4) A TERTÚLIA NA REDAÇÃO DE "O MOSQUITO"
No anterior artigo expliquei
quais os prazos impostos aos colaboradores para a entrega dos seus originais em
relação à data da saída do jornal. Tinha de haver uma segurança para, no caso de
acontecer algum imprevisto a um autor, a publicação não falhar.
Cardoso Lopes e Raul Correia formaram uma empresa com o
nome de «Edições O Mosquito» e foram editados mais jornais e revistas, como
«Engenhocas e Coisas Práticas», «Coleção Aventuras», «Volta ao Mundo» entre
outros títulos.
Ao fim da tarde normalmente começavam a chegar à redação
colaboradores e outros amigos do Tiotónio, como o Eduardo Teixeira Coelho,
Stuart Carvalhais (que litografava diretamente nas chapas Offset as capas de
sua autoria para a revista «Magazine», uma das publicações das «Edições O
Mosquito»), o José Padiña (novelista), o Pintéus de Sousa (que dirigia um jornal
humorístico «Riso Mundial» impresso também na oficina de «O Mosquito»), o Capitão
Baptista Rosa (diretor da Revista «Filmagem», edição da casa), o Santos
Fernando (grande humorista que publicava histórias em jornais do Brasil e
estava empregado numa casa de sementes em Lisboa), o António Velez (autor da
maioria das construções de armar), o Sena Fernandes (um pintor chinês de Macau
que utilizava um dos recantos da redação como ateliê), o Preto Pacheco (pintor com
carreira e que fazia companhia ao Sena Fernandes no «seu» espaço), os irmãos do
Tiotónio, Álvaro Cardoso Lopes (capitão da equipa de hóquei em patins que levou
Portugal a campeão mundial em 1947) e Augusto Lopes (inventor e técnico de som).
Também presente o Roussado Pinto, que entretanto já estava integrado na redação
do jornal, e o dono da «Agência Upi», Manuel Mesquita dos Santos. Este foi quem
fornecia as histórias de origem americana.
A irmã mais nova do Tiotónio, Mariana Cardoso Lopes, a
Tia Nita, diretora de «A Formiga» suplemento de «O Mosquito», passava por lá só a
seguir ao almoço quando saía da faculdade. A reunião dava-se na sala onde eu
selecionava as cores. Era a que agradava mais ao Tiotónio. Tinha duas janelas
disponíveis para a rua, as outras estavam na sala de composição tipográfica e
na sala da máquina e aí não havia espaço nem ambiente para a tertúlia.
Foi na revista "Engenhocas..." que o Eduardo Teixeira Coelho começou a trabalhar para o Tiotónio. Depois passou também a colaborar na "Coleção Aventuras" antes de se radicar n' "O Mosquito". |
A revista "Magazine", que o Stuart litografava diretamente no zinco, sem um original pintado previamente, e uma capa da revista "Riso Mundial". |
A Tia Nita, o Tiotónio, Teixeira Coelho e eu na sala do desenho litográfico onde se realizavam as tertúlias. |
O suplemento feminino "A Formiga" - capa do n.º 1, páginas centrais de um volume já encadernado... |
... e uma das construções de armar de António Velez |
Um rapaz de que não me lembro o nome e que acompanhava o
Pintéus de Sousa, foi certa vez alvo de uma brincadeira. Não assisti ao início
mas uma parte do grupo dizia-lhe «…e
Saramago» (não tinha nada a ver com o escritor José Saramago, isto
passou-se em 1948). O rapaz irritava-se e reagia sempre mal. Então passavam o
tempo a dizer-lhe isso, em meio de uma conversa, repentinamente. Escreviam-lhe
postais para casa com esse dito, metiam-lhe nos bolsos sem que desse por isso,
papéis escritos e quando ia tirar o lenço saltava a frase. Não cheguei a saber
quem seria esse Saramago nem o que lhe teria feito, pois limitava-me a ouvir
sem perguntar. Cada um dizia o que achava de contar na altura própria. Eu não
impunha a minha presença, esperava que a aceitassem.
Esse jogo durou umas semanas. Também lhe telefonavam para
o emprego e para casa; ao atender ouvia o clássico «e Saramago!»
Pois era este o ambiente na redação de «O Mosquito».
Tratavam-se assuntos sérios, trabalhava-se intensamente para produzir o jornal
duas vezes por semana mas havia um sentido de humor inimaginável. Era o
extravasar da tensão criada durante um dia pleno de trabalho intenso, que se
prolongava por sábados e às vezes domingos.
(continua)
No próximo artigo: COMO ERA A REDAÇÃO DE "O PAPAGAIO"
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