domingo, 23 de fevereiro de 2014

O MISTÉRIO FERNANDES SILVA

Fernandes Silva
Este é, talvez, um caso inédito (pelo menos, é o primeiro) do BDBD: que é feito de Fernandes Silva?... Quem nos ajuda a saber, o que quer quer seja, deste altíssimo valor da nossa BD? Deixamos aqui o nosso apelo, tão fraterno quão bedéfilo!
Ora agora vamos lá à vida, personalidade e invejável obra de Fernandes Silva.
De seu nome completo António Fernandes da Silva, nasceu em Lisboa a 18 de Agosto de 1931.
Frequentou a famosa escola-forja de desenhistas ilustres, Escola António Arroios.  
Há pouco mais de três anos, data em que terei (eu, LB) tido o último contacto pessoal com este mestre, vivia ele na Brandoa.
Como opção pessoal da sua personalidade, evitou (ou evita) de todo os "altos" convívios. Em encontros pessoais - mais duas ou três pessoas (ainda vá...) - era de uma afabilidade exemplar. Cuidado: digo "foi, era, é..." porque nada sei do mestre!
Eu telefonava-lhe sempre a 18 de Agosto, pelo seu aniversário, mas esse telefone já não existe!... Sabe-se, nos meios da BD, que tem um filho... de quem ninguém tem um qualquer contacto!...
Consegui-lhe duas entrevistas (que redundaram numa mútua amizade de encontros de ocasião), uma para o extinto semanário lisboeta "Branco e Negro" e outra para o "Almada BD Fanzine" n.º 6. 
Foi homenageado pelo conjunto da obra no Salão "SobredaBD/2000". Óbvio, não esteve presente, mas recebeu o respectivo "Troféu Sobredão" em sua casa, via correio postal, que agradeceu.
Até há pouco tempo, era normal encontrarmos Fernandes Silva, aos sábados de manhã, na FNAC (Chiado) ou na feira semanal de livros e postais, na  Rua Anchieta. Depois..."desapareceu". Ninguém sabe dele!... Nem eu, nem o seu amigo A.J.Ferreira, nem o Leonardo De Sá, nem o José Manuel Vilela, nem o Geraldes Lino... Que mistério!
Mestre José Ruy (mais ou menos seu vizinho), a meu pedido, incomodou-se a ir procurá-lo... Foi um incómodo amigo que deu no zero ou, como versejou o grande poeta Reinaldo Ferreira (filho), "um voo cego a nada". E agora?
Fernandes Silva pertence e pertencerá a um lugar de extrema honra de quatro grandes da Banda Desenhada Portuguesa de alto coturno: Eduardo Teixeira Coelho, Fernando Bento e, na linha explicitamente humorística, além dele próprio, também o extraordinário Artur Correia.
Ilustrador e desenhista (BD), Fernandes Silva estreou-se em 1950 no suplemento "República dos Miúdos" (do extinto jornal lisboeta "República"). 
Depois, demarcou-se bem nas publicações "Diabrete", "Cavaleiro Andante", "Flecha", "Pisca-Pisca" e "Camarada" (2.ª fase), sempre agarrando qualquer atento leitor bedéfilo tanto pelo seu traço fino e cativante como pela sua genial loucura do non sense da maioria da sua obra. Formidável!
Um dos seus primeiros heróis foi o traquina garoto "Cuca".
Aventura de "Cuca" publicada no "Cavaleiro Andante" (n.º 283)
Aventura de "Cuca" publicada no "Camarada" (n.º 10)

Mas o herói que o projectou com plena justiça e entusiasmo para a bela fama e popularidade, foi o incrível e avassalador "O Ponto", um detective de cabeça redonda e sem rosto e (lógico) fumador de cachimbo, tão herói como desastrado, que participou em três aventuras: duas no saudoso "Diabrete", que foram "Loja de Bonecos" e "Por Causa de uma Talhada de Melão" (esta, reeditada no n.º 8 dos "Cadernos Sobreda BD") e, na revista "Flecha", a terceira aventura que ficou tristemente incompleta porque a revista em questão se finou subitamente!...
"Loja de Bonecos"  ("Diabrete" n.º 856)

"Por Causa de uma Talhada de Melão" ("Diabrete" n.º 883)

Uma outra loucura da sua arte, é "O Estranho Caso do Dr. Rapioca", publicada no "Diabrete" (do n.º 867 ao 874) e reeditada no "Almada BD Fanzine", n.º 6.
Prancha publicada no "Diabrete" (n.º 867)

Mas, porém, todavia, contudo... para além da irresistível paixão por "O Ponto", a cereja no topo do bolo da obra belíssima de Fernandes Silva, assenta em pleno na sua espantosa adaptação à BD (considerada, invejável e internacionalmente, como uma das mais belas e conseguidas) do clássico literário de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas" (história publicada no "Cavaleiro Andante" do n.º 1 ao n.º 26, com as duas últimas pranchas, a quatro cores, no respectivo suplemento, "O Pagem").
Prancha publicada no "Cavaleiro Andante" (n.º 18)

