Arranjo fotográfico de Ana Vidazinha |
Não me lembro bem quando conheci o Jorge Machado-Dias. Sei que foi em meados dos anos 90, muito provavelmente num festival da Sobreda ou da Amadora, pois, a princípio, era aí que eu tomava contacto com a maior parte da "tribo da BD" (uma expressão que o próprio Jorge tanto gostava de usar).
Capa do "BD Infólio" #1 (Jan.1998) |
Fiquei muito bem impressionado com os conteúdos (não apenas com a reportagem) e com a qualidade gráfica do "BD Infólio". Uma qualidade, aliás, sempre presente nas edições do Jorge, ou não fora ele um editor de fina sensibilidade e um excelente designer gráfico. O "BD Infólio", contudo, só durou mais um número, já num formato fanzine, mais modesto.
Capa do "BD Jornal" #1 (Abril.2005) |
Recordo-me, também, de uma vez - logo no princípio de nos conhecermos - em que o Jorge me telefonou, convidando-me a desenhar a continuação das "Aventuras de Paio Peres"...
O Jorge lembrara-se de mim depois de ler o meu primeiro álbum, "A Moura Salúquia", e de ver o meu traço.
Eu conhecia bem "As Aventuras de Paio Peres" pois tinha um exemplar de cada um dos dois números desenhados pelo Victor Borges, e achei aquilo um desafio. Mas sinceramente já não me lembro porque razão as coisas não avançaram. Provavelmente porque o Jorge e eu nos embrenhámos noutros projectos e acabámos por esquecer o assunto...
Eu, Luiz Beira, Jorge Machado-Dias e Spacca, no Festival BD de Beja (30.05.2015) |
Era o seu lado crítico (mas frontal porque o Jorge escreveu sobre isto muitas vezes), sem papas na língua, que todos lhe reconhecíamos. O seu nível de exigência era assim: acima do dos outros. Mas é justo que se diga que o Jorge não se limitava a criticar: sugeria soluções para os problemas que detectava, tentando ajudar a melhorar aquilo que na sua opinião não estava bem.
Há cerca de um ano encontrámo-nos no Hospital de Santa Maria. Por puro acaso, tínhamos ambos consultas marcadas para o mesmo dia. Enquanto esperávamos, eu e o Jorge (e a Clara, a companheira) pudemos conversar durante mais de uma hora, com calma, sem correrias nem interrupções como acontece nos festivais, onde não se consegue falar com ninguém durante mais de dois minutos seguidos sem ser interrompido. Ali a conversa fluiu sem pressas nem stresses, vagarosamente... quase que diria "à alentejana".
Falámos de BD, claro, e dos projectos que cada um tinha em mente. E falámos da doença... ainda que eu não quisesse aprofundar muito o assunto para não o fazer sofrer. O Jorge, no entanto, abordava aquilo com uma frieza e uma naturalidade impressionantes. Um verdadeiro guerreiro!
Voltámos a falar de BD, dos nossos blogues, dos salões de Moura e de Beja...
A conversa foi interrompida abruptamente quando me chamaram para ser consultado. Despedimo-nos à pressa, com sorrisos forçados. Não se interrompe assim uma conversa, caramba... Mas a vida não quis saber. E foi a última vez que nos vimos.
Descansa em paz, Jorge!
Vamos todos sentir a tua falta cá em baixo...
Carlos Rico
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