Artur Correia |
BDBD - Com vasta e honrosa carreira pela Banda Desenhada, alguma vez se arrependeu de ter apostado por esta Arte?
Artur Correia (AC) - Nunca, jamais, em tempo algum, porque foi sempre a paixão da minha vida, desde os meus cinco anos.
BDBD - Tem seguido sempre a linha humorística. É difícil?
AC - É uma questão de predisposição. Desde muito novo, sempre gostei de ler autores humorísticos como André Brun, Armando Ferreira, Jerome K. Jerome, Enrique Jardiel Poncela e Wenceslau Fernandez Flores. Adorava ler as obras deles que certamente me marcaram. Mas também li autores mais sérios.Também fui muito marcado pelos filmes da Disney e daí o ter igualmente feito Cinema de Animação.
BDBD - Acha que o nosso País o tem reconhecido, ou seja, tem dado valor ao seu talento e à sua obra?
Artur Correia quando foi "Convidado de Honra" no salão Moura BD, em 1994 |
BDBD - Acha que o nosso País o tem reconhecido, ou seja, tem dado valor ao seu talento e à sua obra?
AC - Acho que sim. E indico neste sentido, os Salões onde participei: Sobreda, Moura, Viseu, Amadora e Beja. São grandes pólos da BD em Portugal.
BDBD - E quanto ao pessoal das novas gerações, o que pensa?
AC - Vejo muita qualidade, muito espírito e muito talento, mas poucas oportunidades para serem divulgados. Mas a carência não está só nas edições. O público compra pouco. E a crise ainda veio aguçar mais este problema. E, sem desprimor para qualquer um, cito que gostei muito do álbum "Fado Ilustrado" do Jorge Miguel. Sendo uma obra séria, ele soube incutir uma correcta ironia no retrato de vários personagens.
BDBD - Tem três álbuns abordando a culinária: "À Roda do Tacho", "Os Nabos na Cozinha" e "Lenda da Chanfana". Também gosta de cozinhar ou apenas de saborear o que sai do tacho?
Projecto de capa para "Lenda da Chanfana" |
AC - Eu nunca tive jeito para cozinhar. Já quando acampava, eu era uma autêntica nódoa. Mas aprecio um bom prato.
BDBD - O que está para ser editado de sua criação?
AC - Tenho vários projectos entregues na Bertrand. O primeiro é "O Abecedário dos Inventos", agora com mais e novas pranchas. Depois, "A Nau Catrineta" e o "Auto da Mofina Mendes".
BDBD - E "As Guerras de Alecrim e Manjerona"?
Prancha 1 de "A Nau Catrineta" (inédito) |
AC - Penso acabar um dia... Desde que a minha mulher foi operada, afrouxei o trabalho, mas já tenho cerca de trinta pranchas elaboradas. A par desta história, estou também entusiasmado a fazer "A Donzela Vai à Guerra".
BDBD - De toda a sua obra feita, há alguma que seja a sua preferida?
AC - Sem dúvida, "A História Alegre de Portugal". E explica-se: foi feita com amor para o meu filho e nela se aprende e se diverte.
BDBD - O Cinema de Animação também marcou bem a sua criatividade, mas começou e morreu. Porquê?
AC - Morreu como morrem todas as coisas... Digamos que houve uma luta muito grande desde que acabámos, eu e o Ricardo Neto, os três episódios de "O Romance da Raposa". Fizemos um esforço para se conseguir apoio para "O Tesouro" do Eça e para a continuação de "Contos Tradicionais Portugueses", mas como eles não vieram, em 1994, "fechámos a loja". Desistimos por total falta de apoio.
"O Romance da Raposa" - série de animação realizada por Artur Correia e Ricardo Neto
BDBD - Afinal, como lhe surgiu a sério o caminho para a Banda Desenhada?
AC - A minha inclinação para a Banda Desenhada deve-se à influência de dois autores. O primeiro foi V. T. Hamlin, criador de "Brucutu", e o outro é o Fernandes Silva que, para mim, é o poeta do traço.
BDBD - Que mensagem quer deixar aos seus admiradores?
AC - Todo o meu carinho e amizade por tudo o que têm demonstrado pelo meu trabalho.
ARTUR Costa CORREIA nasceu em Lisboa a 20 de Abril de 1932. Ainda muito garoto, já tinha a paixão pelo desenho, pelo que sentiu sempre muito desagrado quando foi forçado a cursar para serralheiro mecânico na Escola Industrial Machado de Castro, dado que este curso nada tinha a ver com os seus ideais e a sua sensibilidade. E daí que, em tempos livres, logo se escapava para ir fazer desenhos para o jornal de parede "Alerta".
Teria os seus quinze anos, quando os seus primeiros trabalhos foram publicados no "Papagaio". Foi a chave de oiro com que abriu a porta para um universo maravilhoso e para uma bela e imparável carreira que viria a abranger não só a Banda Desenhada, como também, ilustrações soltas, cartunes, capas de revistas e o Cinema de Animação.
Jovem, chegou a jogar futebol e teve larga acção pelo Teatro amador. Profissionalmente, também foi litógrafo por algum tempo.
Porém, a sua carreira foi progredindo (e muito bem!) por uma extensa galeria de publicações: "Camarada", "Fagulha", "Cavaleiro Andante", "O Pajem", "Pisca-Pisca", "Mundo de Aventuras", "Fungagá da Bicharada", "Manchete", "Popular" (de Joanesburgo), "Zorro", "Foguetão" e, mais recentemente, para "Jornal de Almada", "Almada-BD Fanzine", "Shock", "Cadernos Sobreda-BD", "Alentejo Popular", etc.