Criminosamente - é o termo - nenhuma obra deste genial autor-BD existe, até hoje, em álbum!... O único, justo e respeitável carinho, aproximativo, foram os exemplares (esgotados) no "Almada BD Fanzine" e "Cadernos Sobreda BD", acima citados.
Capas das publicações da Sobreda BD dedicadas a Fernandes Silva

Muito, muito e muito aqui fica por se dizer sobre a admirável vida e carreira de Fernandes Silva, assuntos que ficarão para uma provável e futura abordagem. Até lá, e uma vez que os contactos com o detective "O Ponto" não estão a funcionar, perguntamos (em re-apelo de ajuda):
- Que é feito desse grande senhor da BD Portuguesa que assinava como Fernandes Silva? 
LB

N.º Especial do "Cavaleiro Andante" (Junho de 1953)


Ilustração para o "Pisca-Pisca" (n.º 1)

Ilustração para o "Pisca-Pisca" (n.º 3)
Ilustração para o "Pisca-Pisca" (n.º 3)

Agradecemos a Carlos Gonçalves a cedência de algumas imagens para este post.

6 comentários:

  1. Plenamente de acordo contigo, Luiz Beira. Fernandes Silva foi, dentro do género estilístico que cultivou, o mais talentoso de todos os seus pares. Apenas com o senão de ter deixado precocemente de fazer BD. A sua adaptação da obra de Lewis Carroll é notável, e deixa na sombra outras que conheço de autores estrangeiros (a de Dany, por exemplo).

    Tens razão quando me citas, englobando-me no restrito grupo de pessoal da BD que contactou com Fernandes Silva. No meu caso, apenas duas vezes. A última em que tive o privilégio de falar com ele foi na Calçada ("Escadinhas") do Duque, há uns três ou quatro anos.

    Também estou de acordo com a análise que fazes da sua personalidade esquiva, visto que o convidei para ir à Tertúlia BD de Lisboa, a fim de ser Homenageado (tive a precaução de atenuar o vocábulo "homenageado", dizendo-lhe que se trataria de uma homenagem informal, sem discursos nem ramos de flores). E, obviamente, de forma muito delicada e correcta, esquivou-se de forma a não me dar quaisquer hipóteses de insistir.

    Fernandes Silva: Como autor de BD, inigualável; como pessoa, com todo o respeito, um "study case".

    GL

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    1. Pois amigo Luiz Beira, o Fernandes Silva foi um dos meus diletos colegas e amigos da escola António Arroio e acompanhámo-nos durante muitos anos. Ultimamente encontrávamo-nos nas feiras do livro de Lisboa, quando eu me encontrava a dar autógrafos, e frequentemente estávamos em contacto telefónico. Muitas vezes combinámos uma visita sua ao meu ateliê, que sempre por um motivo imprevisto da parte dele, ficava adiado.
      A pedido do Luiz Beira fui até à morada conhecida, mas aí não consegui localizá-lo nem obter informação sobre o seu paradeiro.
      Mas a amizade mantem-se.
      José Ruy

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    2. Muito e muito obrigado pelas tuas palavras e teu parecer, Geraldes Lino. Vamos lá a ver se alguém resolve o enigma do seu "desaparecimento"...
      Um abraço
      Luiz Beira

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    3. Carissimo José Ruy:
      Muito obrigado pelo seu tão amável comentário.
      Reitero o meu reconhecimento pela sua diligência em tentar encontrar, a meu pedido, o nosso amigo Fernandes Silva.
      Um grande abraço
      Luiz Beira

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  2. Lamento informar que o Fernandes Silva faleceu há já uns anos. Infelizmente, parece que ninguém do lado da BD soube da triste notícia na altura, porque o próprio mantinha as distâncias com toda a gente, mesmo antigos colegas. É pena que cultivasse esse lado ermita, porque se poderia ter feito a devida homenagem pelo menos por essa ocasião. O artista merecia. RIP

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    1. Caro Leonardo :
      Muito te agradeço esta notícia, muito embora seja uma verdade bem triste. Sempre admirei muito a sua obra e, desde que nos conhecemos pessoalmente em 1977, que ele sempre demonstrou muita consideração por mim. O seu "silêncio" que já se arrastava, fez-me tentar por todas as vias possíveis ao meu alcance saber desse "mistério"... até a este post acima, que finalmente resultou numa resposta de tua parte. No entanto, na tua indicação, falta um pequeno, brevíssimo e necessário pormenor: em que data (pelo menos o ano) faleceu? Dizeres que foi "há já uns anos", não me esclarece, nem ao BDBD e nem aos bedéfilos. Se puderes e quiseres dar esta indicação, desde já o meu sincero reconhecimento.
      Um abraço
      Luiz Beira

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