terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A VIDA INTERIOR DAS REDAÇÕES DOS JORNAIS INFANTO-JUVENIS na memória de José Ruy (4)


4) A TERTÚLIA NA REDAÇÃO DE "O MOSQUITO"


No anterior artigo expliquei quais os prazos impostos aos colaboradores para a entrega dos seus originais em relação à data da saída do jornal. Tinha de haver uma segurança para, no caso de acontecer algum imprevisto a um autor, a publicação não falhar. 
Cardoso Lopes e Raul Correia formaram uma empresa com o nome de «Edições O Mosquito» e foram editados mais jornais e revistas, como «Engenhocas e Coisas Práticas», «Coleção Aventuras», «Volta ao Mundo» entre outros títulos.
Foi na revista "Engenhocas..." que o Eduardo Teixeira Coelho começou a trabalhar para o Tiotónio. Depois passou também a colaborar na "Coleção Aventuras" antes de se radicar n' "O Mosquito".
Ao fim da tarde normalmente começavam a chegar à redação colaboradores e outros amigos do Tiotónio, como o Eduardo Teixeira Coelho, Stuart Carvalhais (que litografava diretamente nas chapas Offset as capas de sua autoria para a revista «Magazine», uma das publicações das «Edições O Mosquito»), o José Padiña (novelista), o Pintéus de Sousa (que dirigia um jornal humorístico «Riso Mundial» impresso também na oficina de «O Mosquito»), o Capitão Baptista Rosa (diretor da Revista «Filmagem», edição da casa), o Santos Fernando (grande humorista que publicava histórias em jornais do Brasil e estava empregado numa casa de sementes em Lisboa), o António Velez (autor da maioria das construções de armar), o Sena Fernandes (um pintor chinês de Macau que utilizava um dos recantos da redação como ateliê), o Preto Pacheco (pintor com carreira e que fazia companhia ao Sena Fernandes no «seu» espaço), os irmãos do Tiotónio, Álvaro Cardoso Lopes (capitão da equipa de hóquei em patins que levou Portugal a campeão mundial em 1947) e Augusto Lopes (inventor e técnico de som). Também presente o Roussado Pinto, que entretanto já estava integrado na redação do jornal, e o dono da «Agência Upi», Manuel Mesquita dos Santos. Este foi quem fornecia as histórias de origem americana.
A revista "Magazine", que o Stuart litografava diretamente no zinco, sem um original pintado previamente, e uma capa da revista "Riso Mundial".
A irmã mais nova do Tiotónio, Mariana Cardoso Lopes, a Tia Nita, diretora de «A Formiga» suplemento de «O Mosquito», passava por lá só a seguir ao almoço quando saía da faculdade. A reunião dava-se na sala onde eu selecionava as cores. Era a que agradava mais ao Tiotónio. Tinha duas janelas disponíveis para a rua, as outras estavam na sala de composição tipográfica e na sala da máquina e aí não havia espaço nem ambiente para a tertúlia.
A Tia Nita, o Tiotónio, Teixeira Coelho e eu na sala do desenho litográfico
onde se realizavam as tertúlias. 
O suplemento feminino "A Formiga" - capa do n.º 1, páginas centrais de um volume já encadernado...

... e uma das construções de armar de António Velez
Nessas tardes falavam de tudo, de arte, das novas Histórias em Quadrinhos de origem norte americana e francesa, dos acontecimentos recentes, das novidades, de política, e de anedotas algumas verdadeiras que estavam sempre a acontecer a cada um deles. Eu precisava de estar concentrado na seleção das cores mas ia ouvindo deliciando-me. Só quando terminava as chapas podia participar. Eram todos muito simpáticos e tratavam-me de igual, partilhando as conversas. O Stuart que sabia das minhas incursões no Jardim Zoológico para desenhar os animais, um dia ofereceu-me um original seu que saíra pouco antes no Diário de Notícias a apresentar o Circo e onde desenhara uns animais. Conservo-o na minha «galeria» de obras oferecidas pelos amigos.
Um rapaz de que não me lembro o nome e que acompanhava o Pintéus de Sousa, foi certa vez alvo de uma brincadeira. Não assisti ao início mas uma parte do grupo dizia-lhe «…e Saramago» (não tinha nada a ver com o escritor José Saramago, isto passou-se em 1948). O rapaz irritava-se e reagia sempre mal. Então passavam o tempo a dizer-lhe isso, em meio de uma conversa, repentinamente. Escreviam-lhe postais para casa com esse dito, metiam-lhe nos bolsos sem que desse por isso, papéis escritos e quando ia tirar o lenço saltava a frase. Não cheguei a saber quem seria esse Saramago nem o que lhe teria feito, pois limitava-me a ouvir sem perguntar. Cada um dizia o que achava de contar na altura própria. Eu não impunha a minha presença, esperava que a aceitassem.
Esse jogo durou umas semanas. Também lhe telefonavam para o emprego e para casa; ao atender ouvia o clássico «e Saramago!»
Pois era este o ambiente na redação de «O Mosquito». Tratavam-se assuntos sérios, trabalhava-se intensamente para produzir o jornal duas vezes por semana mas havia um sentido de humor inimaginável. Era o extravasar da tensão criada durante um dia pleno de trabalho intenso, que se prolongava por sábados e às vezes domingos.
(continua)

No próximo artigo: COMO ERA A REDAÇÃO DE "O PAPAGAIO" 

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