"Cadernos Sobreda BD" |
Teve um gato, o "Pipoca", que muitas vezes lhe serviu de modelo para divertidos cartunes.
Foi homenageado nos Salões-BD da Sobreda, Moura, Viseu, Lisboa e Amadora. E também lhe foi dedicado um dos encontros da Tertúlia BD de Lisboa. Pelo Cinema de Animação, foi homenageado em Espinho, onde por largos anos, fez parte do Júri do respectivo Festival Internacional de Cinema de Animação. Elaborou o cartaz do salão "Sobreda-BD / 1992".
Para além de argumentos próprios ou de colaboradores próximos, também adaptou à Banda Desenhada, textos de famosos vultos da Literatura: Mark Twain ("O Roubo do Elefante Branco"), Aquilino Ribeiro ("O Romance da Raposa"), Gil Vicente ("Farsa de Inês Pereira" e "Auto da Barca do Inferno"), Manuel Pinheiro Chagas ("História Alegre de Portugal", 1.º tomo), tendo em elaboração "As Guerras de Alecrim e Manjerona" de António José da Silva.
"O Roubo do Elefante Branco" |
A lista dos seus álbuns também é vasta, felizmente: "A Água Que Bebemos", "Esta Palavra Concelho", "Este Concelho de Oeiras", "As Aventuras de D. João e Cebolinha" (seguido de "A Seita da Cobra Verde" e "O Roubo do Elefante Branco"), os seis tomos da série "Histórias da Avozinha", "Era uma vez uma Águia"( história do Benfica), "Era uma vez um Leão (história do Sporting), "Era uma vez um Dragão" (história do F.C.Porto) - estes três últimos com texto de Manuel Dias -, "À Roda do Tacho", "Os Nabos na Cozinha", "O País dos Cágados" (edição dos autores, Artur Correia e o argumentista António Gomes de Almeida), "Lenda da Chanfana", "O País dos Cágados" (nova edição, a cores e aumentada, pela Bertrand), "O Romance da Raposa", "História Alegre de Portugal" (dois tomos, tendo o segundo, argumento de António Gomes de Almeida), "Os Super-Heróis da História de Portugal" (dois tomos) e "Os Descobrimentos a Passo de Cágado" (também com textos de António Gomes de Almeida), tendo participado ainda no álbum colectivo "Salúquia", editado pela Câmara Municipal de Moura,.
No entanto, muitas histórias que criou, sobretudo para a "Fagulha" e para "O Pajem", aguardam a sua recuperação num honroso álbum (pelo menos um...). Citamos alguns: "Madrepérola em Vaso", "Sua Alteza nos Bastidores", "Um Fantasma na Albufeira", "As Aventuras de Tufão", "O Moinho do Diabo", "Tufão no México", "A-Tchim", "O Pirilampo Agradecido", "O Filho de Robin dos Bosques", "O Neto de Robin dos Bosques", "Questões de Opinião", etc.
Prancha de "Os Descobrimentos a Passo de Cágado" |
"Sua Alteza nos Bastidores" e "Madrepérola em Vaso" (revista "Fagulha", 1973)
"O Caldo de Pedra" (Topfilme Produções; realização de Artur Correia)
Registamos as suas palavras, no final da entrevista:
"A minha maior satisfação é saber que toda a minha vida profissional foi feita por aquilo que eu mais gostava: desenhar. A Banda Desenhada e o Cinema de Animação foram os meus dois amores, que me foram depois gratos pelas distinções e amizades que reconheceram o meu trabalho. Às amizades dou o maior valor e quanto às invejas, posso bem com elas!"
Muito obrigado, Artur Correia, pelo seu talento, pela sua obra, pelo seu constante humor e pela sua amizade. Que esta Pátria cinzenta em que vivemos, saiba, mais cedo ou mais tarde, honrar a sua pessoa e o que de tão positivo por ela fez e continua a fazer.
LB
"O Pirilampo Agradecido" (revista "Fagulha, 1973) |
"Aventuras de D. João e Cebolinha", na colecção
"Antologia da BD Portuguesa" (Edições Futura)
"Era uma vez um Dragão", "Era uma vez uma Águia" e "Era uma vez um Leão" - a história dos três grandes clubes portugueses, com argumento de Manuel Dias (Edições ASA) |
"O Páis dos Cágados", com texto de António Gomes de Almeida (edição de autor, com miolo a preto e branco) |
"O País dos Cágados" (edição a cores e aumentada - Bertrand Editora)
"O Romance da Raposa", adaptação da obra de Aquilino Ribeiro
(Bertrand Editora)
"Auto da Barca do Inferno" (Bertrand Editora) |
Óptima entrevista que dá a conhecer o trabalho de um vulto maior da nossa BD. Fiquei, como admirador do seu trabalho, satisfeito por saber que vamos ter o prazer de ler mais algumas das suas pranchas, feitas num registo humorístico muito pessoal. Só é realmente pena que as suas obras mais antigas, e publicadas em várias revistas de BD, ainda não tenham sido publicadas em álbum. Mereciam melhor tratamento e divulgação os nomes maiores da nossa cultura. Mas é o país que temos...
ResponderEliminarTem o amigo carradas de razão, mas no nosso País, já não se aposta grande coisa na qualidade e nos grandes artistas. Uma tristeza!...
EliminarUm abraço
Luiz Beira