, há um tese do Ricardo Pinto Leite, sobrinho do Roussado Pinto,que irá ser publicada ainda este ano, que contempla esse tema de uma maneira brilhante. A opção de eu denominar de preferência, a «BD» por Histórias em Quadrinhos e não Quadradinhos, é que acho muito mais correto. Nós fazemos pequenos quadros em sequência, e não quadrados. As vinhetas ora estão dentro de quadrados ou retângulos e até de círculos. Por isso prefiro o termo que os brasileiros usam.
ResponderEliminarDisponha, meu caro. Mas a censura não se limitava a cortar desenhos e fotografias, como poderá ver no seguimento destes artigos. Abraço
José Ruy
Desculpe-me, caro Jorge Macieira, pois troquei-lhe o nome. É o que acontece quando se fazem muitas coisas ao mesmo tempo.
ResponderEliminarForte abraço
José Ruy