sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (3)


3) AS DECISÕES NA ORIENTAÇÃO DO JORNAL

Como exemplifiquei no artigo anterior, o António Cardoso Lopes, Tiotónio, diretor artístico de «O Mosquito» funcionava como um maestro que perante um naipe de instrumentistas ia dando ordem de entrada a cada um ou a um grupo, conforme achava que a sinfonia ia precisando.
Claro que essas decisões não eram diárias, a redação reunia uma vez por mês, sem dia certo, e estavam presentes além dos diretores, o Eduardo Teixeira Coelho, o José Padiña, a partir da altura em que iniciou a sua colaboração no jornal e o Roussado Pinto depois que o seu jornal «Pluto» acabou e o Tiotónio o acolheu na redação de «O Mosquito». Por vezes reuniam de emergência, como uma vez em que as vendas de «O Mosquito» baixaram numa semana, embora pouco, e era preciso tomar medidas urgentes, novas ideias, novos estímulos.
Foi quando por sugestão do Teixeira Coelho coadjuvado pelo Raul Correia, surgiram rubricas como «Curiosidades de todo o mundo», «A História do Carro», «Secção dos Sábios», «Coisas do Arco-da-Velha» e «Mulheres Celebres».
O Tiotónio, para não sobrecarregar a tipografia, muitas vezes escrevia as legendas
diretamente na chapa de zinco, como nesta página das «Curiosidades».

Mas as novas rubricas não podiam sair logo nessa mesma semana, e quando surgiram à cena já o jornal tinha recuperado as vendas, antes de qualquer alteração. O Tiotónio dizia que o êxito em volume de vendas era uma incógnita. Podia-se planear tudo rigorosamente para dar certo, mas o resultado era imprevisível. Ainda hoje é assim.

A colaboração tinha um avanço de algumas semanas em relação à sua publicação. As provas das histórias inglesas chegavam em pequenos lotes, com irregularidade devido aos efeitos da Segunda Guerra Mundial e alguns episódios perderam-se por terem sido bombardeados os navios que traziam esse correio. Daí as falhas na sua publicação, obrigando a dar pequenos saltos na história, que o Raul Correia compensava num texto a fazer ligação com as cenas anteriores.
Felizmente o autor José Pires de parceria com o Américo Coelho, colecionador, e o José Vilela, editor, têm atualmente publicado essas aventuras completas em livro com as páginas originais que falharam n’ «O Mosquito». E é curioso como tem tido a melhor aceitação da parte dos ingleses.
Capa e prancha do "Fandaventuras Especial" # 1, onde se recupera a 1.ª parte de "O Gavião dos Mares"
Esse avanço permitia ao seu autor evitar a interrupção de uma história se algo lhe acontecesse, mesmo temporariamente. Em 1946 o Teixeira Coelho teve um esgotamento devido ao muito trabalho que desenvolvia. Esteve umas semanas em repouso, mas isso não se sentiu no ritmo da publicação das suas ilustrações. Restabelecido, conseguiu recuperar rapidamente o avanço perdido.
Nessa época não era costume os autores entregarem a história completa antes do início da publicação e acontecia até, embora o argumento estivesse alinhavado desde o princípio, fazerem alterações, às vezes por influência de alguma opinião vinda do público mais chegado que ia acompanhando a história.
Eu próprio tive um percalço na História em Quadrinhos que publiquei nesse jornal. Dei-lhe o título de «O Reino Proibido» e tinha um avanço considerável, pois o jornal continuava a ser bi-semanal.
Aconteceu que nessa época estava a trabalhar no ateliê do Manuel Rodrigues e Sebastião Rodrigues em publicidade, bem como em montras e exposições documentais.
Em dada altura a equipa foi deslocada para Coimbra, pois tínhamos de montar uma exposição na Universidade; o trabalho prolongou-se mais do que o previsto e esgotou-se o avanço que tinha da história sem ter no local condições para continuar a desenhar a continuação.
O Raul Correia estava desesperado e ia escrevendo no jornal, «que por doença do autor ainda não nos é possível neste número…»
Mas só consegui terminar as pranchas em falta quando regressei a Lisboa. Curiosamente, nesse espaço de tempo o formato do jornal havia sido alterado, para o dobro. Valeu-me fazer os originais duas vezes maiores do que o tamanho da publicação.
(Continua)

No próximo artigo: A TERTÚLIA NA REDAÇÃO DE «O MOSQUITO»

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